quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

VOCÊ NÃO SABE MINHA FORÇA (ver. 3.0)

para eu estar aqui
com todos os meus átomos
vibrando o som
até suas orelhas
você não sabe quantas olheiras
tive de maquiar

com estes mesmos átomos
corro a rotina de São Paulo
onde chove sol e raia chuva
tão imprevisíveis quanto
minha luta

você não sabe minha força
veja: ainda estou aqui
apesar dos meus piores dias
de ter sobrevivido ao que não pude

meu espelho quer que eu mude
aquilo que ele não reflete
os rabiscos presentes da vida
cicatrizando debaixo da pele

é difícil sair da própria casca
mas ainda assim o faço
à noite 
quando posso ser
livremente inútil
e bondoso com meus machucados

enaltecendo quem sou
cantando uma canção de mim mesmo
de lágrimas língua e peito
traçando de toda posta derrota
degraus improvisados à vitória

para eu estar aqui
com todo o tempo-espaço que existi
tive de seguir adiante
não se engane:
continuar é a mais corajosa
demonstração de força

e eu espero 
que você continue.

DEIXA EU VIVER MINHA VIDA

pois ela é minha
milagre de um universo
cheio de vagas estrelas infinitas

hoje eu quero uma latinha
na praça da quebrada
dividir com quem me faz sorrir

quero vestir o que sou
curto comprido o que for
preto e branco colorido
uma vontade de cada vez
todas numa dose
da gente

deixa eu escutar
meus gritos meus barulhos
que pra você não é música
mas pra mim é tudo
sonora melodia da noite
escura só pra quem
não tem luz

deixa eu errar pra aprender
experimentar pra não gostar
e que goste uma parte minha
e que se perca tentando
me encontrar
é assim que é feita gente
(as de verdade, pelo menos)
queimando o que tem de queimar

como uma estrela que vaga
num universo meu
cheia de agora
orbitando a infinda aurora.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

PRA ENCERRAR A NOITE

acendo mais um
numa desculpa de ser mais
um pouco menos eu

e peço mais uma
num gasto intragável
bebendo minhas dívidas
pra ser mais legal
menos normal
como todos

levanto deixando minha alma
sentada na cadeira
esperando que meu corpo
não brinque a brincadeira
de esquecer
o que nos cabe
o número da nossa mesa

e quando volto
foi todo mundo embora
cada um no seu mundo
gritando e chorando
palavras que não entendo
meios-sentimentos
funcionando num emendo
tão perigoso quanto
tudo o que está sendo
ao nosso redor

fico indo embora
e quando vou ainda fico
ensaiando as frases já ditas
na vergonha da ressaca
no nunca mais que daqui a pouco
quando o fundo do poço
estiver à beira
das conversas rasas.

pra encerrar a noite
eu me despeço
fecho a conta
e abro a porta
do quarto
com certa dificuldade.

ME SINTO UMA DROGA

numa eternidade passageira
vão me carreirar
e perguntar
"e aí, quem cheira?"

vão me lamber numa seda
me babar e me enrolar
me tragar e depois
sou fumaça

vão me beber
vão me gorfar
e apenas
apertar a descarga

vão fingir que faço bem
que sou a única coisa que tem
ninguém sendo ninguém
e todo mundo no além
de suas desilusões

como se suas visões cegas
enxergassem o que não veem
mas o que eu vejo
se estou no escuro também?

vão me empacotar
me botar
debaixo de suas línguas
dizendo meu nome
como se eu fosse
a pior droga
de suas vidas
enquanto lambem suas feridas
com o veneno de suas salivas
babando e espumando
anjos que não voam 
com asas corroídas.

PEQUENO PALHAÇO

eu não sei o que é
um relacionamento
desde que
me relacionei com espinhos

eu os puxo
da minha pele
todos os dias
e ainda mais
quando uma rosa me aparece
dizendo que seu perfume
valerá a pena

eu sei o preço
e todos sabem meu sorriso
o quão difícil
foi mantê-lo

vai ver eu deveria chorar
minhas margaridas secas
ou o boldo magro
ou a grama morta
que comprei na biqueira

você fez uma brincadeira
com meus estilhaços
montou uma imagem
de pequeno palhaço
só que eu não ri
eu realmente não achei graça

e talvez seja isso
não passe de uma piada
eu me isolando de todos
e todo mundo dando risada.

VOCÊ TEM FOGO?

fogo para estar vivo
fogo para esquentar
minha comida de ontem
e o cigarro de agora
no horário de almoço
na pausa do relógio
no flerte do minuto com as horas

isqueiro roubado
roubando minha vida
um maço de cada vez

quanto de mim
deixei no cinzeiro
porque fumei as palavras
que não disse?

e o filtro deixa sujo
todo o resto do mundo
eu me confundo
sou o que sou hoje
ou o que me preocupo
no futuro?

marca barata
que deixo no corpo
ferida mal cicatrizada
fazendo sombra no peito
deixando o coração no escuro
do seu próprio esquecimento
já que bateu a vida toda
menos nas pessoas certas
menos para as pessoas certas

você tem fogo
para queimar meus pensamentos?
eles fluem em cachoeira
toda vez que dou bobeira
achando que nado num lago
de tempo parado
um tempo separado
da minha correria

mas tudo corre pro seu fim
e talvez seja assim
tão simples quanto se eu fumar
se você me acender
se você tiver fogo para mim.

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

POEMA DE UM BÊBADO ÀS DUAS DA MANHÃ

eu tô bem
tão bem quanto posso estar
nessa armadilha que me criei
em tentar ser
sempre melhor
do que o meu melhor

eu tô nessa armadilha
de me exigir o que não posso
e ser algo que ainda não sou
mas seria
se eu fosse
mais livre de mim

é por isso que bebo
bebo para te esquecer
bebo para ser
apenas ser
essa luz que tem dificuldade
de transparecer
lúcida

e eu me descontrolo
para me controlar
os passos que devo dar
caminhando para um abismo
desconhecido

e eu bebo, bebo, bebo
até me engolir por inteiro
um gole seco
um trago de desespero
eu ainda não sou
o que quero que seja
a minha pessoa
sóbria
embriagada de vida
dividindo meu tempo
com a realidade
e a merda
da minha fantasia.

EU SUPEREI MEUS PIORES DIAS

abri a janela pro meu escuro
sobrevivi todos os dias que morri
que precisei de você
e você não estava ali
 
um cigarro me fuma de vez em quando
e dou passos à lugar algum
superei meus piores dias
um por um
hoje o acaso não é diferente

e se ando sorrindo minhas dores
e se você me quer uma parte
eu posso te dar uma metade
de um eu por inteiro

bebendo seco
numa mesa de estranhos conhecidos
a gente sabe quem somos
só quando enlouquecemos
quando deixamos nossas chamas
se alastrarem por nós

queimei meus dedos
tocando sua frieza
agora deixo de buscar aí fora
o que tenho em abundância
dentro de mim

abri a porta para respirar
sou expressão da criação
um constante rascunho
de uma obra de arte
exposta pra quem quiser ignorar
eu já não ligo
tenho olhos para mim mesmo
olhos que aprenderam 
a me enxergar.

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

NÃO PRECISO DE CARIDADE


com a alma esfarelada
na mesa do bar
eu peço mais uma dose
de você
pra ver se lembro
que superei
todos os piores dias
que te precisei
e você não estava.

com as calças no joelho
jogo no esgoto meus sentimentos
um banquete para bactérias
solitárias

na pia eu vejo o espelho
e uma fila de gente apertada
segurando seus desesperos
na bexiga inchada
no fígado marinado

volto pra mesa desapegado
como se já não importasse
quem alí sentasse
e dissesse
"eu também passei por isso"

e minhas mãos alcançam o copo
o copo que está cheio novamente
e que transbordará esta noite
com os meus desejos

meus pés esfregam a calçada
no ritmo da ansiedade
já te disse:
não preciso de você
não preciso de caridade.

EU SOU MAIS QUE MINHA ROTINA(?)


pés descalços no quarto
pele nua sobre o frio
de uma manhã inconstante.

dedos viciados
alcançam o maço.
nada como começar o dia
morrendo um pouco.

hoje a programação é ficar
preso no mesmo lugar.
hábitos apertados na canela.
suas marcas me trazem um conforto
desconfortável.

tenho mesa mas como na pia.
tenho cadeiras mas engulo
sapos de pé
com a cabeça erguida
todas as vezes
que consigo.

botar a mão na maçaneta
é fácil.
difícil é girar o pulso.

pés calçados na rua
à procura de um ônibus
que me entenda.
tenho contas à pagar
e bolsos meus à esvaziar.
lutar na arena do trabalho.
matar um leão por dia.

e meu cansaço dorme
no chão do trem
no nível mais baixo
do poço
onde o escuro faz cafuné
e o silêncio consola.

quando chego em casa
já não existo.
se é que existi.
se é que
estando vivo
eu vivi.

POEMA FODA PRA CARALHO

meus dedos maltratam as teclas
tentando escrever
um poema foda pra caralho

enquanto minha cabeça
está em você
que não existe mais
no meu "nós"

você tá bem, eu sei
meus olhos espionaram
suas fotos
na praia

você tá bem, como todo mundo
todos menos eu
que discuto
com a página em branco
que me deve
um poema foda pra caralho

eu vou chegar aí
um dia
agora eu tô aqui
no meu dia
coçando meu corpo
numa alergia
de esquecer isso tudo

a bunda na cadeira
pega o formato da madeira
vou vestir calças quadradas
deste jeito

meus pulmões fumam
outro Rothmans Global
como se não respirassem
toda vez que perco o fôlego
nas ironias da vida

e minha boca beija
uma caipirinha
de suco Tang e Corote
patrocinada
pelos meus vícios
e pelos meus traumas

meus dedos salvam um poema
bêbado e demasiado alcoólatra
com tons ásperos
tão verdadeiros
quanto a língua de um gato
pedindo pra você abrir a porta
assim como você pediu
na última vez que você me viu

não sei se tenho
um poema foda
só tenho palavras
eu sempre só tive
palavras
pra dizer
o que sinto.

terça-feira, 5 de novembro de 2024

PERDOAI-ME (AUTOCOBRANÇA POR GRATIDÃO)

como você não consegue enxergar
este amanhecer que te queima
estes olhos inúteis
que só veem
passado e ansiedade?

sinto que não merecemos
este presente
já que o descartamos
pela próxima dose

uma pedra
está mais aqui
do que você

um poste
que apaga sua luz
está mais aqui
do que você

aonde você vai
com estas tuas células ingratas?
vai buscar outro prazer líquido
esfarelado e branco
vazio e inexistente
como o que você fez da sua vida?

a beleza grita cada detalhe
para um bando de surdos
incompetentes
em serem vivos

tudo vai pro lixo
pro ralo
pro esgoto
o milagre da existência
boiando feito merda
banquete pra bactéria
contente apenas por ser
algo sem cérebro
mais sábio do que a gente

ninguém vê
e eu também não vi
o dia virando suas costas
sem se despedir.

O QUE ESCREVI SOBRE MIM BÊBADO

eu estou bem agora porque

tudo parece mais simples
e eu não ligo mais para as coisas
eu to mais leve
não tô pensando tanto na minha imagem
foda-se a minha imagem
foda-se a minha imagem
e a noite está gostosa
e tenho mais goró pra fazer
tô achando meus poemas maravilhosos
estou prometendo favores que eu não gostaria
tô fumando mais do que o normal
quero mais álcool
meu corpo está mais solto
tô rindo sozinho / por coisas bobas
eu quero ver / interagir com pessoas
tô esperançoso
dinheiro não é problema
tô repetindo minhas músicas favoritas
tô aumentando o volume, fodam-se os vizinhos
estou mais emotivo (chorando por querer mudar)
mais vontade de escrever
rolê
quero dançar e ser feliz
eu já tô feliz
não quero que acabe
tô mais impulsivo / agindo sem pensar
não tô pensando muito nas consequências
mais coragem para andar na rua (pra comprar álcool)
vou gastar dinheiro impulsivamente (com bebida)
mais vontade de entregar poemas para qualquer pessoa independente do retorno financeiro
tô falando mais sozinho em voz alta
mais vontade de fazer tarefas de casa e em geral
tô mais esquecido
eu sou muito foda
mais ímpeto em ter conversas difíceis / desabafar meus traumas
mandei mensagem para ------
imagino conflitos e ensaio discussões
COMO É BOM ME DEIXAR SER
estou cantando as músicas em voz alta, bem alta
tenho sede de viver, de experimentar
estou puto com os números do instagram
fumei um maço e meio
sentindo nostalgia com legião (vamos fazer um filme)
tô cantando legião com todas as minhas forças
chorei (DE SOLUÇAR) de alegria com black hole sun
agora estou questionando minhas escolhas, quem eu sou
tô querendo resolver todas as questões "erradas"
quando fecho os olhos o espaço parece maior
picos de humor
sono
me sinto invencível
agora perdi o controle

A PONTA

sobrou uma faísca
de algo que ninguém precisa
e estão todos desesperados
para ter

ficou o passado de escanteio
do lado do medo, de joelhos
tentando se autoesquecer

chamou os seus amigos mais baratos
pra verem de graça o amanhecer
e os companheiros desamparados
preparam-se pra deixarem de ser

e eu sei
não é sua culpa
ser você
nem a minha

a ponta aponta o incerto
se gritar deixar de ser correto
mas se falar baixo
ninguém escuta
e nada muda

sobraram trocados suados
bolsos vazios copos calibrados
e almas no meio-fio

é assim que me enxergam
pelo vidro do copo
será que eu posso
me fumar aqui?

chamou os pesadelos mais pesados
como se o sonho fosse sorrir
enquanto dão risada por nada
segurando o choro para não cair

e eu sei
não é sua culpa
viver
nem a minha

a ponta aponta o incerto
uma piada levada à sério
ele subiu no palco
e ninguém aplaudiu
e nada muda
nunca muda
nada muda

nunca muda.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

DEPRESSÃO

eu não quero nada
querer é sintoma de vida
e estou tão vivo
quanto a ferrugem do portão

uma garoa fina e insistente
se espatifa no asfalto
pesadelo molhado
concordo com as gotas

sabe, antes eu gostava
agora é mal hábito
entenda alguém
pelo conteúdo de seu
cinzeiro

vou da cama pro sofá
do sofá para o chão
do chão eu não passo
faço do resto do dia
uma canção sem letra
nem melodia
apenas a batida
de um coração teimoso

vai ver ele sabe
de algo que não entendo
vai ver só sou feliz
quando não penso

de qualquer forma, cá estou
com a mão no queixo
encarando átomos nus
enquanto meus fantasmas se divertem.

LUZES DA CIDADE

vomitei na esquina
um gosto de memórias
na língua

acho que nem um cigarro ajuda

passos dementes
de gente doente
de alma

luzes da cidade
cegando encontros
sua felicidade não me convence
sua insobriedade é real
cabe numa garrafa

tudo na cidade é quase cinza
e quando amam
seu amor não tem cores
é branco como uma folha sem criatividade
e preto como um quarto solitário

perdi seu contato
hoje vou chupar um buraco
desconhecido
não há conhecidos quando
todos escondem sua loucura

a minha tá gorfada na calçada
do lado de um maço de Eight
embaixo de um poema pichado

SUPERAÇÃO (DEFINIÇÃO)

o ato de acordar cedo em sonhos
luta vasta 
arrastando a carcaça ainda funcional

deixar para trás 
velhas imagens de você
refletir futuros no agora

não te esquecer
mas te lembrar
sem dor

o para sempre que não dura 
uma chuva
brincar em suas poças

desencaixar um pedaço seu
dado por outro
que já não te cabe mais

manter a vida acesa
mesmo no escuro 
do fundo do peito

levantar da cama
hoje
e amanhã

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

QUERER É SINTOMA DE VIDA

quero vomitar alegria
mente vazia
ressaca de mil flores
pensando hoje 
como se hoje fosse o dia
vestindo verídica fantasia
trazida do fundo da amígdala
aquela que gozava medo
para todo o aparelho
cerebral

quero ser normal
tão normal quanto a existência
petiscar seus absurdos
arrotar lá do fundo
uma canção especial

quero que me acompanhem
quem já está do meu lado
mas também quem for improvisado
encontro o acaso
e lhe peço um cigarro

era Eight
(caralho)

estendo a mão e vamos
todas as versões apaziguadas
flertando com seus traumas
quem sabe assim a alma acalma
cala
não dá pala
fala
o que as paredes fingem ouvir

quero
ainda quero
e querer é sintoma de vida.

NÃO É SOBRE MIM

você não consegue ver?
desculpa
não é sobre mim
falar sobre você.

tive tontura quando
vi por seus olhos
e uma dor como o mundo

deixar pra lá
é me dar um abraço
quero você no meu mar
você faz meu mar
gotejar nas flores do jardim

toque minha luz
e eu descrevo seu escuro
como se pudéssemos nos ver
mais uma vez

desculpa
é que eu ainda não te esqueci
não me ofende ser imperfeito
e cair no buraco que cavei

desculpa
me desculpa
eu sinto muito.

MINHA DISTÂNCIA DE MIM

não desvaneça na noite
confie no justificar
das estrelas
eu só inventei algumas realidades
meus segredos seus segredos
são suficientes para as lágrimas
eu quero minha distância de mim
como todos aqui que dizem adeus

escutei anjos na viela
num jogo de tentar me quebrar
quero ver até o final
e poder te segurar os cabelos
enquanto gorfamos
mas não posso te ajudar
se você já quer ir embora

confie no justificar
daquilo que acho precioso
transpassando nosso imediatismo
meus segredos seus segredos
fluem pelo tentar dos olhos

eu quero minha distância de mim
e você não quer me levar embora
não vou te arrastar

então adeus
adeus

ANTES QUE SE QUEBRE POR COMPLETO

seu rosto no meu
como foi que consegui?
música da sua voz
vício em te ouvir

tento alcançar o que está
só no alcance do seu peito

seguindo a distância
trocando pedaços antes
que se quebre por completo
e nossa melhor parte
esteja morta

não pare agora
que é a primeira vez
que me sinto dentro
de onde queria entrar

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

EU NÃO QUERO IR EMBORA

não agora que me desencontrei.
fugi das memórias 
no tempo de um trago.
tá meio insalubre
mas tá bom.

não conheço ninguém aqui
nem a pessoa que sou.

eu não quero ir embora.
agora que a gente se sorriu.
agora que a gente se deu uma chance
de escutar um ao outro
sem esperar
nossa próxima fala.

vamos ficar mais um pouco.
próxima rodada de desabafos
e uma oportunidade
de não sermos tão líquidos
evaporando na pressa do desapego.

agora, que guardamos
as máscaras na mochila
e estamos de cicatrizes
gargalhando nossas dores.

não vá.
eu sei que amanhã
seremos estranhos conhecidos.
deixa eu aproveitar mais um pouco
o meu gostar da sua companhia
já que depois
nos evitaremos.

eu...
eu só não quero ir embora...

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

PATRIMÔNIO

tenho quinze reais 
em moedas de cinco e dez centavos
quatro cigarros
meio corote
e uma saudade

tenho metade de uma
linguiça calabreza
um pote de arroz de ontem
dois limões
e tédio

também tenho meio quilo
de ração para as gatas
alguns poemas ridículos
um sonho teimoso
e medo quando apago a luz

sobrou meio tomate
um gosto musical esquisito
um punhado de alho frito
e indagações sobre tudo

acho que é só
pode trazer alguma coisa
se você quiser

tem espaço na geladeira

terça-feira, 8 de outubro de 2024

VOU MUDAR VOU MUDAR VOU MUDAR

vou trocar as músicas que escuto
pra mudar quem eu sou
vou botar o sofá em outro canto
vou pintar o cabelo
fazer exercícios e comer mais couve

veja como serei
uma nova pessoa
uma nova pessoa

vou vender minhas fantasias
e esticar minha pele
vou ler novos livros do sebo
e puxar assunto com estranhos

veja como serei
uma nova pessoa
uma nova pessoa

vou fumar cigarros mais caros
e só beber cerveja puro malte
vou vestir meia preta na canela
e camisa florida
não vou me apegar à ninguém
vou lavar a roupa de cama
toda vez que alguém insistir
em deixar seu cheiro comigo

veja como serei
uma nova pessoa
uma nova pessoa

vou deixar de ser quem sou
pra me arrepender menos 
quando olhar pro espelho
pra me arrepender menos
quando estiver de ressaca
pra me arrepender menos
quando deixar outras mãos no meu volante

é
vou ser totalmente diferente
pintando as paredes da minha casa
e costurando desenhos na pele
ninguém vai me reconhecer
nem mesmo eu

veja como serei
uma nova pessoa
uma nova pessoa

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

TRAUMAS

lembro meus traumas
e jogo dominó com eles
bebericando e empesteando minha sala
com quatro mil substâncias químicas.

"acho que preciso escrever"

fico nu diante da página em branco
que deseja faminta minhas palavras
e brocho.

volto pros meus traumas.
tento achar os culpados
dessa inexistência que persiste
fincada nos meus pensamentos.

a poeira que meus defeitos trazem à mesa
eu espano todo dia
com uma ferramenta feita de mentiras.

"eu preciso escrever agora"

fico burro diante da página em branco
e escrevo quatro palavras rápidas
como se fosse fácil deixar
a alma podre dizer o que sente
sem se esconder atrás de uma garrafa.

guardo as peças do dominó
e vou dormir.

"amanhã será diferente",
eu repito pro travesseiro
pela décima vez consecutiva.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

PRIMAVERA, PEGUE SUAS FLORES E...

tratei como eterno
aquilo que durou pouco.
hoje desfaço as pontas
pra bolar uma saudade.

quero fazer fumaça do que sinto.

a noite brilha na ponta do meu cigarro
quente como nossos corpos numa cama.

tô suando antecedentes
restos de mim salgados
evaporando pra qualquer lugar

primavera
pegue suas flores
e dê pra quem ainda consegue
ficar apaixonado.
minha ingenuidade eu mijei no ralo.

tô fritando traumas
jogando gelo nas oportunidades.
e ainda estou quente
queimado
carbonizado

só sobrou o meu sorriso.
e a saudade
que tento apagar no cinzeiro.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

5 POEMAS SOBRE CIGARRO E FUMAÇA (E TALVEZ SOBRE NÓS)

O QUE MATA LENTAMENTE

cigarros de filtro branco saborizados
bebida barata e doce
o ar da cidade
ultraprocessados
açúcar
e você
me convidando
para ir na sua casa.

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é uma pena
pagar tão caro
monetariamente
por cigarros
e pagar ainda mais
espiritualmente
por uma foda.

é por isso
que o cinzeiro tá cheio
e minha cama vazia.

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com o maço quase acabando
restam duas opções:
parar de vez
ou comprar outro

faz um intera aí?

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luz forte nas minhas costas
e eu consigo ver minha sombra
nitidamente na parede

mas a fumaça que exalo
é fantasma

tão abstrata e fatal
quanto um sentimento.

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fiquei dois anos
sem fumar um cigarro
mas não fiquei
dois minutos
sem querer teu corpo

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

CA FÉ

todo dia levanto cedo pra lutar
fervo a água pro meu café
de segunda a hora não tem pressa de passar
só com uma coisa fico de pé

com a fé, com a fé
o meu dia só é bom com a fé

a tarde inteira fico num vazio
combrando o meu tempo do relógio
a correria vai e vem, você já viu
por que esse trem não chega logo?

com a fé, com a fé
o meu dia só é bom com a fé

de noite eu bato o ponto no meu sofá
assisto o que tiver passando
faço a marmita pra amanhã eu almoçar
caio no sono orando

que as coisas melhorem para a gente
que a gente ande por aí, sorridente
que a vida seja mais do que se sente
porque me sinto
cansado
mas

com a fé, com a fé
o meu dia é bom com a fé
com a fé, com a fé
o meu dia só é bom com a fé (com a fé, com a fé)
com a fé, com a fé
o meu dia só é bom com a fé (com a fé, com a fé)
com a fé, com a fé
o meu dia só é bom com a fé



TE AMEI ADIANTADO

te amei atrasado
nessas de usar e ser usado
disse pro coração ficar calado
"não deixe que nos vejam
somos fracos"

te amei adiantado
dei o primeiro passo
e os outros também
você andou pro outro lado

te amei no tempo certo
e queimamos
te amei em tempos incertos
e duvidamos
não nos amamos
e eu nem lembro se ficamos

talvez amor seja concreto demais
para relacionamentos líquidos
talvez sejamos água demais
pra caber um no outro desde o início

talvez seja assim
entender o que não faz sentido
e enloquecer com sede
enquanto nos afogamos sozinhos.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

ANTES DE IR

ria do espelho, para o espelho
faça a imagem do outro lado
confortável na sua pele

foda-se o resto

antes de ir
desenrosque o amor
dos arames farpados
no escuro dos seus traumas
veja que quase nunca
algo faz sentido

foda-se o resto

tem calçada que a gente anda
com confiança
pequena dança de céu azul
o universo é nosso parque
peça licença respeitosamente
às poças de sangue

foda-se o resto

a lua tá enorme hoje
e a gente ainda tem uma chance
para nós mesmos
esse é o objetivo

foda-se o resto

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

EU NÃO TENHO CERTEZA MAS EU VOU

eu não tenho certeza
das minhas escolhas
se a resposta certa tá errada

destino lá na frente
com a cara fechada
se esconde atrás do tempo
que ainda não aconteceu.

eu não tenho certeza
se vai ficar tudo bem
embora tudo que não estava
já passou.

meus anseios engulo gelados
queimando nos goles de boteco.
às vezes nunca saio de casa
e às vezes eu estou tão perdido
de bêbado
que não sei o caminho de volta.
prefiro dormir na minha cama
se for pra sonhar sozinho
esta noite.

eu decidi sem saber
e agora eu não sei
se decido ficar para ver.
o que investi nos contratempos
me rendeu o que sou hoje
e as linhas em branco 
nos meus cabelos

eu não tenho certeza
mas eu vou. 
eu aviso.
pois de alguma forma
todos os meus dias
eu vivo.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

PROEZAS (MIN. MAX.)

foco nas proezas
poucas
beleza é saber sua força
e quando usar os músculos
pra sair dos mesmos passos
ou pra continuá-los
se a estrada for de seda boa.

o mínimo é nossa garantia
e estar vivo prevalece
no conto de estar aqui.
no final das contas
se chorei ou se sorri
o importante você já sabe.

mínimo máximo
cada atributo alocado
personagem real
moldando sua fantasia
trazendo um pouco da magia
no aço frio do dia a dia.

e seguimos cantando nós mesmos.
foco nas proezas
poucas
beleza.

quarta-feira, 19 de junho de 2024

estar bem me preocupa
estar mal me preocupa
eu me preocupo de entulhos
e descartáveis
esperando o céu azul
cair e estraçalhar meus ossos
mas ele nunca cai
ele nunca cai
e eu fico
e cubro minha cabeça
palpitando
no ritmo acelerado do peito

terça-feira, 4 de junho de 2024

ESSE É MEU JEITO

eu tô dançando eu mesmo
vestindo o meu ridículo
o MEU ridículo
e de mais ninguém

eu sou a noite de euforia
eu sou a cachaça ferventando na barriga
eu sou o tropeço da calçada
a patifaria
a briga que nunca acaba
a gente contra o que nos cala

eu tô furiosamente feliz
afiando meu sorriso
como uma arma
se for pra sangrar nessa vida
que o vermelho ferido
conte boas piadas

um gole gelado
"vamos viver, amigas"
diz o cérebro para as tripas
o fígado em demasia
fazendo hora extra mal paga

eu tô dançando eu mesmo
forte 
como quem sobrevive
ao que não pode.

terça-feira, 21 de maio de 2024

IDADE

é coisa de gente doida pra viver
mas que já sente
o osso roer
o músculo gemer
o rosto envelhecer

então eu te digo
que fico aqui comigo
pouca energia pra gastar
com grandes idiotices alheias

tá tudo na cabeça
na ponta do cérebro
nos dedos ousados da mente

e cada átomo indecente
(que eu cultivo só pra quem merece)
e cada átomo decente
(que eu visto pra quem me esquece)
pulsa com uma juventude incomparável
e uma vontade tesuda
de me enfiar
em todos os buracos do cósmos

e aí me perguntam meu aniversário

tenho 30 e poucos anos
ou a idade do universo
qual é a diferença?

quinta-feira, 9 de maio de 2024

EU NÃO DESISTI

lição pra imprimir
na caixa do crânio
debaixo das marcas e enganos:
"desaprender a desistir"

vou por aí existindo
Sísifo sorrindo
tropeçando quase fora do compasso
quem tá certo e quem tá errado
é quem continua
rua nua de gente
lua muda de vácuo
ilumina porta e pensamento
dá uma luz nos arrependimentos
como a luz de um incêndio
ou a brasa do incensso
sete ervas e eu só fumo uma
pra mente turva
se botar no lugar

eu não desisti 
porque rabisquei e resisti
é por isso que tô aqui
caveira carne rascunho
toca o alarme muda o mundo
um sonho de cada vez

eu não desisti
quero ver o filme todo
imediatamente louco
meu rosto diz meus átomos
minhas mãos meus cálos
eu não me calo
ante a sinfonia incompreensível do acaso

vou dar meus passos
onde a vida continua

te encontro lá. 

domingo, 5 de maio de 2024

DOENÇA

tô doente de vida
pano molhado de álcool
na testa dos fatos
na febre dos tatos

eu tô vivo de momentos
ser humano de pedaços

eu vejo minha infância
eu não entendo minha criança
tão livre de meus erros

morrer é uma escolha impossível
que acontece sempre

o que são os outros quando não eu?

a parede
a parede
diz bege
como todos no trem

eu treinei minhas falas
e tropeço no nada
como gente cutuca o próprio vazio

bastou uma picada
fluiu caos nas veias do relógio
sangrou abismo aos olhos do espelho

tô doente do que desconheço
cabeça leve 
igual poluição

segunda-feira, 1 de abril de 2024

EU SOU A MELHOR PESSOA PARA MIM

meu cérebro é meu melhor amigo
aprende vivendo aquilo que sinto

meu coração é companheiro
pulsa o dia inteiro
para eu poder melhorar
com meus erros

o jeito seco alheio
eu lubrifico com o suor dos olhos
é com os cacos dos meus sentimentos
que eu me reforço

minhas pernas andam
minhas andanças
meus braços me equilibram
na corda bamba

a espinha mantém a linha
sobre onde eu me escrevo
minha língua seus temperos
a gente eu saboreio

a pele querida
virando pó todo dia
escondendo o esqueleto
que dança e rebola
avança e vai embora
quando acaba o respeito

consciência parceira
deixa eu ver a vida em tela cheia
mesmo que muitas vezes feia
transborda do copo sua beleza

eu digo sim
eu sou a melhor pessoa para mim
só eu estarei comigo até o fim
só se pode amar amando a sí
e é por isso que eu ando por aí
de mãos dadas com meus pedaços
buscando no meu tempo o meu espaço

quarta-feira, 27 de março de 2024

MESMO NA ANSIEDADE

parceira inseparável
tira meu ar pra respirar o dela
exposta alma até às costelas
corrente enferrujada na minha mente
eu lubrifico com algo
que me deixe inconsciente

a gente não se entende
papo de muitas ideias
desconexas
pensamentos invasivos
eu não sei como tô vivo
se eu sinto
que minha vida não é minha

mas meu corpo ainda caminha
rumo à direção desconhecida
se soubessem a guerra interna
me davam medalhas e honrarias

peito batuca arritmia
dia após dia todo dia
minha amiga inimiga ansiedade
trouxe lembranças que quero esquecer
trouxe entulhos que não quero ter
trouxe todos os erros
que tive de cometer
um chá, ligo a TV
barulho de fundo para entreter
as paredes e o meu ser
já não tão presente

respiro fundo (é o que restou)
eu ainda luto neste absurdo
sou o cúmulo; no meio do tumúlto
boto um sorriso no rosto
e se hoje não conseguimos
amanhã a gente tenta de novo.

segunda-feira, 25 de março de 2024

NA SOLITÁRIA (EU NÃO PRECISO DE NÓS)

fecho a janela para que não olhem dentro da minha casa
pra que não vejam o que tem dentro da minha casca
fecho a porta guardo as asas
dou meu peito para as traças

eu não preciso de ninguém
eu já sou alguém
que não precisa de ninguém
pois eu já fui refém
de precisar de alguém
e eu não preciso de ninguém
nem vem com esse "meu bem"
não comece se não for pra ir além

a gente tinha química
mas ela era física
não sei se isso explica
minha alma evasíva
o seu cheiro que me habita
me envenena me excita
me assombra me irrita
cê é o passado que limita
o futuro da minha vida
a teimosia da ferida
a brisa das minhas brisas
a fúria das minhas brigas
a corrente da minha cina
o silêncio da campainha
o motivo de todas as minhas 
vozes serem cínicas

já amei muita farsa
perdi de vista minha vista vasta
por isso me entrego ao meu nada
não há janelas na solitária

tampo as frestas, não dou mais trela
é só balela essa idéia
que a sua presença (ou parte dela) me completa
eu sou completo 
eu tô repleto de donzelas
de ferro

eu não preciso de você
(não mais)
eu não preciso de você
(jamais)
eu não preciso de você
(capaz)
eu não preciso de nós

sábado, 23 de março de 2024

NA FILA DO POSTO

tô suando tô morrendo tô pingando tô esperando
tô contando quanta gente tem na minha frente
quanta emergência aparece de repente
um louco convulcionando
por pouco
de doido não vira morto
o outro se tremendo todo
todo torto 
segurando o telefone
dizendo pra filha
o tamanho da fila
e que agora piorou
é horário de almoço.

meu número não é chamado
o corredor tá vomitado
o banheiro tá todo cagado
um senhor orando desesperado
não é possível
os anjos estão atrasados
a menina chorando o estômago apertado
a impaciência febril de quem não foi vacinado
"a culpa não é nossa" 
diz a enfermeira com o rosto suado
"é muita gente pra pouco contratado"

o médico que me atende, visivelmente, tá nervoso
não olha no meu rosto
o mal exposto
o corpo ardendo como fogo
eu sou só um número
depois de mim tem outro

uma receita, um minuto e pouco
saio do posto
sigo em frente
rezando como sempre
pra não precisar pisar lá de novo
 

quinta-feira, 21 de março de 2024

INFECTADO

eu tô suando
tô suando
tô morrendo

não sei se é dengue
ou coração partido
não sei se é febre
se é ódio
se foi tudo o que eu disse
eu não mereço
e o que eu mereço
quem decide?

tô pingando tô criando
tô me desfazendo em prantos
pintando panos
com a cor dos meus ossos

eu não sei porque ficamos
não sei pra onde vamos
eu tô suando 
tô suando
termômetro no ânus

não ria
a vida é séria
tudo é sério
tá tudo o tempo inteiro te cobrando

soro na veia rachada
convulsões que dançam
vômitos de amor

eu não te espero 
esperar é luxo 
pra quem tem pouca calma
e um redemoinho no bucho

doente, eu tô doente de vida
é muita vida e pouca vida
eu tô vivo, tô queimando
estado febril tremendo 
em todos os cantos.

quinta-feira, 7 de março de 2024

VIELAS SECRETAS

tô me assistindo no repeat
são sempre os mesmos anúncios
armadilha feliz fazendo barulho no mudo
algo em mim morreu e eu não fiquei de luto.

meus bolsos ficam vazios
tô mais leve pra fugir
desse tempo que restou para mim
é por isso que o copo tá cheio de novo
é por isso que o copo eu seco de novo
tranfiro a culpa pro pensamento oco
esquece, já era, tô louco

tô me assistindo no repeat
não se preocupe, quero decorar meu script
o papel que eu faço na minha história
deixa eu ver até onde vão os limites
antes que meu agora vire memória

e vem o sussurro de novo
é por isso que o copo eu quebro de novo
é por isso que eu não tenho mais troco
gastei tudo nas vielas secretas
pra não cair na boca do povo.

sábado, 2 de março de 2024

CORRENDO

sempre correndo pro abraço
de laços líquidos e pés descalços
sujando as solas
com um pouco da Terra
e o resto de tudo.

você me diz que estou aqui
na hora certa pra te fazer sorrir
e lá você está
na ponta da minha caneta
ou
na ponta dos meus dedos
virando alguma arte que faça parte
da minha bagunça.

hoje eu bati no ritmo
tava deslizando no fluxo contínuo
empírico espírito
aprendendo a quebrar o ciclo
sou um animal de circo sem rabo
me equilibrando entre a incerteza do futuro
e as cicatrizes do passado.

um dia é muito curto para nós,
meu bem,
se eu precisar dizer o que sinto.

sempre correndo
meus passos são falhos
mas nunca desesperados
sujando as solas
com o que restou do espaço.

você me diz que queria estar aqui
mas hoje reservei minha vida para mim.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

TUDO BEM, EU SUPERO

já superei
as toneladas que botei
em meus ombros.

seguindo morro acima
arrastando meus erros
engatinhando no limite 
dos joelhos e cotovelos 
mas sempre adiante
sempre seguindo
a direção do tempo

vou ficar bem
não tenho outra escolha
o que quer que eu faça
tudo passa
tudo passará

sim, a chuva vem quando ela quer
e as mesas são postas para dentro
e os encontros falecem para amanhã
e simplesmente parece
que o resto dos dias
será sempre borrado de cinza

mas o sol continua solando
por mais grossas que sejam as nuvens
e o mundo continuará girando
mesmo que todos os relógios parem
e eu, como criança de tudo
vivo meu rumo
superando
até a mim mesmo.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

RESISTÊNCIA COMPLEXA

tatuo minhas resistências 
e pertinências
com a indecência da vida

sou de fato minha crença
divino eu sagrado
ao amparo de mim

já sobrevivi meus maiores saltos
e levantei nas minhas piores quedas
porque meu peito tem pressa
de bater sangue nas veias
enquanto ainda há pulso

no silêncio das noites de barulho
eu me escuto
numa voz doce dizendo a brisa amarga

eu já briguei muito com o espelho
sussurrou nos meus ouvidos
cacos inseguros de vidro

reflito e me demito
dessa obrigação de me encaixar
onde tenho que me apertar

eu livre
batendo asa na cara do acaso
pois veja só
já voei todos os meus infernos até agora
queimando algumas penas
mas sempre em frente
como há de ser.

SEM TÍTULO ALGUM

tss! 
é a hora da lata
abre a cabeça arrota a memória
limpar com alcool pra esquecer
carimbado nos olhos mas difícil de ver

ei, eu sei
já vi apuros abrubtos pedirem absurdos
pro resgate 
aquilo que parte faz parte
fez parte
saber perder também é uma arte

eu me perco no meu mundo
no escuro me tateio
no obscuro te anseio
nu maiúsculo em desvaneio
cospe nada que vira a catraca
a coluna estrala
ossos velhos
cabeça cansada
crânio racha desespero

tss!
tô quase na última
e eu nem sei o que sinto
se é fome, se eu minto
se é falta de me usar contigo 
ou se é ódio reprimido

ei, eu tô ligado
mil anos pra ficar largado
selar no silêncio o pacto
um sorriso farto 
de encher o saco
ah! sou cria do acaso
é só rascunho nos meus traços
só me vesti pra ficar pelado
com alguém
que não seja tão eu.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

SECO

eu tenho um problema

queria chorar por nós
mas tô tão seco da ressaca
que não cai uma lágrima.

é, eu tenho um problema

quero homenagear
toda gente que amei
que eu fiz me odiar.

eu tenho um problema

que eu tento resolver sozinho
que eu tento resolver e não consigo
fica eu e meus demônios comigo
inventando brindes
atuando sorrisos.

eu sonhei com você.
sua cabeça encostando no meu ombro.
foi aí que acordei
não é raiva que sinto
(é saudade).

se você fosse a primeira
que eu expulsei da minha vida
eu transferia sua falta pra bebida
mas eu tenho um problema
não sei andar meus passos sem minha muleta.

é, eu tenho um problema
quando tô em mim
não consigo me ver de cima.

eu
quero que você insista
eu
quero que você não desista
eu
quero você à vista
mas
só comprei brigas e distância
é
tenho uma voz que cisma
em gritar com a minha esperança.
aí fico chapado nessa dança
pisando o tempo inteiro
no pé do próprio tempo.

eu tenho um problema

queria ter paciência comigo
mas fui eu que não tive contigo.

aí eu sonho com a gente
com o que podia ser
se fosse eu quem controlasse minha mente.

mas eu tenho um problema
tenho vários problemas.
e  meu copo tá seco.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

CLUBE DA FUGA

vai, dá uma risada
bem trouxa e abobalhada
pro nada que te encara
como se fosse espelho.

na dança rasa das avenidas
a gente afoga as feridas
só pra não perder o ar
um no outro.

joga o salva vidas, seu Zé!
joga e dá no pé!
seu corote é de boa fé
bafora pra ficar lelé!

no clube da fuga
a vida é miúda
não exige luta
e tudo nunca muda

no clube da fuga
todo mundo é pulga
a gente se pula
pra nunca mais.

joga o salva vidas, seu Zé!
joga e se esquece
numa vala qualquer.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

SÓ DAR O SINAL

me mostre mais sua pele
e o que há debaixo dessa roupa.
me mostre o que suas paredes
sabem,
o seu tom de voz em êxtase.

hoje queria suar contigo.
queria arfar e gemer e gritar.
marcar sua bunda
dar tapa na cara
xingar e repetir. 
te chuparia todos os pelos.
te sorriria, um dentro do outro
um lambendo o outro
um corpo pro outro
como se fosse a última vez.

só dar o sinal
que a gente foge desse povo chato
dessa noite chata
desse vazio cheio de nada.

me mostre mais sua pele
e seus buracos.
me mostre suas falhas;
quero me esfregar nelas
até que a gente esqueça
que somos perfeitamente
imperfeitos.
que temos contas
que muita gente é contra
que nossa felicidade 
para alguns é uma afronta.

é, até que a gente se esqueça.
até que as horas e os minutos sumam.
até que o sol venha nos espiar.

só dar o sinal.
eu espero
mordendo meus lábios.

LARGANDO O QUE NÃO SOMA

olha, foi uma honra
participar dos nossos erros.
mas é que a vida confronta
até aqueles que estão parados.
e eu não quero ficar parado
discutindo certo e errado
perdendo tempo com o que não soma.

meu relógio tem voltas finitas
e as últimas eu vou perder de vista.
então não insista;
minhas asas tão coçando pra voar
mesmo que eu voe direto pro muro.

eu também poderia provar algo
pra todo mundo.
mas veja só: ninguém leva medalhas
pro túmulo.
então que digam
aquilo que sou e que não sou.
a gente fala demais e
o silêncio é absoluto.

no mais, você sabe meu endereço:
planeta Terra
zona leste da Via-Láctea. 

SORRIR É UM ATO DE REVOLTA

ah se vão te cobrir os sonhos!
você mesmo vai se botar pra baixo
de vez em quando.
se sofrer é inevitável
sorrir é um ato de revolta.
manter o sorriso é vitória.

a gente sabe calcular 
a massa das estrelas
mas não sabemos
medir nossas palavras
ou a distância entre nossas almas.

já dissemos facadas e burrices.
escutamos ultraviolência.
perdemos alguns pedaços
no xadrez da morte.
e a gente tem que se virar
com nossas cartas marcadas.
olhar pra trás é ainda ver
a estrada em chamas.

quantas tolices 
meus copos aguentaram?
só sei que passamos 
por aquilo
que não nos destruiu
(e olha que tentaram).

ah, se vão te desacreditar!
você mesmo pode não confiar
nos próprios pés e na própria
ambição.
é difícil e absurdo.
maçante e infinito.
é por isso que repito
mantenha esse sorriso;
sorrir é um ato de revolta. 

PROCESSO CRIATIVO

comecei pela caipirinha
e a primeira não funcionou
então tentei a segunda
e a terceira.

escrevi alguma coisa sobre
não saber se a minha chatice
e meu nojo pelas coisas que eu amava antes
eram sinais de sabedoria e iluminação
ou apenas velhice.

o poema ficou muito comprido
para vendê-lo na rua.
as pessoas não têm tempo pra poesia.
ela precisa ser tão rápida
e digerível
quanto seus relacionamentos.

a caipirinha fez efeito e eu fui pra cama
às 4 da tarde
rezando para que eu não perdesse
a noite inteira
sonhando com meu passado.

acordei às 7 da noite.
comprei um chocolate em pó
e esquentei leite no microondas.
aqui eu já havia desistido
de ser o artista autodestrutivo,
o rebelde alcoolatra,
o periquito sem asa.

queria apenas pão com manteiga
e chocolate quente
e as minhas gatinhas
dilacerando baratas.

sentei minha bunda na cadeira
e maltratei o teclado
até que saísse alguma coisa
da gente.

sábado, 6 de janeiro de 2024

NADA NOVO

não é porque o mundo
girou noutras pessoas
e dançou balé oval pro sol
que automaticamente
e imediatamente
tornei-me alguém melhor.

ou pior;
ganhei uma nova chance.

chances novas eu tive
todos os dias
e todos os minutos
e não só
na volta arbitrária da Terra.

não vou ficar de promessinha
dizendo que vou experimentar
novos sabores da gente.

nada novo.

continuo sujo
sobrevivendo nos macetes
assim como a sujeira
que varri pra debaixo dos tapetes.

se pareço ranzinza
enquanto todos têm esperança
saiba que eu 
meti minha esperança no rabo
e saltei foguetes pelo abismo.