Pimentão. Foi a única coisa que passou pela minha cabeça, e eu ansiava uma ideia nova, algo substancial para escrever um conto que me tirasse da fossa. Aquela volta pelo quarteirão não estava funcionando, então decidi caminhar até a Praça Brasil e no meio do caminho rezei para achar uma carteira recheada no chão. Sem documentos. Se houvesse algum, ficaria com peso na consciência depois de gastar o dinheiro. Até negociei por uma nota de cinquenta, depois baixei para uma de vinte e no final procurava por moedas. Futuquei um papel azul e era só um folheto de lava-rápido. Dez conto a ducha. Joguei fora o papel numa lixeira.
Um carro da PM andou do meu lado e foi reduzindo a velocidade, e eu fiz uma lista mental de tudo o que carregava no bolso, se não havia esquecido uma ponta dentro de um maço ou algo do tipo. Há anos que não fumava um, mas a luz vermelha da sirene te faz pensar até no número do RG de trás pra frente. Talvez quisessem pedir uma informação, saber como chegar na Virgínia Ferni, ou se eu havia visto alguém suspeito. Era improvável. Que merda: eu só queria uma inspiração e seria enquadrado, humilhado à toa, já não bastasse eu ser escritor, pobre e sem ideias. O veículo me ultrapassou e desceu sentido à estação José Bonifácio.
Cheguei na Praça e sentei num banco de concreto, perto de uma delegacia, e comecei a matutar: um homem é preso porque rouba um pimentão num mercado. Mas então um caminhão carregado de cocaína foge em alta velocidade, se choca com a viatura e os dois policiais na frente e o caminhoneiro morrem. O prisioneiro escapa ileso, arrebenta a porta de trás, vai até o banco da frente, encontra a chave das algemas no patê de farda e foge. Ele volta ao mercado e tenta roubar outro pimentão. Fica com medo, deixa o legume com uma das caixas e pede desculpa. Essa era a ideia do conto. Fantástico. Agora só precisava de um bom começo, algo marcante.
“José olhou para os dois lados antes de colocar o pimentão no bolso da jaqueta jeans surrada...”