terça-feira, 28 de dezembro de 2021
MAIS LIVRE
CHUVA DE FIM DE ANO
sexta-feira, 17 de dezembro de 2021
DE COMEÇO EU ENTENDO
CACHORRO DOG
EU ACEITO
ALÉM DA PELE
terça-feira, 14 de dezembro de 2021
OS POETAS SONHAM DEMAIS (EXPLICAÇÃO)
REQUIEM PARA UM RATO
domingo, 28 de novembro de 2021
DEVORADOR
quinta-feira, 25 de novembro de 2021
NO ACOHOL
sexta-feira, 19 de novembro de 2021
ANDORINHAS (POEMA NATURAL)
quarta-feira, 10 de novembro de 2021
ODE AO CAFÉ
segunda-feira, 8 de novembro de 2021
TIJOLO POR TIJOLO
terça-feira, 2 de novembro de 2021
NIRVANA
FINADOS
quinta-feira, 28 de outubro de 2021
O TOLO POETA
domingo, 24 de outubro de 2021
ERROS
sexta-feira, 22 de outubro de 2021
FERROADA
eu estava feliz
até uma abelha entrar no quarto,
olhar minha cara
e ir embora.
não sou suficiente
nem pra uma abelha.
fui atrás dela,
podia escutar o escárnio
nas flores,
enchia a cara de néctar
e ria da minha
barriga branca e
meus braços finos
e bolsos vazios.
fui atrás dela
com a fúria de uma
tempestade e
a encontrei com suas amigas
e elas nem perceberam
minha presença.
estavam todas preocupadas
com seus ferrões.
eu agradeci em pensamento.
a ferroada mais dolorida
é aquela que acontece
dentro da cabeça
e apenas lá.
quarta-feira, 20 de outubro de 2021
PROERD
escuta só esqueci o que ia dizer
é isso aí
é tanta merda que a gente atura
se segura que o trem das onze
veio buscar os
filhos únicos
não adianta sofrer
porque a vida vai te levar
você deixando ou não
não adianta disfarçar as evidências
porque quando a luz vermelha
tá na suas costas
o humilhado será humilhado
eu sei falar com gatos
subir em telhados
ficar no cio
cantando pra lua traidora
eu sei ficar chapado
e dizer não
pra muitas drogas
não todas
ora ora
ora por mim
vou apertar e vou acender agora
vou bolar e vou ascender
tá foda
já viu o mundo lá fora?
vai tudo pra cabeça
na mesma hora.
terça-feira, 19 de outubro de 2021
TERÇA BESTA
EM DEFESA DO AGORA
Numa chuva torrencial, surgiram goteiras por todos os cômodos. Um fio do poste se soltou na esquina. Qualquer um que passasse ali viraria o omelete que eu esqueci no fogo outro dia.
Então a luz acabou e a única coisa que me restou foi ficar sentado no chão ao lado de uma vela e viver o momento.
Essas palavras estão saindo do meu corpo. E eu quero que você preste atenção nisso: eu como a vida pra cagar poemas. Tudo o que faço (e irei fazer) é merda. Muita merda pra mim e pra você. E eu realmente gostaria que você sentisse o que tô sentindo agora. Essa energia fluindo pelo meu corpo e a alegria de perceber que o que existe tá aqui do lado de fora das nossas mentes. Não existe "eu". Existe um amontoado de átomos que formam o corpo que interage com outros átomos até o universo deixar de existir. E o fato da luz ter acabado, de eu ter ficado sem internet, daquela pessoa ter saído da sua vida, daquele pastel que te fodeu o estômago, daquele fora tomado, daquele boleto não pago...Nada disso conta no final. É sério, eu não consigo explicar com palavras. E se você quiser realmente apreciar o que está prestes a aparecer em frente aos seus olhos, você vai ter que deixar sua mente de lado e ser dominado pelo agora. Pronto?
Vai com calma na tarde.
A hora mágica reflete azul e violeta
sobre nossas peles e
tá tudo bem.
Nós ainda respiramos e
respiramos profundamente até
sentir o pelo do braço levantar.
Há certas coisas não ditas que
talvez nunca o sejam porque
foram feitas pra serem sentidas.
E não há possibilidades;
o poema é quem o lê.
Eu não posso fazer muito mais
do que estou fazendo agora.
Tá dentro de você e
isso precisa sair daí.
Precisa EXISTIR, e
não ser mais um vão pensamento
se perdendo num mar
de preocupações inúteis.
Nós ainda respiramos e
cada gota no ar
preenche meu corpo
como se o alimentasse e
desse um empurrãozinho
pra eu ser o melhor que posso ser
como filho da vida.
E eu não posso fazer muito mais
do que me unir a essa vibe
que faz você descer até o chão
com a bunda pro alto enquanto
eu faço a dança do robô.
A tarde sempre acaba
magnífica.
O violeta vira preto,
do jeito que tem que ser.
E tá tudo bem. Mesmo.
Basta fluir com
essa sensação,
essa exata sensação
de ser infinito enquanto dura.
Um brinde ao amor
de todo dia
que passa despercebido
quando não reparamos
que não somos melhores
do que uma simples gota
no vidro da janela.
segunda-feira, 18 de outubro de 2021
O QUE FAZER EM DIAS DE CHUVA?
Segunda-feira. Céu cinza, chão molhado. Não dá nem vontade de levantar da cama. Mas, se levanto, já procuro um meio de me livrar do tédio. Uma pena o tédio ser essa criatura de presas afiadíssimas, picando minha panturrilha sem querer largar o osso. Um bicho tão teimoso quanto quem vos fala.
Então a chuva continua. Aperta na hora do almoço (o que aconteceu antes?). Já não sei se espatifei a cara no fundo do poço, nem se há alguma forma de sair dele. Só sei que nele estou e a chuva veio me acompanhar.
Poderia aproveitar e limpar algumas coisas. Organizar o guarda-roupa, a gaveta de meias, os livros na estante. Dá até para mudar os móveis de lugar num almejo desesperado por mudanças. Talvez eu seja um imóvel.
Outra dica valiosa é olhar-se no espelho, no fundo das pupilas, e buscar o abismo que tanto encaramos. Escrever algumas palavras bonitas que não preenchem o estômago (amaria comer meus poemas).
Assim, espero ter ajudado a sobreviver aos terríveis ataques da mente quando se está preso na própria casa em dias de chuva.
quarta-feira, 13 de outubro de 2021
A LIBERTADORA DERROTA
terça-feira, 12 de outubro de 2021
CANETA
segunda-feira, 4 de outubro de 2021
SEGUNDA IMUNDA
Ah Segunda, sua imunda!
Volta e meia me aparece,
uma vez por semana,
de novo, de novo, de novo.
Parece amor do passado
passando
quando quer,
sem convites.
Tento te evitar,
pular pra próxima.
Mas ah, Segunda...
Já tá aí
expulsando meu domingo,
me acordando,
me enfiando no trem.
As rodas deslizando
sobre os trilhos e
minha testa deslizando
pra janela.
Nem engantei a primeira e
a semana já começa
na segunda.
Pego o embalo,
num estralo
tudo faz sentido;
mais uma volta
na corrida infinita.
Ah segunda, a mais querida
apenas quando acaba.
quinta-feira, 30 de setembro de 2021
CADA UM NO SEU TEMPO
BEBOP DOS ENCONTROS
WHATEVER
terça-feira, 21 de setembro de 2021
CATRACA AUTOMÁTICA
OUROBOROS
QUEIMANDO SEDA
quarta-feira, 15 de setembro de 2021
MAIS UM DIA
domingo, 12 de setembro de 2021
DIAS DE MOFO
SEGUNDO FÔLEGO
quinta-feira, 9 de setembro de 2021
ABAFADO
sexta-feira, 27 de agosto de 2021
AMOR DE SOBRA
quinta-feira, 26 de agosto de 2021
POR BAIXO DOS PANOS
MOVIMENTO SOLAR
sentado no chão
pude perceber
o movimento do sol
observando as sombras
ao meu redor.
coragem coragem pra
encarar o dia
encarar-se todo o dia
e não enjoar de si.
coragem para mudar
quando necessário
e continuar e teimar
quando se tratar
dos sonhos.
mesmo num mar de não,
dizer sim para
o próximo passo.
coragem para manter o ritmo
mesmo na
batida descompassada
do cotidiano.
o sol dá um certo tipo
de energia indescritível.
deixei que queimasse
meus demônios
por alguns minutos.
correram para as sombras.
hoje eu quero
dar um jet
com os anjos.
quarta-feira, 25 de agosto de 2021
SÓ MAIS UM
COMPLETO
QUEM É POEFICANTE?
MEU ROLÊ
NEM VEM
terça-feira, 24 de agosto de 2021
VASO SANITÁRIO
O VELHO
VÁ BUSCAR
PEIXE
É BRINCADEIRA
NEM TE VI
segunda-feira, 16 de agosto de 2021
BRILHO ETERNO
quinta-feira, 12 de agosto de 2021
MANIFESTO IMPERFEITO
segunda-feira, 9 de agosto de 2021
AMOR DE ALUGUEL
PERDENDO TOTALMENTE A ESTABILIDADE
A GALINHA E O PINTINHO
domingo, 1 de agosto de 2021
THE DUDE ABIDES
Ah, tá tudo bem,
deixa pra lá,
não foi pra isso
que comecei essa história.
Não vim dizer alguma coisa,
afirmar um ponto,
dizer o que devemos fazer.
Não vim firmar os pés,
proteger minha reputação,
acariciar meu ego.
Se houvesse algum propósito
de evolução,
crianças não morreriam.
Se melhorar fosse
tão importante assim,
todos teriam a mesma chance,
a mesma quantia de tempo.
Mas, cara, isto é só minha opinião.
Você pode fazer o que quiser
com ela.
Não foi pra isso que vim aqui.
Eu vim porque queria.
E tá perfeito assim.
Só não me diga o que fazer,
o que ser, o que pensar.
Ou diga, dane-se, fala aí.
Se abra.
O vento continua ventando.
O sol continua solando.
E eu vou continuar querendo
até não querer mais.
"Vim"... que palavra esquisita.
quinta-feira, 29 de julho de 2021
É TUDO RELATIVO
SABOR D'ÁGUA
DEPOIS DA QUEDA
ÓRGÃO
JÁ
A BUSCA INCESSANTE
INVISÍVEIS TAMBÉM SENTEM FRIO
UMA PUTA DE UMA DESPEDIDA
PORTUGUÊS / RUSSO
terça-feira, 27 de julho de 2021
O ÚLTIMO CIGARRO(?)
VACINADO
terça-feira, 20 de julho de 2021
POTENCIAL SOLAR
O sol na cara e o cachorro latindo
e todos os problemas do mundo
num pensamento a cada segundo.
Esconderam meu potencial
na gaveta da insegurança.
É fácil esquecer-se neste mundo barulhento.
Em tantas vozes egoístas.
O difícil é escutar o que vem de dentro e entender
o que é verdade e
o que é besteira.
O sol na cara, no corpo e na alma.
O cachorro continua latindo e
parte minha quer brincar com ele e
outra parte quer explodir a praça toda.
Roubaram os meus sonhos e
gastaram nos sonhos deles.
Tudo bem; de onde eles vieram
há muito mais.
Meus sonhos são infinitos e
é por isso que ainda não realizei
nenhum.
Ou talvez seja por causa
do pôr-do-sol.
Só saberemos no final da noite.
quarta-feira, 14 de julho de 2021
DEAD URUBU
Tive que arder meus olhos pro céu.
Penas pretas caindo das nuvens.
Como os urubus não esbarram
uns nos outros?
Ah, meu coração sangra
em arame farpado enferrujado.
É isto.
Estão me rodeando,
prontos para devorarem
o que restou das minhas ilusões.
Ração para verme.
Eu tô dead, urubu.
Eu tô dead, urubu.
Tive que arder meus olhos
para mais uma semana
em que invejo o barro
que ainda não é Adão.
Como os urubus dividem
as carcaças?
Ah, meu sossego emputeceu-se
de tanto tédio.
É isto.
Serei bicado igual
um cavalo podre.
Ração para verme.
Eu tô dead, urubu.
Eu tô dead, urubu.
Venha me buscar antes
que eu passe da validade e
te dê dor de barriga.
Ração para verme.
Eu tô dead, urubu.
Eu tô dead, urubu.
terça-feira, 13 de julho de 2021
DISTANCIAMENTO EMOCIONAL
Sou mais bonito de perto,
então não fique longe de mim.
Combinamos alguma coisa.
Eu levo a chuva e depois
você conta quantas vezes
se molhou nela.
Porque veja só que tarde bela,
diferente de tudo o que
disseram que não era.
Pode colocar sua mão no fogo,
o corpo inteiro se quiser:
distanciamento emocional
corroendo meu coração
pessoalmente.
Você se merece tanto e
eu me mereço mais.
Combinamos alguma coisa.
Você compra as passagens,
a gente viaja só de ida
para algum lugar bacana.
Pego minhas coisas,
esqueço os problemas
na outra mala.
Você aproveita a chuva,
eu conto quantas vezes
fugi dela.
Porque veja só a aquarela
pintada de estrelas,
o que a gente era.
Sou mais bonito de perto.
Não fique tão longe assim.
É, me faça o favor;
não fique tão longe assim.
segunda-feira, 12 de julho de 2021
FIOS DE COBRE
terça-feira, 6 de julho de 2021
O CONTO
NADA SÓBRIO
Há trinta e poucos dias que não fumo, não bebo e não vivo. Os mesmos prédios de sempre poluem as vistas; são o estandarte do tédio. Apoio os braços preguiçosos na sacada e procuro algo no céu tom de sábado morto. Alguma resposta divina. Escuto os deuses rindo, fumando palheiros de ouro e bebendo vinho. A varanda assiste meu definhar ao desgastante girar dos ponteiros.
Meu
primeiro gole foi quando meu pai e eu estávamos num bar aleatório. Contava uns
oito anos de vida. Ele me ofereceu um pouco de conhaque. Tinha um sabor amargo,
idêntico ao remédio para febre. Percebeu minha careta e esfregou meus cabelos.
“É ruim, né filhão? Só não conta pra sua mãe. É nosso segredinho”. Depois que
minha mãe nos abandonou, essa se tornou a única lembrança que tenho do meu pai
demonstrando afeto.
Entro
no meu quarto e afundo o rosto carcomido no travesseiro. O que resta do dia é
respirar até meia-noite. Com sorte sentirei gratidão no banho ou quando estiver
cagando, ou quando a água do café borbulhar. Por enquanto, é apenas um nada
sóbrio. Vazio cercado de páginas em branco, histórias que nunca acontecem.
Na
tarde seguinte, minha última amiga vem me visitar. Fuma um delicioso cigarro na
minha frente. Seu rosto possui aquele desdém que só os gatos conseguem
transmitir. “Parou com tudo mesmo?”, ela pergunta. Digo que estou tentando
melhorar. “Só porque você parou de fumar e beber não significa que você é uma
pessoa melhor. Ninguém é melhor do que ninguém”.
Vai
até a geladeira e guarda as latas de cerveja. Dou uma espiada nela. Apoia a
bituca nos lábios vermelhos. Consigo ver sua saliva quente. Lambo meu beiço.
Saudade daquilo. “E aí?”, ela pergunta. E aí o quê? “Os copos. Onde você guarda
os copos?”. No armário de cima. Aí mesmo.
Ela
puxa a mesa de centro e preenche o copo com cerveja. O colarinho espuma até o
topo e quase transborda. Sabe, não gosto muito dessa tentação toda. “Se você
não aguenta ver, é porque não tá pronto pra parar”. Minha última
amiga é uma otária.
Meio
bêbada, ela entra no elevador. Da sacada, vejo suas mechas loiras
seguindo pela avenida rumo à estação. Semana passada era ruiva. Amanhã seu
cabelo estará azul, para combinar com os olhos. Ela vira o rosto e olha em
minha direção. Acena. Desaparece ao dobrar a esquina.
O
fim da tarde acompanha meu corpo inerte e destituído de sonhos, uma carcaça
vazia, sem dopamina alguma. O sol desfalece aos poucos. Talvez eu já tenha
morrido há tempos. Respiro fundo. Cheiro de incenso vindo dos maconheiros do
apartamento ao lado. Milhares de cabeças rolando a vinte metros dos meus
pés. Nenhuma delas tem uma resposta. O Conjunto Habitacional
esquecido, tricotando famílias problemáticas. Pais que odeiam os filhos. Filhos
que esquecem os pais. Um aparelho de som é trocado por uma pedra. O peso do
mundo começa a lesionar minhas costas e a minha cabeça. Entro desnorteado, sigo
até a cozinha e abro a geladeira; sobrou uma latinha.
“Nunca
serei uma pessoa melhor”, eu grito, levantando minha quarta dose de pinga com
limão, “porque ninguém é melhor do que ninguém”. O senhor sujo do meu lado não
entende nada. “Se ninguém é melhor do que ninguém, como posso ser melhor do que
aquele que já fui?”, eu concluo a retórica. O velho discorda, apoia as duas
mãos no balcão e começa a balbuciar sobre sua vida. A ex dele fugiu com um
viciado em cocaína. Só entendo isso. Peço mais um litro de cerveja e um maço de
filtro vermelho estoura peito. Se é para cair no abismo, que seja dando salto
mortal.
Acendo
o cigarro com um isqueiro emprestado e aprecio a fumaça tóxica corroendo meus
pulmões. Dou um gole bem devagar na cerveja para hidratar a goela. A combinação
perfeita. No boteco só há homens. Velhos e destruídos, dão passos sem rumo com
as cordas vocais queimadas. No canto, uma televisão ignorada gastando energia à
toa. O cheiro de desilusão sobe misturado à neblina dos cigarros
tragados. O senhor sujo termina sua história e brinda comigo.
Comecei
a evitar meu pai, suas palavras de mármore, quando mudei pra cá e me
estabilizei. Na época eu gostava apenas de vinho. O velho me ligava e eu retirava
a bateria do meu telefone. Arranjou uma namorada dois anos mais nova do que eu.
Um dia apareceram aqui na minha porta, como pesadelos persistentes que te
perseguem durante a madrugada.
O
álcool lambe meu rosto e o meu corpo inteiro, fazendo cócegas nas bochechas e
no cérebro. Sinto vida na ressaca. É mais natural trabalhar assim e responder e-mails,
preencher planilhas, participar de reuniões. Tudo à distância. Tudo distante de
mim. Os problemas se escondem depois que a rolha sai da garrafa. Gênio etílico.
Até o clima fica mais agradável. Pede uma cerveja. Bebe-se para comemorar, para
enlutar, para que algo aconteça. O fígado pinga em suor. A pele ganha um tom
amarelado. A existência ganha todas as cores. Não importa qual dia seja; todo
dia pode ser seu último.
Ligo
o rádio e remexo minha bunda nua em cima do sofá. Compro uma planta. Ela morre
em oito dias. Bebo uma garrafa de vodca e jogo o vaso pela sacada. Planta
voadora. Escuto o vaso preto de plástico espalhar a terra e a planta na calçada.
Que merda. Desço e recolho a sujeira. Algumas pessoas passam por ali. Olhares
suspeitos. Apertam o passo quando não consigo ficar de pé. Ninguém é melhor do
que ninguém. Os caras lá do boteco entendem isso.
O
senhor sujo me arranja um cigarro solto. Ele nunca sai dali. Faz parte da
mobília como a mesa de bilhar ou a máquina caça-níquel escondida no banheiro
desativado. Está fedendo à graxa e fritura. Bebo mais um copo de cachaça para
esquecer o cheiro. Criamos uma espécie de amizade que nasce na primeira dose e
morre com o fechar das portas de aço.
Ele
volta a falar sobre a ex-mulher, mas de algum modo a propaganda na TV está mais
interessante. Comercial de cerveja. A alegria só é real quando bêbada.
Interrompo o velho e digo: “Um brinde à nossa felicidade”. Ele fica imóvel por
alguns segundos. Levanta o copo e conclui: “você é um cara digno”. Reparo que
seus olhos se enchem d’água. O que é isso? Já está ficando emotivo? Ele esfrega
o rosto com a manga da jaqueta jeans surrada e começa a dizer alguma coisa
sobre a filha falecida. Minha bexiga grita e corro pro banheiro. Volto e mudo de
assunto.
Caminhamos
entorpecidos por noites ingratas. Cães abandonados rasgando sacos de lixo,
iluminados pelas lâmpadas laranjas dos postes que presenciam tudo. Os pixos nas
portas dos comércios fechados são ignorados pelas crianças com vodca e
energético nas mãos. O que mais podemos fazer num lugar assim? O velho começa a
cantar Tim Maia. Diz que a ex dele amava Tim Maia. Para de cantar abruptamente.
Se despede e aponta para a esquina. “Moro ali perto”. Provavelmente em alguma
calçada maltratada. Irei chamá-lo qualquer dia para almoçar em casa e ver se a
gente se dá bem sem beber. Os nossos corpos balançam, lutando contra a
gravidade. Depois a gente se vê. Sempre há depois.
“Ele
morreu”, o dono do boteco diz. “Se matou. Misturou uns remédios com cachaça”.
Olho em volta; continuo vendo apenas homens tristes. Não quero ser mais um.
Quero outra dose de conhaque. Acho que vou voltar para casa. Não estou me
sentindo muito bem. Quando fecho a porta da sala, uma lágrima escapa do meu
olho direito. Só uma lágrima.
Ofereci
um pouco de vinho para meu pai e sua namorada. Eles se aconchegaram no sofá.
Meu pai arreganhou as pernas; era como se fosse dono do prédio inteiro. “O bairro aqui é
muito perigoso”, ele disse. Nunca tive problemas. “Tá trabalhando de que?”.
Home Office para uma startup. “Sem estabilidade alguma. Devia trabalhar em
banco ou prestar concurso público”. Talvez futuramente. “Não tá namorando
ninguém?”. Estou focado na minha carreira. “Você precisa arranjar alguém. Você
sempre foi solitário. Veja eu, por exemplo...”, sim, tudo bem. Entendi. Quem sabe agora você começa a agir feito homem e ela não te abandona que nem minha mãe?
Os
dois foram embora. Acabei não comparecendo ao enterro do meu pai.
Chamo
minha última amiga para beber umas cervejas. Ela vem. Cabelo verde e um engradado.
Um maço novo de mentolado. A primeira lata a gente vira de uma vez. Furamos a
parte de baixo, abrimos um pequeno buraco e então viramos o lacre. A cerveja
sai num jato só. Arrotamos e acendemos um cigarro. Bebemos a segunda lata normalmente
enquanto desabafo sobre o senhor sujo. Ela tenta me consolar: “nunca sabemos o
que se passa pela cabeça das pessoas”. De certa forma, me sinto culpado. Não
sei ao certo por quê. É como se eu pudesse ter evitado isso. “A culpa não é
sua”, minha amiga responde. “Bebe que passa”.
Continuamos
esvaziando as latas até estarmos totalmente chapados. Não consigo desgrudar
meus olhos da boca dela. Parece estar mais rosada do que das outras vezes. O
contorno dos lábios contrasta delicadamente com a pele branca do rosto. Chego
mais perto. Ela percebe. “Você sabe o que penso disso”. Respondo que não me
importo e que nunca sabemos o que se passa na cabeça das pessoas. Olha para
minha boca semiaberta e ri. A gente se beija.
Na
manhã seguinte ela levanta primeiro. Veste a calcinha e o sutiã. Está atrasada
para algum compromisso. Durante o dia todo, evito ficar pensando nela. Não repetirei
o mesmo erro da outra vez. Foco na ressaca. Tomo um chá de boldo que desce com
gosto de segunda-feira. Dez minutos depois, mando uma mensagem para minha
amiga. Vamos repetir a dose semana que vem? Ela diz “talvez”.
A
semana passa. Deixo tudo preparado. Compro um vinho que ela gosta. Depilo meu
corpo inteiro e bebo uma lata para relaxar. Dez horas da noite e nada. Abro
mais duas latas. Onze horas e nada. Já estou na sexta lata. Meia-noite ela
envia uma desculpa. Diz que saiu com uma garota. Mato a garrafa de vinho em
poucos goles. Meus dedos bêbados respondem com todos os insultos possíveis. Não
mereço ser tratado assim. Minha casa não é adega. “Eu pensei que você tinha
melhorado. Mas me enganei. Não me procure mais”, ela manda. Eu digo que nunca
melhorei porque ninguém é melhor do que ninguém, mas ela é pior do que todo
mundo. Depois disso nunca mais houve uma resposta.
Durante
a noite, sonho com o velho sujo. Estou no corpo dele, fumando um charuto no
balcão do boteco. Na banqueta do meu lado, um menino balança as pernas. Veste
meias brancas, um shorts azul e uma camiseta listrada. É muito parecido comigo
quando eu era criança. O menino me pede guaraná. Pego meu copo de conhaque e
dou para ele. Esfrego seus cabelos. “Você está melhor?”, ele pergunta. Digo que
não. “Eu gostava mais da gente antes, sabia?”. Sim, eu sei. Desculpa. O menino
então implora: “por favor, não me deixa morrer”.
Acordo
em prantos.
segunda-feira, 21 de junho de 2021
NÉLSON GONÇALVES
sexta-feira, 18 de junho de 2021
O VEÍCULO
Estou com este hábito de caminhar por ruas que não conheço. Saio de casa, escolho uma direção e vou me enfiando por aí, descobrindo lojas, praças e cantinhos onde o sol parece mais gostoso. Tenho feito isso por desespero.
Nosso corpo quebra. Não sabemos quando, nem como. Mas uma hora as costas doem e o que se fazia antes numa brincadeira agora é impossível na necessidade. Tenho lamentado no banco do motorista por muito tempo. Fiz 29 anos rodados, ainda consigo subir ladeiras de primeira. Único dono. Mesmo assim, encosto a testa no volante e questiono a estrada. Por que nos botaram aqui, assim, desse jeito?
Tenho caminhado sem sentir que caminhei. Mesmo com os pés na rua, parece que ainda estou no meu quarto. E hoje uma moto quase me atropelou. Passou fininha do meu lado. Se eu tivesse virado o rosto, o motoqueiro teria acertado meu nariz com sua testa. Na hora meu coração disparou. Mas, ao invés de amaldiçoar a situação, sorri. Aquilo era real. Meu peito estourando, minhas pupilas dilatadas, a garganta seca; estava vivo, fora de casa, fora da minha cabeça por pelo menos alguns segundos. Todos os atos desesperados são tentativas de fuga da própria mente. Eu era o próprio Andy num Sonho de Liberdade.
Não importa o quão longe você vá; pra onde você for, lá você estará. Carregando a mesma bagagem, o peso nas costas. Não dá pra distanciar-se de si.
Também não importa o que você faz pra se distrair. Quando se é vazio, todos os consumos são desperdiçados no buraco. Pode beber e se entupir à vontade. Pode gastar dinheiro, transar, fumar, ler, assistir, cheirar... No final, é você consigo mesmo. A culpa não é do mundo.
De repente estou na minha cama novamente, pensando e pensando e pensando. A única prova de que caminhei são anotações que fiz no meu bloco de notas preto quando sentei numa pracinha. Isso e a minha lombar dolorida. Assisto o resto do dia morrer pela minha janela. Um lindo dia de poucas nuvens.
Desligo os faróis. Retiro a chave do contato. Inspiro profundamente. Expiro consciente uma última vez.
Amanhã será diferente.
quinta-feira, 17 de junho de 2021
PAPINHO FURADO
SUPERESTIMADA
terça-feira, 15 de junho de 2021
PALAVRA CERTA
Com quantas palavras se faz uma emoção?
Montar uma que
te una à mim
da mesma forma
que eu tô em você.
Talvez não saiba,
é,
talvez você nem desconfie.
Mas já dei tanta brecha
que me sinto um buraco.
o orgulho continua o mesmo,
só pra tapar erro.
Com quantas emoções se diz
a palavra certa?
Tenho dito demais.
acho que vou escutar
a voz fria da rua
em mais uma noite
que você "nem".
O TROCO DA MEIA-VIDA
O corre é louco e
o pouco que ganho
ganho correndo muito.
e vejo tanto
com pouco
e pouco com tanto
que às vezes bate um desespero, uma raiva
que fica pra lá,
tenho que levantar,
ganhar o troco da meia-vida, meio morrendo
todo dia.
o corre é louco, tampouco
a caminhada
longa como estrada
de começo, meio, meio
(essa porra não tem fim?)
Nem sobra tempo prum sorrisinho. Nem
espaço fininho
no trem lotado.
corre, louco, desbotado
de qualquer cor.
Corre, louco, desgastado
como peça descartável.
quem sabe um dia
te dão uma chance?