Estou com este hábito de caminhar por ruas que não conheço. Saio de casa, escolho uma direção e vou me enfiando por aí, descobrindo lojas, praças e cantinhos onde o sol parece mais gostoso. Tenho feito isso por desespero.
Nosso corpo quebra. Não sabemos quando, nem como. Mas uma hora as costas doem e o que se fazia antes numa brincadeira agora é impossível na necessidade. Tenho lamentado no banco do motorista por muito tempo. Fiz 29 anos rodados, ainda consigo subir ladeiras de primeira. Único dono. Mesmo assim, encosto a testa no volante e questiono a estrada. Por que nos botaram aqui, assim, desse jeito?
Tenho caminhado sem sentir que caminhei. Mesmo com os pés na rua, parece que ainda estou no meu quarto. E hoje uma moto quase me atropelou. Passou fininha do meu lado. Se eu tivesse virado o rosto, o motoqueiro teria acertado meu nariz com sua testa. Na hora meu coração disparou. Mas, ao invés de amaldiçoar a situação, sorri. Aquilo era real. Meu peito estourando, minhas pupilas dilatadas, a garganta seca; estava vivo, fora de casa, fora da minha cabeça por pelo menos alguns segundos. Todos os atos desesperados são tentativas de fuga da própria mente. Eu era o próprio Andy num Sonho de Liberdade.
Não importa o quão longe você vá; pra onde você for, lá você estará. Carregando a mesma bagagem, o peso nas costas. Não dá pra distanciar-se de si.
Também não importa o que você faz pra se distrair. Quando se é vazio, todos os consumos são desperdiçados no buraco. Pode beber e se entupir à vontade. Pode gastar dinheiro, transar, fumar, ler, assistir, cheirar... No final, é você consigo mesmo. A culpa não é do mundo.
De repente estou na minha cama novamente, pensando e pensando e pensando. A única prova de que caminhei são anotações que fiz no meu bloco de notas preto quando sentei numa pracinha. Isso e a minha lombar dolorida. Assisto o resto do dia morrer pela minha janela. Um lindo dia de poucas nuvens.
Desligo os faróis. Retiro a chave do contato. Inspiro profundamente. Expiro consciente uma última vez.
Amanhã será diferente.