quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

BOLDO

A ressaca não queria
me deixar pra trás.
Resolvi tomar medidas
extremas:
chá de boldo.
Chá de tristeza e angústia.

Olhei para a ressaca.

"Você partiu meu coração.
Veja o que você começou!",
eu disse.

"Não fui eu que comecei.
Você que escolheu este
caminho".

"Não escolhi porra nenhuma!"

Virei o chá inteiro pra dentro.
Doeu em nós.
Ela partiu, em câmera lenta.
Mas eu sei que
ela vai voltar.
Ela sempre volta.

COMIDINHA

Tô na cozinha,
fritando uma coisa boa.

Meus gatos no sofá,
orgulhosos com o
território.

Minha mente tá
no chuveiro junto
da minha ex.

Minha outra ex
tá no meu quarto,
vestindo vermelho
feito um presente
que não pedi.

E a vida passa devagar
aos domingos.
Passa
tão
devagar.

Tô no quintal, amassando
umas latinhas.
Queria uma
comidinha rápida,
mas ninguém gostou
da idéia.

Deixei tudo torrar.

Se não for do jeito que quero,
nossa ceia será
carvão.

E a vida passa num instante
durante a semana e
o ano inteiro
já acabou.

Minhas memórias estão
no sótão, empoeirando
como meu ultimo ex.

Eu só queria uma
comidinha rápida.

BARULHO DO LACRE DA LATA

Como bocejo,
é tão contagiante
que uma lata
surgiu na minha mão.

E na mão de todos
os poetas .

E na garganta do tempo.

E no fim do dia.
O próprio sol
deixou suas
latas esquentarem.

Bastou um
filho da puta
com uma
maldita latinha e
seu lacre e
o barulho que ele faz
para que
o universo inteiro
ficasse chapado.

domingo, 27 de dezembro de 2020

AS ÚLTIMAS LINHAS DE 2020

Se algo ruim acontecesse com o mundo inteiro, talvez houvessem mudanças. Mas, com a gente na encosta da praia mais solitária do universo, sorrindo para a cerveja gelada como a única saída, tudo e todos os gostos continuaram o mesmo.

Lágrimas continuam tão salgadas quanto uma porção de camarão com batata frita.

Ansiedade ainda é a mesma rotina, a mesma prisão de ontem. 

Os pisca-piscas continuam... Bem, continuam piscando.

Há uma nuvem escura em forma de corvo pairando sobre nossos sonhos. Pensar num futuro melhor é amedrontador. Mas não adianta temê-lo; somos os filhos bastardos do caos. Herdamos a natureza da destruição e da adaptação. 
 
Nas últimas linhas de 2020, não quero falar sobre o dito cujo. Todos sabemos o que este ano representou para cada um. O tempo ainda tem sabor de morte. E a sua corajosa flecha continuará seguindo em frente, para frente, sempre na mesma direção, independente do quanto pensarmos no passado.

Nas últimas palavras de um ciclo solar moribundo, quero enaltecer o que restou, o que resistiu às bombas. Não é só porque estou pra baixo que eu devo calar minhas gargalhadas para os malditos deuses que enfiaram estes pensamentos em mim. E não é só porque estou isolado que eu não deva compartilhar estas imagens com o mundo. 

Neste natal, o parabéns vai para nós, os verdadeiros merecedores de uma comemoração que celebra a sobrevivência. À todos que ficaram nas linhas de frente. Aos que tiveram empatia e se trancaram o máximo que puderam. E também àqueles que não respeitaram a quarentena. Foda-se. Estamos todos na mesma barca.

Parabéns para nós. 

O antigo aniversariante morreu há anos. Nos deixou seu mundo e suas palavras, e a gente mal conseguiu interpretar um simples sermão. Ainda atiramos pedras em putas. Ainda fazemos luxo com seus templos. Odiamos uns aos outros como odiamos a nós mesmos. E eu digo que nada mudará. Não mudou, mesmo com algo ruim acontecendo com o mundo inteiro. É impossível seguir os passos de um deus sendo esta criatura conturbada que sabe que sabe. 

Mesmo assim, tá tudo bem. Sobrevivemos. Estamos na encosta da praia mais solitária do universo, sorrindo para as estrelas. O Universo ainda nos quer por aqui. Quando Ele mudar de ideia (ou descobrir que existimos), nada poderá ser feito. Seremos magníficos como dinossauros, e tão extintos quanto. Então vamos aproveitar que estamos aqui e cear todos os recursos que a vida nos proporciona. Sem culpa, sem julgamentos. Livres como os primeiros homens, sábios e experientes como os últimos. 

E que venha o próximo livro.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

SUJEITO PREDICADO

Comi uma pizza
com gosto de mentira.
Bebi em plástico
esperando o fantástico.
No meu esquema
falhou-se todo o plano.
Eu não me engano;
a culpa é seu dilema.

Viver pra mim ou
morrer na história.
Viver por mim ou
doar minha glória.

E nessa noite o
distinto é distoante.
Não temos medo,
o valor que é distante.
Não sinto nada.
Não vejo o certo.
Talvez o certo
Seja um nada!

Viver pra mim ou
morrer na história.
Viver por mim ou
doar minha glória.

E eu não sei
o que quis.
Eu só sei
o que pedi.

E nenhuma manhã
paga o preço
do nosso apreço
por um novo amanhã.

E nenhum desajeitado
tem que governar
toda uma nação.

Eu vejo o errado
disfarçado
de "elaborado".

É mentira,
rima limpa,
sujeito e predicado.
Quem nós somos
na oração?

Viver pra mim ou
morrer na história.
Viver por mim ou
doar minha glória.

NA ESPERA

Estes sentimentos não
parecem estar com os
pés no chão.
Pelo que esperávamos?

Não sou mais o mesmo.
Fiquei em casa
por muito tempo.

Nada estava ali realmente.
O que fazia falta
se escondia entre
um dia e o outro.
Você perguntou
"Por que isto importa?"
e não houve resposta.

Você não é mais a mesma pessoa.
Ficou em casa
por muito tempo.

Na espera, a expectativa
de que será diferente.
Este sentimento não
tá com os pés no chão.
Nem dá mais pra diferenciar
ontem de hoje e
muito menos de amanhã.

Não somos mais os mesmos.
Ficamos em casa
por muito tempo.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

LÁ FORA

Por favor, apenas me siga,
pois eu me perdi novamente.
Olhamos para o trem chegando
ao mesmo tempo,
só que embarcamos
em estações diferentes.

O que me custou eu
já investi em mim.

Lá fora, em stand by,
a chuva cai com sol.
Meio que me identifico.
Mas não quero te aborrecer
com sentimentos passados
(que passaram só pra você,
talvez, pra mim nunca passaram).

Segui adiante, sem deixar rastros.
Amor não é um dogma.
É arrogância dizer que
só isto basta.
Ou ingenuidade.
Afinal, embarcamos em
estações diferentes, lembra?

Boto meus olhos na janela
para enxergar este mundo.
Ensinei-me que é assim que é,
mas não é assim que tem que ser.
Meu reflexo sorriu pra mim,
como há muito tempo
não fazia.

Lá fora, a chuva encerrou o ato.
Nunca fiquei tão próximo
de um arco-íris
quanto agora.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

MANHÃ

Olhos secos, já se
foi o suficiente
por um mundo
antes mesmo de
sair da cama.
Dias de céu azul
facilitam a
virada de página.
Pensando sobre
tudo o que vai
acontecer,
tão distante.

Tomaria café agora.
Mas aí seria o
mesmo de sempre.

TARDE

Acabou sendo
o mesmo de sempre.
Sonhos e promessas 
fugiram das 
nossas mãos para
o pôr-do-sol.
Voltamos do trabalho.
Olho para os meus pés:
é o começo do fim.
Procurando por alguma
migalha de orgulho
pelo que foi feito
entre o dia e
a tarde.
Só nos restou
a noite.

NOITE

Agora que ela chegou,
posso deitar
e encarar a
luz das lâmpadas
de LED do meu quarto.
Agora que o sol
não sorri mais,
posso pensar com
mais frequência.
Cruzando informações entre
minhas memórias e
a cidade em véu negro.
Me traz esperança.
Talvez a gente podia
se encontrar esta
noite.
Ou podemos deixar
para o dia
de amanhã.

PLAYGROUND

Meio amargo no playground.
Ao redor pessoas
se tratando como
pessoas se tratam.
Sentado no banco,
meu sorvete derretendo.
Alguns metros dali,
o amor é uma coisa.

O sol dando tchau pro playground.
Todo mundo no fim
do dia.
Eu queria ser
outra pessoa;
aquela que estiver
contigo agora.
Meu relógio travou.

Balançando minhas pernas,
vejo as crianças matando
uma garrafa de vodca.
Já fui uma delas.
O sorvete mancha toda
minha roupa.

Meio amargo, vou embora do playground.
Mantenho as mesmas
batidas no coração
da minha infância ou
quando estava contigo ou
quando eu era mais
doce.
Jogo a casquinha
no lixo.

CÍRCULOS NA MINHA MENTE

Tire uma foto e
guarde no seu bolso.
Prometa que você
não vai mudar.
Que tudo será
como é.

Relaxe, não vou
contar pra ninguém que
você concordou comigo.

Deixarei ir embora,
porque não quero mentir:
corro em círculos na
minha mente, em
círculos, círculos,
círculos.

Aqui estou, esperando
alguém que não é mais.
No campo aberto em
meio à tempestade.
Aqui estou, esperando
que o passado me salve.

Relaxe, não vou mais
te aborrecer comigo.

Deixe eu ir embora
porque não quero mais mentir:
corro em círculos na
minha mente, em
círculos, círculos,
círculos.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

ENTARDECER

Você ficou ali
parada, sozinha.
Você disse que
estava olhando
o sol ir embora.
Vi claramente
em seu rosto.
Você pode tentar
a noite inteira,
achar uma resposta
pra suas questões.
Boa sorte.
Algumas coisas escaparam
tempo abaixo.
Nossa juventude foi
ontem.
Agora parece que
só chove.
Podemos tentar
encontrar uma
razão pra sermos
mais sentimentais.

Você ficou ali parada
olhando o sol
ir embora.
E apenas isto.

FINAL DE ROLÊ

Ta ficando tarde e eu
não tô mais legal.
Minha cabeça gira e
eu não tô ficando
mais bêbado,
não importa quantas
latas eu amasse nas
calçadas.

Tá ficando mais
apertado e eu
me sinto menor.
Tento manter minha pele
no meu corpo.
É fácil ser você
quando não há espaço
para outra coisa.

A bebida tá quente,
entrando em coma.
E eu...
E eu...
E eu...

Tô tentando acordar
morrendo aos poucos.

PERSEGUIÇÃO

Algum lugar pra me esconder
ou esquecer
que seu cheiro
ainda me faz sorrir.

Me tirou da minha cabeça,
me jogou direto na
insanidade.

A paixão está correndo atrás
de mim e
eu não quero, não vou, não posso
fazer nada a respeito.

Apenas encarar
a luz do sol e
o fato estranho
de existir.

Mantenho o sentimento
mas agora não
sei o que faço.
Hoje, se a gente estrelar
naquele filme de
falas improvisadas,
haverá algo
entre a gente
sorrindo como o infinito.

CONFLITANTE

Posso estar de surpresa
numa guerra noturna.
Esse troço atira,
por trás dos destroços
do rolê,
inimigos e aliados.

Tem sido um período
conflitante.
Pensamentos antônimos
e palavras mal-pensadas
explodem como
minas terrestres.

Descobri que alguns incêndios
são mais importantes
do que outros.
Apontar essa diferença
é como jogar madeira seca
no fogo.

Estava um pouco melhor
quando todo mundo
podia se beijar e se
abraçar.
À distância perdemos o
senso de empatia e
tudo o que resta é
o conflito.

Ou talvez isso seja
só mais uma
opinião incongruente
pra servir de pólvora.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

O SUFICIENTE

Você é minha desculpa
pra sair de casa.
E se você me chamar,
eu atravesso São Paulo
debaixo da chuva
só pra te ver.
Gosto de você o
suficiente para isto.
Porque contigo é simples,
e são os detalhes que
realmente importam.
Me importo o suficiente
para largar meu conforto.
Você é minha desculpa
pra crescer fora dos
meus portões.
E se você me amar,
eu amarei São Paulo
debaixo da chuva.
Porque contigo é contagiante.
A doença já se propagou.

PLANTANDO AMANHÃ

Tentando se relacionar
com a própria essência.
É a parte da música
que fica em silêncio.
Mas ninguém está
calmo o suficiente
pra aguentar um vazio
desta proporção.

Entenda que é
uma segunda chance
de entender que
são só lembranças.
E o fim de hoje
é adubo pra amanhã.

Mas não vamos nos
prender nas 
nossas memórias.
Que tal salpicar
possibilidades e
pessoas que vem e vão
no prato principal
da vida?

Me chame pra tentarmos
absorver
o fim de hoje
pra plantarmos
amanhã.

ISSO É O QUE SOU

Meu alter ego me perguntou
"Você não sabe que
não precisa ser tão
duro consigo mesmo?"
É mais difícil seguir
instruções do que
dá-las.

Isso é o que sou.
E não era pra ser.
Talvez fosse melhor.

Comecei a amar a
única pessoa que me julga;
eu mesmo.
Ninguém mais.
Meu alter ego faleceu
entre linhas de
poemas e
linhas de trem
me dizendo que
é isso o que sou,
e tudo o que devo ser,
e que é melhor assim.

JUSTO

Gosto de ouvir música
o dia inteiro.
E isto é justo.
Não me importo quem
você seja.
Eu já disse.
Vamos botar
combustível nesta
chama dentro
da gente.
Vamos ensinar o mundo
como transar
com a galáxia.

Gosto de ouvir
minha voz.
Caçar palavras
para matar.
Voltar pra casa e
continuar, continuar,
continuar.
E isto é justo.
Não me importo quem disse.
Me dê a mão e
um pouco do que
você tá bebendo aí.

NÃO SOU UMA PESSOA NOVA

Aonde quer que estamos,
parece algo novo.
Não sou uma pessoa nova.
Faço dieta de rezas e
dou passos falsos
em direção à fonte.

Mesmo em algo novo,
parece que estamos
nos velhos tempos.
Sou um velho amigo
que teimou em
não deixar você ir.

Surfando a onda da alegria,
quebro a dieta com
fé em nós mesmos.

Mesmo com a silhueta em recortes,
agora é só com a gente.
Atingimos o muro.
Vamos conversar
até nos entediarmos
com o que
já sabemos.

Não sou uma pessoa nova.

AFOGAR

Mergulhando em seus olhos,
eu me molho com
a sua alma.
É tão lindo dizer
"adeus" num dia assim.
Me chame quando
tudo estiver pronto.
Quando tudo estiver
indo na mesma direção.

Deixe eu me afogar
em você
uma última vez.

Não sei porquê,
sinto que é o melhor
a se fazer conosco.

Olhe este pôr-do-sol.
É tão lindo dizer
"olá" numa tarde assim.
Você vira as costas e
me puxa para
praias intocadas.

Deixe eu me afogar
em você
uma última vez.

Sim, agora a noite
e a lua ficam
sem saber o que fazer,
e circulam como a gente;
orbitando o que sentimos.
"Até logo", você diz.

Deixe eu me afogar
em você
uma última vez.

A FESTA

Tímido, ainda saindo da cama.
Há muito ainda para
ir embora.
Mais um dia de favores.
Dias de prazeres que
me fazem flutuar
facilmente pela
brincadeira.

O coral canta na festa.
Quem se convidou
também trouxe 
outros convites.

Fora da porta,
fumando um cigarro e
olhando a grama
nascendo do asfalto.
Uma guitarra sola e
um sorriso dança no 
ritmo certo.

Mais um dia disto
me faz viver
facilmente pelo
o que quero tocar.

Cantamos na festa inteira.

LIVRES, TALVEZ

Eu consigo andar
tranquilo ao seu lado,
e amar cada detalhe
do seu ser.
E você ainda assim
não se vê.

Quando que estaremos livres
destas correntes que
aprisionam nossas mentes?

Em todas as dimensões,
as luzes se apagam.
E eu sinto seu corpo
na ponta dos meus dedos.
E você ainda assim
não consegue se sentir.

Quando que estaremos livres
para nos carregarmos
por aí?

O QUE SOBROU

Acordando, comendo, dormindo.
E ainda assim não
há sinal de vida
na frequência do
sentimento.
Consigo ver aonde
a canção nunca termina.
Onde o coração
bate mais forte e
mais rápido.
Ainda assim, é
esquisito não saber
mais nada sobre você.
A gente só queria 
uma coisa mais simples
e mais cômoda. 
Agora não sobrou
muito além do que
lembro sobre você.

MELHOR NOS SONHOS

Algum dia vou encontrar
o que ainda admiro.
Talvez isso seja
melhor nos sonhos.
Ainda assim é
o melhor que tenho.

Fora, numa janela.
Amor, lembre-se que
estou sem sorte alguma.
Mas talvez eu acerte
nesta rodada.

Será fácil, tão fácil
quanto amar.

RESPIRANDO

Se você acredita que
posso acreditar em mim,
acredite em mim,
não posso.
Respiro profundamente
a cada segundo 
em pontos aleatórios
da cidade.

Mas se você ainda quer
me confundir com
uma estima inacreditável,
e crer que acredito em mim,
acredite em mim,
não funciona assim.

Quando a cidade desligar,
vou respirar mais devagar.
Vou me ligar à noite,
na tomada do carregador,
atravessando essa merda toda.

TÁ NA MINHA RESPONSA

Talvez eu esteja sonhando acordado
tentando fazer alguma coisa
acontecer.

Tá na minha responsa.

Se foi o movimento certo,
eu não sei.
Mas leva algum tempo
para que 
uma planta floresça.

Tá na minha responsa.

Não consigo tirar meus olhos
de todos ao meu redor,
tentando entender
o que está acontecendo
na minha vida.
Perdido num tipo de
clube,
andando em círculos.
É uma questão de confiança.

Tá na minha responsa.

terça-feira, 10 de novembro de 2020

UM MOMENTO DE DESCONTRAÇÃO

Na Peixoto, de boa.
Ninguém sabe a barra
que cada um tá passando
nessa vida fodida.
Mas tá todo mundo
de sorriso aberto,
rindo que nem criança,
falando mal do governo,
misturando
novos sabores de Corote.
Deixando de lado o
peso das costas
junto às mochilas
no canto,
perto do mercadinho
do China, onde o
goró é mais barato.

Isolado, você começa a
pensar que é
o único sofrendo.
Lembre-se, entretanto,
que as maiores risadas,
as mais bonitas gargalhadas,
são heranças
das piores angustias.

VIRA-LATA CARAMELO (CARPE DIEM)

Ele pulava e rodopiava
toda vez que a gente
falava 
"QUE QUE É ISSO, MENINÃO?".

Sentava, orelhas pra baixo.
Fingia que a gente
não estava comendo e
que ele não queria
um pouco.

Dava uma olhada de vez
em quando.
Era só fazer qualquer
barulho que ele
já virava com tudo
com aquele olhar
de baixo para cima.

Fomos embora e
ele se deitou
como se fosse
morar ali.

No dia seguinte,
entretanto,
não estava mais lá.

STATUS

Frustrado.
Carente.
Decepcionado.
Confuso.
Indignado.
Amedrontado.

Entrando em colapso
como uma estrela velha
prestes a virar
um buraco-negro e
fazer uma galáxia inteira
orbitar o
vazio.

Engolindo a luz,
sentimento de posse.
Gravidade que
só te põe pra baixo.

Emocionado.
Nostálgico.
Entediado.

O status do agora
ansiando o futuro,
refletindo o passado.

LIVRE

O espírito livre
caminha sobre
a própria solitude
como se 
fosse uma benção.
Mas bençãos e
provações
andam lado a lado.

Agora o espírito livre
está de quarentena.
Livre pra estar só.
Sempre volta
nesta questão.
Mas questões e
respostas
andam lado a lado.

O espírito livre
quer ser livre
pra morrer,
por não aguentar mais
bençãos e provações,
respostas e questões.
Mas vida e
morte
andam lado a lado.

O espírito livre
não tem escolha
a não ser continuar
com a dança das ilusões.

ENLOUQUECENDO

Não tem mais parafusos
na cabeça.
Foi tudo colado
com cuspe e chiclete.
Remendado, 
fios elétricos amarrados
sobre poças d'água.

A mão da obra
deu um murro
na sua cara e
agora está
enlouquecendo
como um
cogumelo nuclear.

A promessa foi desfeita,
a inverdade foi invertida,
a insanidade foi concebida,
o flagelo foi amaciado,
o egoísmo foi altruísta.

Não há mais cabeça
pra nada do que pode
vir a acontecer.
Perda-total,
lucro imoral.

Onde os loucos
são descartados?

O LADO NEGLIGENCIADO

Você se sente bem
quando olha
pro espelho?
Quando olha
na própria
janela da alma?

Há aquele
lado negligenciado
que varremos
pra baixo do
tapete vermelho.

Um lado que
deseja a morte
de tudo.

Um lado obscuro
que ressoa
com o Anticristo
mais do que
o outro lado
ressoa com o
próprio Cristo.
Um lado que 
nem acredita nisso.

Hedonista.
Egoísta.
Preconceituoso.
Ou simplesmente
sem conceito algum.
Um lado que só quer
sair por aí e
sobreviver.

Eu deixo esse meu lado
apagar as luzes
durante a noite e
caminhar pelo telhado,
pela noite escura.

Você se sente bem
quando olha
pro espelho?

O PIOR VÍCIO DA HUMANIDADE

Sabe o que mata mais
do que cigarro?
Outras pessoas.
É por isso que
não as consumo
em excesso.

Antigamente
você me veria,
com frequência,
fumando um no canto
de qualquer festa.

Então uma pausa
pra socializar.
Alguns tragos
são mais fortes
do que outros.
Alguns tragos
estouram seu peito.

Tô realmente
pensando em parar.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

NÃO HÁ SAÍDA FÁCIL

Quando as letras de pagode
fizerem sentido pra você,

não há saída fácil.

Quando você dorme,
sonha,
acorda na mesma pessoa;
e o dia se prolonga
na memória do seu
rosto,

não há saída fácil

Quando dá pra
jogar tudo pro alto, ou
quando correr atrás do trem
todos os dias
se tornar nada comparado
ao que você quer
construir com a pessoa,

não há saída fácil.

ÚLTIMOS

O último amor.
A última lata.
A última risada.
O último passeio.
A última entrada e
a última saída.

Últimos segundos
pra dar valor à vida.

A última dor.
O último olhar.
A última canção.
O último pôr-do-sol.
A última alvorada.
A última ressaca e
a última sobriedade.

Últimos segundos
pra dar valor à vida.

O mais intrigante 
disto tudo
é que nunca saberemos
quando for o último.
E até a palavra
fica estranha.
A última palavra.

BOLOS

Já levei alguns
bolos, 
mas alguns são
mais amargos do que
outros.
Tem uns que
nem dá pra
empurrar pra baixo.
São nestas horas que
a gente percebe
nosso papel de trouxa
nesse teatro de
futilidade.
Mas a gente 
tem que tentar
não levar pro pessoal.
É só mandar a pessoa
ir tomar no cu
com carinho.

NOVO RECORDE

Estou a 28 anos sem morrer
ou sem tirar minha vida.
Este é meu
novo recorde.
Amanhã vou tentar
batê-lo novamente.

SAIDEIRA

Depois de ter
fumado uns,
ele ainda queria
comprar mais breja.
Já estávamos no
terceiro engradado.
"Saideira", ele disse.
Fomos até a adega
perto de sua casa.
Abriram muitas adegas
com esta pandemia.
Creio que beber
seja o jeito mais
fácil de engolir
essa situação.

Muito doido, chapado,
ele tomou na bundinha,
virou outra lata,
misturou o resto de
vodca
dança na mesa.
Depois ele
aprendeu a amar.
Ficou me amando
a noite inteira.
"Te amo cara, você é parceiro",
ele repetia duzentas vezes.

Falei que ia embora.
"Saideira", ele disse.

Não lembro como voltei
pra casa.

EXPOSIÇÃO

De barriga exposta pros anjos,
ele deita na calçada
da rua mais podre
de São Paulo.
Coça o rabo, levanta,
vai até o lixo e
arranja um copo.

Na outra calçada,
observo seus passos.
Tô enfiando Corote
goela abaixo.
É óbvio que ele vai
me pedir um gole.

Mantemos contato visual.
Ele vem na minha direção.
"Essa porra mata", ele diz.
Passa direto, de copo vazio.
Vai embora.

Acho que tá bom
por hoje.

BLOQUEIO MENTAL

Nada. Nada pra 
expor aos meus amigos.
Será que 
a iluminação
foi alcançada?
Ou é só
uma mente cansada
de tanta merda
dia após dia?
Vou votar 
na primeira opção,
mas sei que a 
segunda vai ganhar.

MÁQUINA DE GUERRA

Nas piores noites imagináveis,
nessas que são imaginadas
dentro da mania
de pensar demais,
sento diante do
meu computador.
Declaro guerra.
Metralho o ócio
desprovido de poesia
como se fosse
caso de vida
ou morte. 
E não deixa de ser.
Mesmo que ninguém veja
a glória que é
mandar uma letra
atrás da outra,
eu continuo escrevendo.
Porque quando eu
parar, o coração
também vai.
Vou dar uma mijada,
abro outra lata,
até os olhos se
cansarem ou
as idéias não
fazerem sentido.
Ah, talvez nunca
tenham feito.
Vai saber.

QUARTO ESCURO

O que acontece
num quarto escuro
que não pode acontecer
à luz do dia?
Bem, autenticidade
é uma dessas coisas.
Deveríamos passar
mais tempo em
nossos quartos
com tudo apagado e
ver como são
nossas sombras
quando estão
misturadas no ambiente.
E então coragem para
assumir
quando for preciso,
ao invés de se acovardar
no preconceito.

COMO SER SÓBRIO

Beba sol. 
Coma céu.
Exercite as
palavras.
Ame, mas não muito.
Odeie bem pouco.
Engula músicas.
Cague desimportâncias
(ande enquanto isso).
Repita novos conceitos.
Crie clichês inúteis.

E se mesmo assim
a cerveja suada
lhe convidar
pra sair...

Bem, não seja
mal-educado

MAU COMPORTAMENTO

Um dia chegará a sua
vez de ter um
mau comportamento.
Sem dizer ou
dizendo em 
excesso.
Sem fazer ou
agindo como
louco.
Você vai,
de alguma forma,
dado tempo suficiente,
ser um filho da puta
na vida de alguém.

BOM COMPORTAMENTO

Todas elas passam pela
sua vida e seus dias e
você tem bom comportamento
diante destas pessoas
que com certeza,
de alguma forma,
dado tempo suficiente,
irão foder você.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

A DIFICULDADE EM LIDAR COM PESSOAS

Jogue uma moeda. Concentre-se no resultado. Faça o possível para dar "coroa". Calcule exatamente a força com que seu polegar empurra a moeda. Conte os giros no ar. Veja o resultado. Faça isso mais cem vezes. 

Provavelmente não deu "coroa" em todas as jogadas. A moeda pode até ter caído em pé uma vez ou outra. Fugiu pra debaixo do sofá, da mesa, da geladeira. Claro, existem máquinas que podem virar uma moeda com 100% de precisão. Mas toque na sua pele, abra a boca e olhe pra dentro da garganta; você é tão máquina quanto um gato. E espera da sorte, das outras pessoas o mesmo que um gato espera de seu dono todos os dias. 

Eis o problema: queremos resultados específicos das pessoas. Atitudes corretas tomadas pelo simples fato de que sabemos calcular o giro da moeda. Esperamos o binário "sim ou não", mas há todo um espectro de respostas entre um extremo e o outro. Talvez todo o universo determine estas respostas, ou então nada enfim, o puro caos e absurdo que é ser humano. 

Mal conseguimos ter um resultado preciso de nós mesmos. Se fosse ao contrário, não escolheríamos acordar sempre de bom humor? Ou gostar e desgostar de alguém no ato? Ou parar de procrastinar nossos sonhos? Não há um único maldito neste lugar que não tenha se decepcionado com o próprio reflexo no espelho. Não somos simples, a vida é que é.

E quanto mais gente se enfia nessa equação, mais aleatórios são os desfechos. A decepção é inevitável quando se espera a lógica de seres emocionais. Seres que sabem que pensam, mas não sabem pensar. Relacionamentos queimam, ardem, e quanto maior a potencia, maior a quantidade de fuligem nos canos. É por isso que é fácil odiar quem amamos; talvez estes mesmos canos precisem de uma limpeza.

As moedas cairão do jeito que devem. E nessa vida, você terá de gastá-las um dia ou outro. Deixar que partam para outras mãos, outros bolsos, outros bancos. Mesmo que seja complicado consegui-las, mais difícil ainda mantê-las e impossível sobreviver sem elas, as moedas cairão do jeito que devem, e nada poderá ser feito antes disto.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

INCENSO

Imagino nosso agora
queimando lentamente
como incenso de
baunilha.

Imagino que não há nada
acontecendo.
Entre planos e desejos,
ficamos próximos do desapego.

Uma chuva doce
cai por toda uma cidade.
Gotas lavando o desafeto,
ignorando o incerto,
brilhando no concreto.

Imagino que tá tudo bem.
Enquanto o incenso não acaba,
sonhamos como anjos.
Como o divino e o profano,
a verdade e o engano,
deuses e humanos.

E então um café bem forte
pra quebrar essa dualidade.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

SORTE À PROVA

Numa terça, cara de chuva, fui pra Av. Paulista. Minha cidade é linda, mas é feita de açúcar. Eu tinha umas coisas para resolver lá, mas minha cabeça é uma gaveta de meias desorganizada. Não havia dormido bem na noite anterior. Só de imaginar o trem e o meu corpo na cidade depois de todo este tempo, meu peito começava a estralar e minhas mãos viravam dois blocos de gelo. Tentei meditar, tomar chá, socar o travesseiro, me masturbar. E o ruído branco continuava na minha mente. Já estava na hora. Botei minha sorte à prova. 

Fui até a Alameda Santos e fiz o que eu tinha para fazer. Estava cedo ainda. Com um pouco mais de tranquilidade, resolvi dar uma olhada na Rua Augusta. Comércios novos, moradores de rua velhos. O ar ainda era o mesmo, o contraste era preto e branco. 

Havia uns trocados à mais no meu bolso. Decidi contrastar minha garganta seca com uma cerveja gelada. O líquido espumou na minha língua, desceu efervescente, refrescando meu esôfago. Em um gole, meia lata. O céu escurecia e algumas gotas apressadas já caiam na calçada.

Fui embora até a estação. Álcool em gel a cada 5 minutos. Na Luz, um amontoado de gente na plataforma. O trem lotado de potenciais portadores de Covid. Eu precisava ir embora naquele instante, ou eu teria de enfrentar o horário de pico. Entrei, me enfiei no meio daquelas pessoas. Meia hora depois e o trem não havia se mexido.

Falha técnica. Descarga elétrica. Chuva. Açúcar.

Minha única opção era pegar o metrô até Itaquera e de lá pegar um ônibus. Olhei meus bolsos: R$4,20. Faltavam 20 centavos para completar a passagem. Sai do trem e olhei minha carteira. Havia dois poemas dentro dela. Botei minha sorte à prova mais uma vez. O primeiro casal que vi, sentados no chão, de risos e coxinhas. Uma moça e um rapaz. Teria de ser aqueles dois.

- Olá! Eu tô dando poemas para as pessoas com quem eu vou com a cara - eu disse.

Entreguei o poema, eles leram. Estavam quase me agradecendo. Eu interrompi:

- Vocês têm 20 centavos?

O rapaz deixou um riso escapar. Houve alguns segundos de silêncio constrangedor. A moça me encarou e perguntou:

- Só 20 centavos?
- Sim, só 20 centavos. O trem tá parado e eu preciso chegar na José Bonifácio. To querendo completar a grana pra pegar um ônibus em Itaquera. 

A moça então me deu uma moeda de 50. Caminhei cheio de sorrisos, na direção oposta da multidão. Era como descobrir o segredo da vida, a resposta divina. Achei a falha no sistema. Dali em diante, era tudo uma questão de paciência e resistência física.

Quando cheguei em casa, tomei um banho, coloquei o volume no último e fiquei esticado no sofá, com o corpo todo moído, em estado meditativo.

Sério, não havia mais nada na minha cabeça.

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

(O)CULTO

Há um culto, sim, um culto
dentro de mim.
Véus que respingam
água benta
nos meus demônios,
que querem ser anjos.
Enquanto os santos,
em orgia, 
gritam na revolta
por mais espaço
para pecados.

Há um culto
dentro de mim.
Deus está chapado.
Sempre esteve.
Demoramos pra perceber.
É firmeza, mas dá
umas brizadas aqui e
lá.

Há um culto 
dentro de mim.
Não sei se cantam hinos
ou se fazem
solos de guitarra.
Talvez os dois ao 
mesmo tempo.

É errado desrespeitar pai e mãe
quando eles destroem sua mente?
É errado roubar
de quem te roubou primeiro?
É errado matar 
antes de ser morto?

E há um culto dentro de mim
que reza à um deus impossível.
O deus do amor, do respeito,
do "você sabe o que é certo,
caralho, nenhum padre
ou poeta tem que te
dizer o que fazer".

terça-feira, 6 de outubro de 2020

OTÁRIO

Um vício em organizar
um pouco do que o
tempo me recompensa.
Repetindo as ações
como inseto em natureza.
Nasci pra ser otário.
Vem a pergunta:
"Pra que isso,
se queimar tudo
é mais fácil?".
Agora eu morro,
no meio eu morro,
no fim eu morro
junto de meu encosto,
o troco fosco
à mim posto
por ser tosco.
Organizei minhas roupas
em ordem de cores.
Dias cinzas e
brisas infindas
serenando em cada
passo, cada lapso de
carência.
Eu tô carente pra porra.
Ninguém deve saber disso.
Os carentes são
devorados primeiro.
Ou esquecidos, ignorados.
Não nasci pra ser ignorado.
Repetindo ações,
entendendo que tudo isso
não passa, não disfarça,
piada sem graça.
Queimar tudo é
mais fácil.
Não nasci pra viver o fácil.
Só nasci pra ser otário.

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

CONTATINHO

Eu não tenho nenhum
contatinho.
Gosto de encarar e
dizer
"tá escondendo nada não?".
Acredito que ficar
nessa lenga lenga
virtual
é como ver
uma prévia de um pornô
antes de se masturbar.
É por isso que
estou sozinho.
É por isso que
invejo meus amigos
e amigas
com suas milhares de
fodas casuais.
É por isso que invejo
minha mãe e
meu pai.
Porra, até meus gatos
transam.
Eu não.
Prefiro encarar.
Olho no olho.
Ninguém consegue manter
contato visual
por mais de dois segundos.
As garotas não me
olham mais
como me olhavam antigamente.
Garotos são fáceis.
Sempre foram.
E é por isso que
perderam a graça.
Eu não tenho contatinhos.
Talvez nunca os tive.
Sigo errado pelos
dias incertos.

terça-feira, 29 de setembro de 2020

A LIÇÃO MAIS VALIOSA


Depois que seu ego
leva um soco na cara,
você aprende
a lição mais valiosa:
viva fora da sua mente.

A sua mente vai
inventar histórias e
contar mentiras e
desejar vingança.
Não foque nisso.

A sua mente vai
elaborar planos
no meio da madrugada.
Não foque nisso.

Ela vai te prender
no que já foi.
E então vai
ansiar pelo que
talvez não aconteça.
Não foque nisso.

Ao invés disso,
foque aqui no
mundo de fora.
Nas suas ações.
Esqueça essa imagem
que você tem de você.
Esqueça em tentar
protegê-la.

Respire FUNDO e
foque apenas na
maneira que você
gostaria de agir
aqui e agora.

Deixe que digam,
que pensem,
que falem.
Estão apontando o dedo
apenas para a opinião
que eles têm de você.
E você não é uma opinião.

Assuma os riscos,
assuma os erros
e continue
aqui fora.
Continue presente.
Continue agindo,
alcançando seu potencial,
fazendo o melhor
que dá pra ser feito agora.
FOQUE NA ATITUDE.

E se o seu ego
se ferir,
deixe que morra.
Não é ele que controla
seu corpo e suas ações.
É a sua vitalidade,
a sua consciência.

Você é maior do que
qualquer história.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

O VENDEDOR DE POEMAS - PDF Gratuito para baixar

Finalmente terminei minha primeira coletânea de poemas.

Você pode baixar gratuitamente o PDF clicando AQUI ou no final desta postagem.


Nesta obra, eu dividi os poemas em 4 categorias:

NA RUA - poemas sobre meu cotidiano como vendedor de poemas.
NO SER - textos introspectivos e conselhos inúteis.
NO SEXO E NO AMOR - poesia erótica e desilusões amorosas.
O FUMO - um puta poemão enorme que eu escrevi de uma vez só quando alienígenas possuíram meu corpo.

Caso queira doar alguma quantia, fique à vontade:


Espero que você tenha uma ótima leitura. 





ENTROPIA

São quatro horas da manhã e
daqui a duas horas eu preciso estar
funcional.
É tão difícil conseguir um
maço de cigarros e é
tão fácil fumá-lo ou 
jogar tudo no lixo.
Destruição é o princípio do
universo, e eu entendo meu papel.
É que eu ainda me preocupo
com as pequenas coisas, com as
pequenas humilhações cotidianas.
Talvez essa seja minha âncora
neste mundo; minha amada
ansiedade.
Eu sei o final,
eu sei qual é a porra do final.
E mesmo assim cá estou: no meio.
Você amaria alguém que vai morrer?
E por que você o ama?
Esta é a sua vida, fadada à entropia.
Ponha um sorriso
na merda do seu rosto.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

DESPERDÍCIO

DESPERDÍCIO

Há dias em que
é melhor
ficar parado.

Deixar tudo passar
sem intromissão.
Estou dizendo para
pegar este dia
e rasgá-lo 
e queimá-lo
como se fosse
uma nota de 200.

Não veja como
desperdício;
é só uma questão
de controle.

Deixe o tédio sufocar
seu ser por inteiro.
Sinta-se inútil.
É seu direito
de nascença.

Nada de criar,
reclamar, beber.

Seja apenas fumaça.
Espere subir aos céus
e caia na gente
como chuva escura.

Não ser 
também é uma
escolha.

terça-feira, 15 de setembro de 2020

MAS EU TÔ BÊBADO

Não fure a fila.
Não diga isso.

Mas eu tô bêbado.

Não seja escroto.
Peça desculpas.

Mas eu tô bêbado.

A lua tá estranha.
E se até a lua
tá assim
eu também posso estar
minguante.

Não faça isso.
Não seja aquilo.

Mas eu tô bêbado.

Tá invencível.
Tá todo torto.
Caiu da escada e não morreu.
Dia nascente,
noite morrente.

Otário solitário
mordendo a própria corrente.

Não me pergunte onde vou.
Não me diga o que fazer.

Eu tô bêbado, bem louco.
Pronto pra me foder.

Amanhã, talvez.
Amanhã, talvez.

AMA

Pálpebra inchada e dolorida. A moça da recepção diz que só há um médico atendendo. Olho para trás e vejo mais de trinta almas esquentando os bancos com suas bundas e doenças.

Esse tom robótico do sistema público de saúde é um exercício de humildade; você não é especial. Nessa claustrofobia há perrengues maiores e menores do que o seu. Aguarde seu nome ser chamado. Pode se sentar. Tento soltar uma piadinha mas é como fazer cócegas na argila.

Há um mercado aqui perto. As chances de um antibiótico ser receitado são altas. Vou beber uma última cervejinha. Escolho o latão de meio-litro e bebo como uma dose de cachaça. Os enfermeiros me olham e me invejam. Eu sei disso. Sinto nos folículos da minha pele. Pois eu também os invejo: toda profissão é útil mas só a deles é reconhecida. Ninguém agradece o pessoal da limpeza. Há lendas de que eles nem existem, mas eu vi um deles certa vez e era uma moça que escrevia poesia. Invisibilidade dupla.

Reparo nas árvores do lado de fora e nos gritos de indignação lá dentro. Coqueiros que lembram a praia e indiferença que remete o inferno. Termino o latão. Enfio, penetro, arregaço meus ouvidos com fones de ouvido e boto um indie pra tocar. Não dá pra reclamar mais baixo não? Você está estragando meus privilégios. Suas queixas não estão no ritmo certo.

Nenhum nome é chamado e o time de enfermos em nada muda. O relógio da parede está até tonto. Resolvo ir embora. Há dias em que não adianta forçar.

Na manhã seguinte, a moça da recepção pergunta o que tenho. "Vou te responder apenas com um olhar". Tiro os óculos escuros e ela dá risada. Minha pálpebra esquerda dobrou de tamanho. Perco a singela simetria facial. Entretanto aquela risada me embelezou de alguma forma. Gosto de ser palhaço. Gosto de ser o tolo, mas isso é assunto para outro momento.

Oito bundas desta vez, e vários médicos ao invés de um só. Foi rapidinho. Uma pomada e compressas de água quente. Beijo, tchau, obrigado, bom serviço. Passo na farmácia do posto e consigo a pomada de graça. O farmacêutico é um amor.  O sistema público de saúde às vezes funciona. Há dias em que não precisa forçar.

Volto para casa mais lindo, tranquilo e humilde.

A FODA PERFEITA

No meu quarto.
Sem pressa alguma.
A pessoa gosta de Naruto.
"Vamos fumar um antes?".
Eu não tenho um
ataque de pânico por causa
da maconha.
Meu pau fica duro
por mais de 5 minutos.
Sexo oral.
Meu maxilar chega a doer.
Qualquer música ambiente,
de preferência Jazzhop.
Todo mundo goza. De verdade.
"Meu personagem favorito é o Nagato".
"Gosto muito do Itachi".
Breja.
"Adoro a vibe do seu quarto".
Segundo round.
Deixa fazer na cara.
"Tá tarde. Quer dormir aqui hoje?".
"É lógico!".
Terceira rodada, ou uma
longa conversa sobre
Bojack Horseman.
"Carai, que fome".
"Bora pedir uma pizza?".
A pizza chega em 15 minutos.

NUNCA TRAÍ MINHA POESIA

Mas ultimamente
não posso dizer o mesmo dela.
Não que eu queira controlar
o que ela pode ou não fazer.
É que se não fosse por mim,
ela não seria nada.
Apenas uma idéia polêmica
escondida num nicho
da minha mente.
Tem gente que vai falar
que eu tô sendo
artista
por pensar assim.
Mas nem todo poeta
é artista.
Eu mesmo não sou
porque minha mãe me educou.
Afinal, se fosse ao contrário,
se eu traísse a poesia,
seria considerado
o "adultão", o "bem-sucedidão".
É um mundo bem injusto
para ela.
Julgá-la por ter me traído,
enquanto tantos outros
poetas maltratam e traem
suas poesias
é, enfim, a hipocrisia.
Desejo toda sorte do mundo
para todos os envolvidos.
Agora, mudemos de assunto.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

QUANDO TUDO ESTÁ PERDIDO, LEMBRE-SE

Não precisa elogiar meus
textos.
Elogie minha teimosia.
Elogie os anos que perdi
e os anos que ainda perderei.
Elogie meus erros.

Aplauda minha falsa indiferença
ao escárnio.
Aplauda minha coragem
de doar pedaços de mim
para estranhos.
Aplauda meu primeiro passo
tosco e ridículo

Escrever é a parte mais fácil.

Não se entregar
quando tudo corre
na direção oposta;
eis a maestria.
Não enlouquecer
quando o mundo
pesa no peito;
eis a maestria.
Não deixar morrer
o amor daquele começo,
daquele momento que 
te botou neste percurso;
eis a maestria
que se tenta alcançar.

Há de se resistir.
Uma batalha após a outra.
Alma em frangalhos.
Aproveite seus machucados e
escreva com o próprio sangue.

Pode ser qualquer palavra.
Arquibancada,
Poder, Financiamento,
PLENITUDE, Juízo,
Bola de leite.

Não precisa elogiar
nada do que fiz,
nada do que sou,
nada do que posso ser.
Elogie a si mesmo e
aplauda o espelho 
quando tudo está perdido.

Se você falhar
igual a um deus
e seus dilúvios,
terá o mundo 
em suas mãos.
Falhe miseravelmente
quantas vezes puder.

Eis a maestria.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

CANÇÃO NOTURNA FELINA

Ao creme das nuvens uma
voz ecoa.
Pequenas patas esmagando amianto, buscando novos telhados.
Olhos teimosos.
Canto de um gato que não é meu.
Sussurro de porcelana
aos pés de uma montanha
de tijolos baianos.
Eu fico acordado.
Penso e não existo.
O impossível blasé caminhando
sobre meu quarto, gemendo
línguas de metal.
Cães começam a latir,
e o silêncio da madrugada
rasga-se em parcelas
até retornar vazio.
Eu fico acordado,
e o gato salta errado e
lambe o próprio cu.

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

DOR

Horas de leito em
relógios preguiçosos
e DOR.
Dia de sol e DOR.
Uma hora DOR.
Chuva, neve, DOR.
E DOR, DOR, DOR.
Até soar como outra coisa.
Até não fazer mais sentido.
Até nos deixar em
estado deprimido.
Minha vizinha sempre
começa a gritar às
8 horas da manhã
e DOR.
Sou uma criatura
de nervos destruídos
e DOR.
Teimoso na arte,
contra a maré azarenta
e DOR.
E DÓI, DÓI, DÓI.
Até virar um rosto murcho.
Até que se acostume.
Até que não doa mais.
Sempre volta, entre tantas
outras voltas.
E volto o filme
envolto em DOR.
Uma película repetida
aos alfinetes sobre o músculo.
Minha vizinha grita como
uma briga de gatos de rua.
Ela não sabe que isso
me incomoda.
Tomo um analgésico.
Digo "não" para meus amigos.
Agora uma britadeira
martela o asfalto e DOR.
Já me cansei da DOR.
Já me cansei.
Já me cansei da DOR.
Já me cansei.
Já me cansei DELA.

domingo, 30 de agosto de 2020

UMA BOA QUINTA-FEIRA PARA SE ESTAR VIVO

Eu sou um dos maiores otimistas que conheço. Pode não parecer pelo jeito que me comunico através dos meus textos. Todos têm aquele gostinho de ódio, desilusão e abuso de álcool como sedativo. Não te culpo se você me acha um jovem ranzinza que não transa há tempos, pois há um pouco de verdade nessa opinião. É que esse meu lado reclamão é só superfície. Carapaça pra proteger o frágil inseto sonhador que reside no centro da minha mente. E por esperar o melhor de tudo, este mesmo inseto se decepciona uma vez após a outra. Eis que a carapaça surge; para não mostrar ao mundo que ainda tenho esperança. E muita esperança mesmo.

Estava andando pelo meu bairro e encontrei uma pequena praça secreta com banquetas e mesas de mármore. Escrito num pedaço de concreto no chão, estava os dizeres "Exclusivo dominó". Minha vila não chega a ser um exemplo de manutenção do patrimônio público, mas este pequeno lugar, limpo e conservado, construído com carinho pelo povo e para o povo... Bem, são nestas situações que meu otimismo almoça, janta e faz um lanchinho da madrugada. E mesmo que se destrua, que se vandalize; o importante é que construíram e que eu pude utilizar o espaço para beber uma latinha e escrever este desabafo.

Ao meu redor caem as folhas, silenciadas pelo som dos automóveis na avenida. Uma boa quinta-feira para se estar vivo. Uma pausa nas tragédias e desgostos e medos. O sol refletido no alumínio das janelas dos conjuntos habitacionais. E a paz que parece infinita ao mesmo tempo que preciosa e instantânea. Um sinal ao otimista de que realmente tudo ficará bem. Talvez já esteja. Pelo menos hoje, pelo menos agora. Sim, meu amigo, eu repito; é uma boa quinta-feira para se estar vivo. Uma boa quinta-feira.

domingo, 2 de agosto de 2020

SEM AMIGOS SERIA UM CU

Surpresa dispara, te para
na falha, fundo do poço.
Quem joga a corda, te acorda,
"vambora, segura aí mais um pouco"?
Vida em turbulência. Encrenca.
Te derruba e te arrebenta.
Ha! Sozinho cê não aguenta!
Solitude em ilha deserta
não leva a nada.
Robinson Crusoé montando
uma jangada porque
sabe que pra ser verdade
a felicidade tem que
ser compartilhada.
Tive muitas coleguices.
O número sobe com latas
tristes, roles esqueciveis,
ressacas invencíveis.
Colegas tem propósito:
primeiros socorros,
conselhos óbvios,
abraços ótimos.
Mas amizade eu conto nos dedos.
Pois foi no desespero, em pedaços,
que amigos me fizeram inteiro.
Já briguei várias vezes, ingratidão
fazendo festa na minha mente.
Já machuquei quem me cuidou,
me escutou, que me entende.
Mas essas pessoas insistiram,
sabiam meu valor
quando nem eu sabia e então
me ensinaram o que é amor.
Hoje, algumas delas tão distantes.
Bênçãos pra mim que seguiram
adiante.
A vida bifurca e todo presente vira
lembrança.
E num instante amigos vão.
Sentimento fica.
Tudo confuso sem pontuação
mas o baile segue,
a gente dança.
Brindando o tempo
enquanto ele avança.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

REBELIÃO É SORRIR PRO CAOS

Acorda! Acorda!
Sorrisos suplicam a saída
pelos seus dentes
(ou pela falta deles).
Você não percebeu?
Que dentro de você
há necessidade de
deixar esse peso de lado e
pular pelado na piscina
mesmo que numa
noite fria?
Há pedras e areia
nos sapatos de todo mundo
com sorte de ao menos
ter um calçado.
Sofrer é padrão de fábrica,
característica intransponível.
Sorrir é uma escolha um tanto idiota.
Mas dá uma olhada lá fora
e me diz se tudo isso
não é uma palhaçada?

Ah, puta que pariu,
ACORDA! ACORDA!
Nos deixaram essa vida
com prazo de validade e
queimaram as instruções.
E se tudo for inútil,
abriremos nossos braços com
uma gargalhada,
mostraremos o dedo
e gritaremos aos deuses
"ISSO É TUDO, PESSOAL?"

domingo, 26 de julho de 2020

É A ÚLTIMA VEZ QUE BEBO

Eu bebo. Muito. Muito mesmo.
Só que álcool é uma agressão
ao corpo.
E hoje eu acordei
feliz por conseguir comer
uma torrada sem
vomitar minhas tripas.
Ontem tive a pior
ressaca da minha vida.
Tudo de uma
inutilidade absurda.
Como se eu mastigasse
flores e depois as cuspisse e
então as mastigasse novamente.
Chegar a ficar bêbado
e depois sóbrio.
Repetir.
Sóbrio e depois coxas bêbadas
voltando a lugar algum.
Um ciclo infinito de
dormência e ansiedade.
Como se eu não existisse.
Meu corpo inteiro dói,
meus joelhos doem
de tanto eu me agachar
na privada.
O preço por querer
facilitar as coisas.
Por querer fugir,
por não gostar de mim
o suficiente para me esfregar
na cara das pessoas.
Ontem eu tive essa ressaca,
tempo nublado
dentro do estômago.
O melhor que pude fazer
foi dormir.
Jogar fora um dia inteiro
da minha vida.
Hematomas mentais
sobre a luz de domingo.
Eu sendo vítima de mim.
Mas hoje saiu um sol
bem tímido.
Acho que mereço
um pastel
pelo menos.

segunda-feira, 20 de julho de 2020

ODE AO ÁLCOOL

Os melhores momentos
da vida são quando
você se dissolve nela.
Como açúcar na caipirinha.
O álcool facilita o processo.
É por isso que eu bebo.
Um instrumento de estudo.
Uma ferramenta que,
se tudo der certo,
ficará obsoleta.
Eu bebo pra fugir correndo
do bicho papão
do pensar demais.
Na terceira latinha
tudo começa a ficar mais leve,
e o fato de eu estar trancado
em casa, com medo do
mundo, batendo minha
testa na porta do meu quarto,
passa a ser uma piada.
E quando digo que a
vida em si é uma piada,
é de uma profunda seriedade,
constantemente estudada.
E...
Ah, eu perdi o foco.
Você nem leu até aqui.
Ou leu?
Eu não leria.
Tenho coisa melhor pra fazer
além de ler poesia alheia.
Como por exemplo:
comprar mais um
litrão de 6 conto na padaria
aqui da esquina.
6 conto só num litro de breja.
Cê acredita?

quarta-feira, 15 de julho de 2020

NA CAMA EU RESOLVO

Colchão torto, coluna
em dobras e ângulos
maléficos.
Todo problema do mundo eu
guardo na gaveta das
emoções reprimidas.
Na cama eu resolvo.
O colchão entortou porque
dormi por muito tempo na
mesma posição.
Agora não há posição alguma
que seja adequada.
Com o corpo em ziguezague,
nu,
tento me masturbar.
Antes era mais fácil arranjar
uma companhia.
Não sei bem o que ocorreu.
Lembro de algumas bocas
que já me chuparam.
Misturo-as com as bocas que
eu gostaria que me chupassem.
Gozo.
Líquido platinado escorrendo
pela minha barriga.
O papel higiênico tá acabando.
O colchão treme grita geme.
Fico mole, olhos pesados
até mesmo pro escuro.
Todas as questões da
minha vida eu
deixo escorrer pelo ralo
do disfarce.
Então as renovo ao meu
travesseiro, de vista pro teto.
E se você tiver um problema,
junte-o com os meus,
por algumas horas.
Torne-se mais uma boca,
um cu, arranhões e mordidas.
Me ajude com essa
porra toda que ando acumulando
dentro de mim.
Melhore minha noite que
eu te farei esquecer do
seu dia.
Provavelmente.
Na cama a gente resolve.

terça-feira, 14 de julho de 2020

A EMOÇÃO DA CACHAÇA

Um copo, nada de mais.
Outro copo, sorrisos aparecem
sem convites.
Dois copos, a sinceridade
começa a escapar no meio de
algumas frases.
Três copos e o corpo de repente
está num lugar e aí no outro também.
Cinco copos e nada faz sentido.
"É a sequência de Fibonacci!
É a sequência de Fibonacci!"
Ninguém entende, ninguém liga.
Lágrimas, rosto vermelho.
"Ninguém entende minhas
emoções, eu odeio este lugar do caralho!"
Punhos aos ares, desafinados.
O homem que mal consegue
ficar em pé parte para as
ruas mal iluminadas da quebrada.
"É a emoção da cachaça", diz
outro homem, de canto, para
seu melhor amigo de hoje.

CRESCER

Amigos antigos envelhecem
em boletos, filhos e casas e
obrigações.
O mundo de ponta cabeça,
certo e errado misturados
no meio do caos.
Luzes apagadas em
ruas solitárias e
Luzes acesas onde
a atenção é inútil.
Amigos que crescem
antes de você,
uma criança que
vive fazendo arte.
No papelão do menino,
embaixo de mil sorrisos,
depois de décadas
com a alma em prejuízo,
está escrito:
"Você quer um poema?".
Ainda é cedo pra deixar
isto de lado.

TRABALHANDO HOJE PRA RESSACA DE AMANHÃ

Olhos cansados rolando
pros lados, tentando acompanhar
a vista fugaz da janela
do trem.
Bocejos incontroláveis seguem
esticando os músculos
da face.
No relógio, as horas adiantadas
porque o alarme se atrasou.
Os pés exaustos, ossos da perna
roidos.
Bem que este assento poderia
ficar vago.
Bem que poderia ser a folga,
cadeira de boteco.
Olhos indecisos banhando-se
em diferentes litrões,
em diferentes nomes de pinga.
Trabalhando hoje para a
ressaca de amanhã.
A voz no falante anuncia
a última estação.
Todos se empurram apressados.
E alguns agradecem por
tudo isso.
Alguns realmente agradecem.

terça-feira, 7 de julho de 2020

QUESTÕES NA ESTRADA

Você pode tentar
numa viagem inteira
achar respostas.
Não te deram as perguntas certas.
Não nos deram tempo
para questionar.
Mas a estrada continua
além do nosso ponto de
parada.
E já tá anoitecendo, meu bem.
Você pode tentar
numa noite inteira
achar respostas.
Momentos diferentes
requerem mais que isto.
Você já tem o que é preciso.
Não se preocupe.
Não há dúvidas no infinito.
E já tá anoitecendo, meu bem.

quarta-feira, 1 de julho de 2020

DOMINAÇÃO

Não se pode controlar
um gato.
Não tente.
Engula essa ingenuidade e
deixe o resto na areia.
Gatos pularão telhados
até o fim do mundo.
É paixão, vida e morte
com quatro patas
(conheço um que tem três).
Gatos abandonam
corações roidos
com mais frequência
do que outros
corações roidos.
Não se importam com isso.
Há vacinas, coleiras,
quartos, grades e fogueiras.
Nada disso o fará
mais seu do que
dele mesmo.
Como as outras coisas.
Ah, as outras coisas...
Quem não fica insano
ao morar com um gato
ou está bem preparado
para o mundo
(mais do que posso compreender),
ou já se perdeu nele
há tempos.

terça-feira, 23 de junho de 2020

VOCÊ SABIA?

O primeiro cabo submarino
surgiu em 1858
com a invenção do telégrafo.
Ele ligava a Inglaterra
aos Estados Unidos.
A primeira mensagem foi da rainha Vitória para o presidente James Buchanan.
"Glória a Deus nas alturas,
e paz na terra entre os homens
a quem ele quer bem".
A mensagem demorou um
pouco mais de um dia
para ir de uma ponta a outra.
Agora os cabos submarinos
conectam o mundo inteiro.
Em menos de um segundo,
podemos incitar o ódio
um para o outro,
espalhar notícias
falsas, cobrir nossa
falta de caráter no anonimato.
E nem vou falar sobre o
empreendedorismo virtual;
crimes aos montes
nos becos da internet
movidos pela língua universal
do dinheiro.
"Paz na terra entre os homens".
Criaturinhas inteligentes
que somos.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

AMOR DESCARTÁVEL

Como numa recepção,
três garotas ao telefone
atrás de um balcão e
cadeiras e
uma televisão
falando sozinha.
Sempre há um filtro e
copos descartáveis.
Pego um copo, vem dois,
finjo que não.
Água gelada.
Nunca mata minha sede.
Agora imagina se
fossem amores descartáveis.
Você pega um e
tenta matar sua sede e
fica um tempo com ele
na sua boca, mordendo
as bordas até rasgar
por inteiro.
Já fui copo,
Já fui pessoa.
Agora nem água bebo mais.

BREVE DECLARAÇÃO

Entre todos os outros perdidos
você é meu favorito.
Já tá escrito
no meu livro,
repetido
ao infinito.
Mas só dizer
o que eu sinto
não é o mesmo que fazer.
Não quero ser fofo, nem bobo
(talvez um pouco), tô louco
de vontade pro seu sorriso
dar o troco.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

O SORRISO DO UNIVERSO

Joguei água e detergente
na frigideira gordurosa.
Despejei a mistura na pia.
A espuma leitosa e
a água de ferrugem
formaram uma espiral,
dançando com os
restos de arroz e
lixo.
A galáxia se formando ali,
cada bolha era uma estrela e
bolhas menores eram planetas.
Fiquei uns bons
minutos observando
tudo se desfazer
no ralo.
Mãos ensaboadas,
petrificadas no ar.
Olhos girando e girando
no sorriso do universo.
Um veículo, apenas.
Somos apenas um veículo
para tudo o que existe.
A consciência do que
sempre houve e sempre
haverá.
Não há lições, promessas e
decepções.
Apenas pare, por um momento.
Não precisamos de muito.
Nunca precisamos.
E meu amor por você
é como o movimento
das estrelas.
Tão quieto de longe,
numa noite de céu limpo,
astros maiores do que
nosso jogo se amam
pelo espaço entre eles.
Uma pena que só a gente
consiga ver, e por tão
pouco tempo.



terça-feira, 19 de maio de 2020

MEU PRESENTE

Uma garota chamada Isabela escreveu isto daqui no verso de um poema que entreguei:

"A luz da escrita
existe.
O andarilho de palavras
distribui frases
do espirito
Toca a alma de quem
está solto.
Siga teu
caminho, andarilho.
Leve luz onde há
trevas e medo."

Ontem completei 28 anos nesta Terra (obrigado pelas mensagens de parabéns). Obviamente, como todo animal ansioso, pensei sobre passados vergonhosos, futuros incompletos e presentes ausentes. Tudo o que faço parece carregar um pouco do que sou. Em tempos estranhos, o mundo parece ficar mais pesado sobre meus pés. Mas sempre foi assim, eu sempre dei peso ao mundo. E diante dele, muitas vezes senti que eu era insuficiente.

Há um certo Olhar que não consigo descrever. Um Olhar secreto, de beira de esquina, julgando minhas decisões. Eu o sinto em todo mundo. O Olhar que vê o vagabundo, o garoto mimado de gostos duvidosos, afogando-se nos próprios pensamentos fantasiosos e egoístas. Estão me olhando. Ah sim, estão me olhando porque a vida é um palco e eu sou um péssimo ator. Só que ninguém acaba jogando os tomates porque a peça inclui a todos. E eu não sou o personagem principal. Ninguém é. O Olhar então fica emaranhado nas vozes da minha cabeça como um fone de ouvido no bolso da sua calça jeans.

Quando a Isabela me devolveu o poema, eu li o que estava no verso e agradeci. Como o álcool já fazia suas caminhadas no meu cérebro, não dei a devida atenção àquele momento. Isabela saiu da minha vida para nunca mais (pelo que lembro). Colei este poema no espelho do meu quarto. Uma bela forma de cegar o Olhar, o drama recorrente que fico elaborando para justificar maus comportamentos. Porque veja só: eu nunca gostei de jogar pelas regras existentes. Eu sempre amei criar novas regras, novos jogos, outras brincadeiras. Parece que minha cabeça funciona em outra dimensão (eu era uma criança bem esquisita). Porra, observe o que faço, o que escrevo, o jeito que arrumo meu quarto e as crises que tenho algumas vezes por ano. Não tem como eu jogar "Condicionamento Social" sem sair como perdedor, porque eu não entendo as regras, não gosto das regras, fodam-se as regras, vamos jogar "VIDA NUM UNIVERSO INDIFERENTE À NÓS", que é muito mais amplo, mais divertido e mais libertador. Ou então "AMOR E RESPEITO: É BEM SIMPLES". Caramba, até aquele jogo, o "CONVERSAS SEM SENTIDO MAS QUE TE FAZEM GARGALHAR COMO UM NENÉM DE 6 MESES" é mais legal do que "Condicionamento Social". Pois minhas piores crises são frutos destas regras que ainda não consigo entender fundamentalmente. Talvez porque eu as interprete errado, talvez porque eu seja uma bola e este é um jogo de damas.

Sim, eu penso sobre a sociedade mesmo em isolamento. Me preocupo com a volta. O que vai ser dos meus passos na Rua Augusta quando tudo voltar ao normal? Pois de normal não havia nada ali, nem em canto algum da cidade. Voltar para aquilo, para o jogo idiota, me causa calafrios.

A questão é que sinto uma luz imensa dentro de mim, como no poema da Isabela. Essa luz existe em todas as pessoas (dá pra ver em seus olhos). Só que eu tenho medo de deixá-la sair porque lâmpadas neste mundo são vandalizadas, são descartáveis, são quebradas na cabeça de homossexuais. Então eu me apago. Não quero ser o "bobo demais", "feliz demais", "otário", "trouxa", "demente", "louco" e por aí vai. Certos rótulos ainda matam. Física e psicologicamente. E eu não quero morrer antes de quem amo e deixá-los com um vazio ou uma casca apática. Sinto muito. Se minha luz é um pássaro, como o Espírito Santo, então o que há fora de mim é ateu. Tranco minha gaiola, faço cara feia e levo tudo à sério, como uma máscara para me proteger do vírus do mundo.

Se este medo tem alguma verdade em si ou não, eu sei lá. Talvez você já tenha sentido alguma coisa parecida com o que descrevi aqui. Descobrir este sentimento e compreendê-lo foi o melhor presente que recebi este ano. Eu ainda não sei o que fazer com esta realização, mas já é um começo para viver uma vida que realmente vale a pena, com autenticidade e vitalidade. Isso me trouxe um sentimento de paz, de liberdade e euforia. Estou louco para começar a fazer as coisas funcionarem.

Para todas as Isabelas deste mundo, para todos aqueles que compartilham suas luzes onde há trevas e medo, eu agradeço imensamente.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

ARTE DO NADA

"Preciso botar alguma
coisa aqui".
Há alguns anos
venho dizendo isso
pra mim.
Um dia passa, e outro.
O tempo inteiro
dias ficam passando
pela mesma direção.
Eu os observo de dentro
da minha casa.
Nada pra falar.
Nada pra fazer.
Chove um pouco e
aí para.
O artista prepara o
pincel no branco e
no preto.
A vida já é a obra,
basta enquadrá-la e
revistar seus bolsos.
Quando nada acontece,
vem a Página em Branco, o
primeiro poema que escrevi.
Tenho escrito vários
nadas tão belos quanto
meditação.
Não há muita diferença
entre folhas de azedinho e
alguém de máscara
tirando fotos no espelho.
Bem, sei lá o que isso
quer dizer.
Apenas botei pra fora.
E continuarei botando.
Igual a uma
galinha mutante.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

PÁGINA COLORIDA

Tentei escrever em cores.
Todas vazaram aos cantos.
Não há cores
num poeta cinza.
Tive de degustar
quarenta milhões
de baldes de tinta
e mesmo assim
não consegui
representar o dia.
Agora há rabiscos
no meu passado.
A mistura de
todas as cores é
apenas um
marrom merda.
E marrom nem existe.
É só um laranja escuro.
Então vi as manchas
da tarde no papel.
Era melhor esquecer
por algumas horas e
comprar três pães e
um litro de leite.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

QUARENTENOU

Certo dia abri os olhos
e não pude sair de casa
porque não havia nada
além do Sol lá fora.
Acordei preso
comigo.
Preso em querer
ser outra coisa.
Jaulas camufladas,
asas em filetes.
Antes da pandemia
eu podia escolher
entre fugir da vida
acompanhado ou
fugir da vida
sozinho.
Agora há apenas
liberdade de escolha
entre venenos.
Escolhi guardar
tudo o que sou
na geladeira,
junto ao feijão.
Amanhã serei livre
como um vírus.

quinta-feira, 2 de abril de 2020

ACORDAR CAFÉ BANHO

Ela estava sentada no sofá e
a sala era papéis, contas, fotos.
Tudo espalhado
no chão, colo e teto.
Era o fim dos entulhos.
Apocalipse do lixo.
Mesmo assim,
sempre acordo de mau humor.
As palavras não saem.
Simplesmente ficam sentadas
entre o estômago e o esôfago.
Algumas escapam em formato peido.
Ela começou a falar.
Mostrou os desenhos que fiz
quando tinha 4 anos.
Fotografias de infâncias esquecidas.
Esperava uma reação;
eu só esquentei o café e
comi bolacha de maizena.
Poderia ter mudado o mundo,
destruído a humanidade,
ter dado um "bom dia".
Só fiquei com a boca cheia.
Tava cedo demais pra existir.
Ela sabia disso mas
uma criatura tão
magnífica
tem pressa de dizer e viver.
Isso pois tenho sorte.
Nunca correspondo.
Olhei pra fora e percebi que
era mais um dia sem eu
ser melhor.
E ela continuava me amando.

UMA INSÔNIA EM DRUMMOND

Penso, penso
em horas de sono.
Todo homem dorme,
calando olhos,
treino de morte.
Vejo problema no
tom da voz,
no que disseram,
no que dirão.
Foi mais uma hora.
Então outras.
Perdeu-se a primeira,
perde-se todas.
Agora há manhã em minha janela.
E nenhum sonho no corpo.
Só imaginação e
cultivo de catástrofes.
Chuva de abstrato.
Dormirei ao bom-dia, provável.
Acordarei às treze, para café e
outra chance nesse mundo.

terça-feira, 31 de março de 2020

CARTAS PARA O FIM DE TUDO 2 - ELA PARTIU

Para se fazer uma caipirinha boa mesmo, você primeiro aperta e rola o limão contra a mesa pra soltar o suco. Corta as tampas, divide em quatro e tira o gomo branco que fica no meio. Ele tem um gosto amargo. Então o gelo, o açúcar por cima e aí a cachaça.
Você pode ter um jeito melhor. Qualquer um pode. É especial pra mim, porque foi ensinado por uma pessoa especial. Ou era sorriso, ou uma calma. Ondas no anoitecer do litoral. Ela era lua cheia, sem nuvens no céu. Só o espaço infinito. Com certeza ela é uma das estrelas agora.
Uma vez ela fez um omeletão recheado com tudo o que tinha na geladeira. A gente tava bêbado e qualquer coisa serviria. Mas havia amor ali, nos ovos que fritavam e endureciam. Não precisava daquele carinho todo. Ela caprichou mesmo assim, como se fosse uma ocasião especial. Talvez fosse. Na cabeça dela, toda ocasião era especial. Só fui entender isso agora. E quão especial foi aquela noite, agora que não há outras para se repetir? Quando alguém querido morre, você desespera pra que, pelo menos, isso não seja em vão.
Bem, eu tô desesperado, e a única coisa que posso fazer é celebrá-la. Um novo jeito de viver, como ela vivia uma situação, os poucos momentos, a noite aconchegante e o dia alérgico. Suas fotos, o sorriso, a caipirinha. Tudo isso gritando na minha cabeça como mil vozes estridentes "VOCÊ RECLAMA DEMAIS DE TUDO".
Ela, daqui em diante, será a serenidade do meu corpo. Agradeço por ela ter sido exemplo, prova de que a vida tem gosto bom. Foi sorte demais ter cruzado com ela por essa jornada, mesmo que por alguns passos. Mãos dadas até a estrada bifurcar. Chegou em seu destino mais cedo do que prevíamos. Mais cedo do que queríamos.
Sabe de uma coisa? Mesmo se você não souber de quem estou falando, tá tudo bem. Ela era tímida, afinal. Ninguém é o próprio nome.
E que ela viva eternamente em nossos corações.

CARTAS PARA O FIM DE TUDO

O jeito é botar a MÚSICA no último volume, fugir pro abrigo do conforto. Abrir a janela, fechar os olhos, beber os últimos trocados. Comprei um Corote e um suco e quase me sinto bem. Só que falta algo essencial: alguém para dividir. Beber sozinho é como engolir veneno lentamente. Bem, não importa agora. Já que é o fim do mundo, deixa eu dizer algumas coisas:
1 - Foi tudo uma grande besteira. Tantas mesquinharias, fofocas, intrigas desnecessárias. E agora eu sinto falta de simplesmente sentar na praça. Pegar um trem. Sentar na calçada da Peixoto Gomide. Dar moedas para um morador de rua. Recusar um beck. Aceitar um beck. DAR A PORRA DE UM ABRAÇO. E toda aquela ansiedade na minha cabeça, o medo de morrer, de ser ridículo, de ser quem sou realmente. A inveja que senti dos outros, dos que eram ricos, famosos. A vitimização... Estamos perto do fim, e de que tudo isso adiantou?
2 - Me desculpa. Eu fui um total fracasso no que diz respeito a ser um bom amigo. Estava ocupado demais com o meu próprio cu. Preocupado em ficar bem. Ficar bem, ficar bem, ficar bem e agora tá todo mundo mal, incluindo o otário aqui. Então me desculpa por ter sido tóxico, por não querer que você tenha vivido sua vida sem mim. Por ter contado seus segredos, ter me intrometido no seu relacionamento, por ter te agredido verbalmente. Quando tudo explodir, não quero que minha poeira carregue este peso.
3 - Escrever me faz mal. Sério. Depois de escrever, ou até mesmo tentar escrever, meu corpo dói. Meu espírito fica fragmentado como copos lançados na parede. Além disso, não consigo fazer isto sóbrio. No mínimo uma lata para me acompanhar pelo processo tortuoso que é botar algumas palavras numa página em branco. Ser o que sou tem me destruído aos poucos, mas graças a Deus o mundo vai acabar antes de mim.
Escreverei mais cartas para o fim de tudo conforme a quarentena se estender. Lave as mãos, fique em casa. Se todo mundo fizer sua parte, a gente escapa dessa sem muitos danos. Ou então será o fim. De qualquer jeito a gente ganha.
Te vejo do outro lado.

sexta-feira, 27 de março de 2020

DUZENTOS

Eu postei duzentos textos no meu blog durante 5 anos. E são tantos números e pensamentos e situações. Duzentos dias de gesso. Duzentos amores. Não sei o que fazer com isso. Talvez um pdf de graça. Os textos estão seguros, pelo menos. O que se desfez foi essa coisa que fui durante quase 28 anos. Essa carcaça foi mudando e agora tá perdida. Normal. É com isso que eu não sei o que fazer. Vão acabar decidindo por mim, meu pior pesadelo.

Sou um esquisitão negativo, mas só em palavras e doenças. Tô escrevendo isso num pico de alegria. Tô feliz com o resultado: duzentos textos em 5 anos, sem contar os que não publiquei ou os que não estão no blog.

Jamais me imaginei escritor, mas até que essa porra tá combinando comigo. Parabéns para mim. Se eu fizer uma coletânea gratuita, trate de ler pelo menos uma página.

Obrigado por estar aí.

Agora devolve meu álcool,
devolve meu álcool,
devolve.

ACABOU

Você é uma ótima saída
que eu gostaria de usar
pra fugir de mim.
Mas aonde quer que eu vá,
lá estou.
Você é uma ótima perda
que eu odiaria ter.
Eu poderia fazer
qualquer coisa
pra esquecer.
Você é uma péssima escolha
que eu já fiz
antes de perceber.
Agora tá tarde.
Decepções dormem cedo.
Você disse que
era uma boa idéia
nos isolarmos
dos outros.
Não há ponto de referência.
Trancado num quarto
com o veneno
dizendo que me ama.
Correr pra saída de emergência
com pedras no sapato.
Você já foi algo.
Cicatriz de infância.

O MÁGICO E A REALIDADE

Vendo as formas concretas
pelos buracos de um
muro de abstrações.
Vejo-o cantando sozinho
e mijando na parede
do banco.
Cuspindo no chão e
blasfemando o
deus noite.
Como se aquele modo de vida
fosse um truque de mágica.
Mas era só realidade.
Suas roupas rasgadas
como dilacerações
na própria alma.
Sinto inveja de sua liberdade,
mas sinto inveja
de qualquer um.
Há uma admiração
quase que inabalável.
E um ranço.
Uma pena.
Um desprezo.
Um louco na rua,
mijando e gritando.
Eu, normal, tentando ignorar.
Insanidade é subjetiva.


SINTOMAS

Juro, eu juro pra você
que eu queria botar
boas palavras aqui.
Coisas de amor e esperança.
Mas há duas semanas
que não fumo um cigarrinho
e a única coisa que sinto
é um ódio teimoso
como as chuvas de fevereiro.
E agora eu não sei se
posso confiar nos meus
sentimentos.
Estou percebendo detalhes
nas pessoas que só
servem de lenha pra
esse inferno.
As qualidades sumiram;
só vejo defeitos.
Em mim, em você, em todos.
Como aqueles velhos
ranzinzas que só
reclamam da vida.
Fico imaginando situações
de conflito.
Meu coração fica explodindo
200 vezes por minuto.
Um simples cigarro
resolveria todos os problemas
do mundo.

terça-feira, 10 de março de 2020

VAMO FUMAR UM POEMA

Gostaria de ler nicotina.
Que escrever fosse
como riscar um fósforo.
Que beijar fosse uma cópia
do ato de lamber uma seda.
Amaria ver fumaça
saindo dos meus versos,
fumegando forças falsas
feito o ar.
As cinzas escuras da tinta
preta que pinta a letra
da última sílaba.
Que você fosse meu cinzeiro
ou meus pulmões.
Silêncio.
O trago.
Te trago pra dentro do verso.
Depois te solto.
Foi embora.
Se misturou com o mundo e
ficou invisível.

SOZINHO NUM SÁBADO À NOITE

Os pisos amarelados com
o divino mijo dos
felinos, sem cheiro ou
amor.
Só o reflexo por baixo da
porta da sala.
Não chamem meu nome,
porque eu sei que
nada é por mim realmente,
e nenhum abraço é
em mim realmente.
Não sou bateria pro seu ego.
O diabólico mijo
escurece como o
pôr do sol
de um sábado.
As costas grudadas no
azulejo do chão e mãos e
ossos e temores e
adrenalina. Cheiro de nada.
Cheiro da própria pele.
Não me convidem pra sair.
Não sou aquecedor de solidão.
O mortal mijo
evapora de manhã
junto da água
que sai pelos meus olhos e
meu nariz.

TANTO FAZ (E ESSA É A MELHOR PARTE)

A gente pode caminhar
do ponto A ao ponto B
com pés insanos ou
cravar os mesmos pés
na areia e esperar
o sal do mar
entupir nossas veias.
A gente pode carregar
milhares de corações
ao meio, entregues pelos
ingênuos que ainda
creem no amor romântico.
Ou podemos guardar o
nosso num cofre dourado.
A gente pode trabalhar
até virarmos pó e então
ração canina.
Ou podemos lamber o céu
todos os dias equanto
nos jogam tomates podres e
gritam "PARASITAS!"
e nossos colchões são
queimados por gasolina e ódio.
Não importa o que façamos;
a punch line é sempre a mesma.
E, com sorte, quem ficar vai rir
de tanto chorar.

segunda-feira, 2 de março de 2020

DESABAFO DE UMA MENTE CANSADA (E INSTÁVEL)

Toda vez que eu acordo mal
sem motivo algum
é porque eu sei
que preciso escrever.
Ou fazer alguma merda
que me destrua lentamente.
Na realidade eu só faço merda
porque sou dependente
de me sentir bem.
Mesmo que custe aos
que estão próximos de mim.
Porra, quantas amizades
eu queimei junto
de uns tragos?
Mas não resta em mim
muito além disto.
Meio que já tô cansado dessa
obrigação de ser feliz
o tempo inteiro.
Ou de me esconder
na boa educação que
meus pais me deram.
Só tenho uma chance
de valer a pena.
Uma bala no revólver e
três alvos:
meu crânio,
seu peito ou
o céu, pra dar a largada.
Prefiro a terceira opção,
mas não descarto as
outras duas.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

É NATURAL

Às vezes não sai. Igual sentar na privada e apertar a barriga. Não vai, não funciona. Cavucando lá no fundo. Escrevendo letras desconexas. Frases soltas sem sal, açúcar. Cruas como a carne do seu braço.

Às vezes sai. Como diarreia. No meio da rua, manchando roupa íntima, calça, calçada e algum infeliz que passou na hora.

O importante é lembrar pra quê. Se esquecer do pra quê, jogue tudo no lixo. Se ele ainda persiste, dá pra contar até a história da pomba manca.

Aliás, a pomba manca pousou despreparada na minha frente. Não tinha uma pata, mas uma linha que guardava como troféu. Caminhou até a poça de água suja formada na cratera da rua. Banhou-se, embebedou-se e gargarejou. Caiu fora.

Às vezes sai, e às vezes não. É natural.