terça-feira, 31 de março de 2020

CARTAS PARA O FIM DE TUDO

O jeito é botar a MÚSICA no último volume, fugir pro abrigo do conforto. Abrir a janela, fechar os olhos, beber os últimos trocados. Comprei um Corote e um suco e quase me sinto bem. Só que falta algo essencial: alguém para dividir. Beber sozinho é como engolir veneno lentamente. Bem, não importa agora. Já que é o fim do mundo, deixa eu dizer algumas coisas:
1 - Foi tudo uma grande besteira. Tantas mesquinharias, fofocas, intrigas desnecessárias. E agora eu sinto falta de simplesmente sentar na praça. Pegar um trem. Sentar na calçada da Peixoto Gomide. Dar moedas para um morador de rua. Recusar um beck. Aceitar um beck. DAR A PORRA DE UM ABRAÇO. E toda aquela ansiedade na minha cabeça, o medo de morrer, de ser ridículo, de ser quem sou realmente. A inveja que senti dos outros, dos que eram ricos, famosos. A vitimização... Estamos perto do fim, e de que tudo isso adiantou?
2 - Me desculpa. Eu fui um total fracasso no que diz respeito a ser um bom amigo. Estava ocupado demais com o meu próprio cu. Preocupado em ficar bem. Ficar bem, ficar bem, ficar bem e agora tá todo mundo mal, incluindo o otário aqui. Então me desculpa por ter sido tóxico, por não querer que você tenha vivido sua vida sem mim. Por ter contado seus segredos, ter me intrometido no seu relacionamento, por ter te agredido verbalmente. Quando tudo explodir, não quero que minha poeira carregue este peso.
3 - Escrever me faz mal. Sério. Depois de escrever, ou até mesmo tentar escrever, meu corpo dói. Meu espírito fica fragmentado como copos lançados na parede. Além disso, não consigo fazer isto sóbrio. No mínimo uma lata para me acompanhar pelo processo tortuoso que é botar algumas palavras numa página em branco. Ser o que sou tem me destruído aos poucos, mas graças a Deus o mundo vai acabar antes de mim.
Escreverei mais cartas para o fim de tudo conforme a quarentena se estender. Lave as mãos, fique em casa. Se todo mundo fizer sua parte, a gente escapa dessa sem muitos danos. Ou então será o fim. De qualquer jeito a gente ganha.
Te vejo do outro lado.