segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

VIVER AO ACASO

tenho passado por mudanças.
aprendi qual é a dança 
que os rios fazem
para nunca se repetirem. 

encaro o absurdo deste mundo
com os olhos semi-abertos.
dando dois cortes na insanidade
pra manter meu juízo por perto.
veja só:
não me sinto só
quando escolho à mim.
sou meu começo e fim.
e quando digo sim
pro que está por vir
eu visto as cores da vida
e inalo uma alegria
tão caótica 
tão bonita. 

tenho passado por mudanças
e o que mudou
foi ter abraçado a criança 
que em mim tanto chorou
por uma chance de brincar
nas linhas tortas do azar
e transformar
as lições em sorte.
dar um beijo na fortuna;
"faça o que tu queres". 

encaro toda realidade
carregando minhas verdades
acopláveis
ao que aprendo
pelo caminho
que todo dia eu sigo
(e ei de seguir). 

deixo de lado as vaidades
de um ego que nada sabe
para entender
que faço parte
do viver ao acaso.
e só o que posso fazer
é respeitar 
você. 

veja só:
se é tão normal
fazer tudo igual
me chame de louco.
pego minha própria companhia
e conquisto o meu mundo
mudando à cada segundo
sendo meu eu em tudo. 

veja só:
não me sinto só
quando danço com os rios
que nunca se repetem.
e mesmo que eu repita
assim segue a vida
tão caótica e
tão bonita.

sábado, 24 de dezembro de 2022

FORÇA

FORÇA 

guerreira que aguentou
a vida e seus pesares.
entenda que eu sou
um poço de gratidão
por você ter me dado a mão 
e me ensinado o caminho 
pra ser hoje o que eu sou
mesmo no escuro
do desconhecido. 

guerreira a sua força
carregou mais de uma vida
nos braços carinhosos
por caminhos tortuosos
sem perder a fé.
remando contra a maré.
hoje me diz que sou grande.
não, você que é. 

guerreira absoluta
quero aplaudir 
a sua luta.
conquistou o nosso espaço 
pra florescermos de fato
regados de amor.
sua terra é calorosa
acolhedora.
seu ninho é protegido
por este sentimento lindo
refletido na natureza. 

o que seria de mim sem você?
seria uma fantasia, um desvaneio
algo planejado que não veio.
mas veja só como eu vim!
carrego em mim
os seus conselhos
e tudo o que me nutriu. 

guerreira agora me escute
baixe suas armas
deixe que eu lute.
você me ensinou bem.
as paredes do meu forte
são tão concretas
quanto sua força. 

pode descansar
que estou pronto pra voar.
pode descansar
porque já sei me virar.
é preciso navegar
e todos esses mares desbravar.
peço sua benção 
alguns minutos
antes de viajar
para ser o que você
me preprarou pra ser. 

guerreira
te amo.
eu ligo
quando chegar. 

guerreira
não se preocupe.
tá tudo certo.
tô pronto pra ir além.
não precisa chorar. 

vou ficar bem.


NA BEIRA

esses contos que nos contam
nossa trajetória e montam
o mosaico da gente
cacos por cacos.
nossa história em linhas tortas 
facilitada hoje no riso
das lembranças
num encontro
tão casual quanto a vida. 

é, foram tantos anos.
é, aos trancos e barrancos.
a gente perdurou de mãos dadas.
ficamos à beira do precipício 
encarando o que é difícil.
se você pular eu pulo.
se você for eu vou junto.
essa é minha promessa:
brindar contigo 
o tempo que nos resta.
com você é uma festa
e o que me interessa
é ver você feliz. 

são nesses contos que apontam
nossas variedades
que eu entendo que sou parte
de uma coisa chamada "nós".
essa nota infinita
que nos une pelo espaço 
e o tempo que eu gasto contigo
eu espero que demore
a eternidade pra passar. 

é no abraço de um amigo
que alcançamos
o divino.
e o que eu sinto
é diluído
nesse abrigo
só da gente. 

obrigado por ser 
quem você é.
só sou inteiro
porque você faz parte
do meu melhor. 

de mãos dadas
na beira
prontos pra próxima aventura.
o que nos espera que se prepare.
somos imbatíveis juntos. 

e sim, eu te juro: 

se você pular eu pulo.


quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

DIVINA ROTINA

eu vi alguns milagres
no canto da calçada.
minha vista estava suja
acizentada e apressada.
mas mesmo assim eu vi a vida
simples como esboço
sem esforço
uma arte ignorada. 

e tive de continuar 
com passos enlatados.
os corres mais cobrados
são tão mal pagos
que eu me acho
bebendo numa terça 
num buteco de segunda
com gente de primeira
delirando suas últimas. 

e ainda assim
me vejo numa busca
incessantemente brusca.
todos os tropeços 
fins e recomeços 
pra quê?
ah sim, pra quê? 

e num disparo despreparado
eu insisto numa história 
sem fim e nem começo.
busco num espelho
fragmentado
um lugar onde me reconheço. 

e quando encontro meus pedaços 
reunidos e rasurados
eu entendo, minha vida é
divina rotina. 

cada minuto é milagre.
cada detalhe é o que nos talha.
sou o conjunto dos meus erros.
vou botar na minha mochila
tudo aquilo que significa
um pouco da minha imensidão. 

e vou sair viajando
por cima dos planos 
que a ignorância fez pra mim
só para no final dizer "sim"
quando me perguntarem
se vale a pena
existir. 

eu vi alguns milagres.
fiz parte de uns milagres.
nós somos um milagre.
que o caos nos ampare.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

SEGUINDO A VIDA

é difícil seguir a vida depois disso.
seu amor parece pó
me deixou acordado a noite inteira.
tudo passa tão rápido
que dá vontade de vomitar. 

quero isso quero aquilo
a barriga da alma é infinita.
quero tudo
mesmo que não caiba nas mãos. 

não dá para entrar no trem
com todo esse peso.
acho que hoje vamos nos atrasar. 

ligando ou não ligando
eu espero uma resposta
tomando banho na insanidade
e engolindo champanhe barato.
esfrego minha pele
até ver meus ossos.
por que ainda sinto seu cheiro? 

é difícil seguir a vida depois disso.
tenho só um rolo de papel higiênico 
e todas as minhas roupas estão sujas.
espero que você goste do meu pior. 

quero isso quero aquilo.
se você for sumir
deixa eu te ajudar.
me dê seu maior pedaço 
e um guardanapo
caso eu suje minha boca. 

é, talvez eu ligue um pouco.
pra que fingir indiferença
se é diferente 
quando estamos sós?
melhor nem pensar nisso. 

hoje eu quero ser idiota.
depois disso só resta
seguir com a vida
portando um parafuso à menos.
(por que deixei que entrasse 
na minha cabeça?).

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

VOCÊ NÃO SABE MINHA FORÇA

para eu estar aqui
com todos os meus átomos
vibrando o som 
até suas orelhas
você não sabe quantas olheiras
tive de maquiar.
 
para evitar o desassosego
eu me esqueço
de afundar.
como um cão sem dono que late
pra sorte
deixar os ossos do cotidiano
na minha boca.

para respirar meus ares
e cantar minhas versões
no chuveiro
eu precisei sobreviver
ao que não pude.
e quando morri, ressucitei
só pra fazer chorar
quem riu
quando me apaguei.

você não sabe minha força.
minha simpatia é a luta
é a arte da defesa
meu grito de guerra.
essa é minha estratégia
o otimismo que tem pressa
de ver 
um novo dia raiar.

muita cicatriz embaixo da pele
conta minha história
e como perdurei à ela
num lugar escondido e intocável
tem o mapa da trajetória
as marcas da derrota
que indicam
o xis da vitória.

para eu estar aqui
com todo o tempo-espaço que existi
tive de ser sempre mais.
você sabe a sua força.

SOMOS MAIS QUE NOSSAS ROTINAS

a manhã acordou cotidiana
cinzeiro cheio logo cedo
as cinzas foram pro céu
e pras ruas.
às vezes sinto aquela dúvida
de quem se cansa:
é preciso existir hoje?

mas as contas preparam 
os chicotes.
os donos da luz preparam
os cortes.
é minha sorte dar um gole
nesse café alegre.

o relógio que me leve
hoje quero um dia leve.
o peso nas costas eu rolo
colina acima toda hora.
preciso fazer greve.
é preciso fazer greve.
a situação é grave
minha mente tá uma bomba.

mas aí a gente se encontra
e as dores viram memória.
um brinde desconexo
o doce amargo da vitória.
um sorriso simples
que faz cafuné na alma.
somos mais que nossas rotinas.

dormiremos bem esta noite.
amém.

sábado, 19 de novembro de 2022

LIXO COMUM

posso ser um lixo reciclável
uma garrafa de vidro
que armazena alegrias
mas que vira uma arma
quando quebra.

posso ser o plástico
e manter seu infinito.
ser quantos produtos eu quiser.
retornar à quem me quer.

mas talvez eu seja
lixo comum.
apenas um.
um troço que existe.
algo que produziram.
algo que descartaram.

algo.

chamo comigo meus hábitos tristes
e chamo além disso
um pouco de você
nas minhas lembranças
e tudo do pouco
que você fez de mim
quando me descartou
por inteiro.

não me sinto pior.
ainda tenho o mesmo tamanho.
um grão de areia
no universo.

CANSADO E DE SACO CHEIO

meu corpo carrega o mundo
e o mundo me carrega por aí
não sei se servi
pro que me pediram
eu quase nunca sei.

ontem exagerei na bebida
mas não foi o necessário.
foi desespero descompassado
um jeito de ficar aliviado
tamanha inconsistência
dos dias repetidos
das tarefas repetidas
dos erros repentinos.
tô sem tempo
porque vendi meu tempo
para aproveitar o futuro
que já devia ter chegado.
eu fico cativo
tentando comprar minha liberdade
com as migalhas do contrato.
de fato, o fogo interno exausto
queima um cigarro
sempre que possível.

insatisfação.

meu ser conhece a depreciação
uma dívida de cada vez.
crédito por aproximação.
estou devendo
mesmo sendo
meu melhor
no momento.

tô cansado e de saco cheio.
e se você também está
venha me visitar.
eu moro sozinho
com meus vizinhos.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

PERDI O INTERESSE

odeio ter que me entender.
mas só pra ver onde é que dá
os caminhos que me foram empurrados
eu sigo abrindo a janela
todas as manhãs.
o mesmo quadro em branco
perdendo valor no leilão do tempo.

não quero novas amizades
porque já entendi com as velhas
o que acontece quando há
conflito de interesses.

não quero amar mais nada
porque vai ser duro
me despedir do que já amo.

perdi o interesse em você.
muita ladainha.
engane-se o quanto quiser.
tô no limite do engano.
tô vacinado de encanto.
por enquanto eu vou procurando
não sei o quê
não sei onde.

parei de tomar café
para não sentir ansiedade
e agora eu sinto nada
e o nada é a pior doença.
a indiferença fingindo indiferença
quando tudo vira ofensa
e a cabeça já não pensa
ela pulsa tritura desfigura
até a inocência
de um animal.

sim, eu perdi o interesse. 
nenhum fio me segura.
tive que cortar os laços
com a lâmina cega do absurdo.
queimar seu nome 
escrito num pedaço de papel
pra ver se esqueço
de pensar em você.

perdi o interesse em mim
nas histórias
na cerveja
nas ruas do meu bairro.
esse Jardim São Pedro tá seco.
meus galhos áridos
magros e ingratos
balançam numa terça cinza.
nunca mais foi verão pra mim.

terça-feira, 18 de outubro de 2022

FÉRIAS (TÔ CANSADO DE PENSAR)

Por que você não consegue ver
que eu só quero férias de você
e do mundo inteiro?
eu penso em ser fantasma
e atravessar as paredes
e puxar os pés dos problemas
enquanto eles dormem.

é que não me conformo
fico louco com a insanidade
do lado de fora.
toda hora
busco alguma melhora
dentro dos ecos do meu corpo.

gasto energia forçando sorriso
quando eu queria era mesmo
chorar e explodir.
um sol que me faça rir,
por favor.
algo que me faça esquecer
que se ferir é inevitável.

eu quero férias de mim.
esquecer que ainda existo
pra existir num entorpecente qualquer.
estou mentindo muito pra tudo.
minto e as mentiras
travam suas miras
no fundo da minha vida.
esperam a ordem maior
para puxarem o gatilho.

eu quero férias da minha cabeça.
um tempo da consciência.
um espaço pra inocência
do ato de sonhar.
é, eu tô cansado de pensar
escravo da ditadura do limitar.
quero fazer
apenas porque quis.
e que ser feliz
seja um ato de revolta.

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

CAMINHANDO PELAS RUAS

é impossível ser feliz na cidade
sem cobrir os olhos
e tapar os ouvidos.
dando resposta
a quem pergunta
de mãos estendidas
expondo feridas
sem moeda alguma.

é impossível ser feliz na cidade
se importando.
é por isso que tantos
estão se exportando.
tão cagando pra quem tá ganhando
votos comprados
com poucos trocados
que ficam nos mercados
de caixas estufados
e carrinhos vazios.

caminhando pelas ruas
eu vejo os picos lotados.
queria a mente vazia
mas hoje vou enchê-la de brisa
porque o goró tá mais barato
na esquina da desesperança.
gastando litros
em busca da liberdade
pagando fiança.
meu cárcere é privado
ninguém é bem-vindo
na minha ignorância.

tem muito de mim que não posso vender.
mas o que posso eu troco
por mais tempo pra beber
entorpecer e fugir.
me pediram ajuda
eu ofereci um copo de fuga.
sumiu pra próxima luta.
essa guerra nunca acaba.
você contra seus demônios
e os demônios dos outros
que saem de vez em quando
para arruaçar seus entretantos.
somos apenas humanos
que sabem que sabem
mas não sabem tanto.
pensamentos de má qualidade
aflorando inutilidade.
a bondade e a maldade
passando fome no semáforo.

é impossível ser feliz na cidade
e você pode correr pro campo
mas nunca de você mesmo.
o que você aprendeu
caminhando pelas ruas?

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

SONHO DE DESPEDIDA

não sei quanto de nós permanece naquilo que temos. tenho sentido uma saudade distante de algo que não lembro. imagino se neste cobertor usado, esquecido num brechó de bairro, restam os desejos de seu antigo dono. suas insônias, suas lágrimas, suas histórias. talvez reste até a própria morte, grudada entre as costuras, criando ainda mais peso num manto já relativamente pesado. a máquina de lavar quase não aguenta. a água escura que sai de seus canos parece carregar a tinta de um livro inacabado. e apesar do trabalho, do ótimo estado da peça, fico receoso em usá-lo. 

mas hoje o tempo esfria absurdamente. um dia inteiro de garoa fina, insistente. um dia de chá, livro e ausência de cores. e quando a tarde acaba, o vento afia suas lâminas para cortar os rostos noturnos. para piorar, estou com o que parece ser uma gripe extraordinária, volátil, que me faz ser apenas um rascunho do que já fui. e agora que se instala os calafrios, e os lençóis finos já não me aquecem o suficiente, retiro o cobertor usado do meu guarda roupa. com minhas dores musculares, a peça ganha o dobro do peso. 

demoro a pegar no sono. o nariz entupido me força a respirar pela garganta inflamada. a febre é hostil. os pés congelam. mas o abajur começa a distanciar-se. o barulho do boteco da esquina evapora com o sussurrar das nuvens. fico leve. o corpo oco como uma flauta de ossos. ou uma gaveta vazia. fria. como o mês de janeiro em Monterreal. fria, como as mãos de minha esposa e as palavras do doutor. "hicimos lo mejor".

grito e amaldiçoo. meu corpo inteiro se enfurece. um vulcão expelindo lava e fumaça, explodindo com uma brutalidade animalesca. o suor de ódio encharca minha camisa por baixo do moletom e quase tudo vira uma névoa desesperada. mas minha esposa me aquieta e me acolhe, não me acompanha no lamento. vê-la e observá-la, mesmo que nesta situação, é como amanhecer num campo de margaridas. há uma paz no fundo abismal de seus olhos escuros. logo minha raiva se cala. torna-se algo mais triste, uma despedida.

volto a segurar suas mãos. as minhas, enormes, contrastam com os dedos frágeis, a magreza doente do meu amor. seus cabelos negros e compridos perderam o brilho. seu rosto, antes cheio de vida, agora refletia o inverno, uma árvore seca e sem folhas. com um esforço, a voz escala o peito até os lábios rachados, e num brilho, como se o sol daquele poente nascesse em minha esposa, ela me diz:

"acompáñame, este mundo ya no es tuyo".

amanhece em meu quarto, a luz se estreita pela veneziana de madeira. minha febre se foi, como se ontem não tivesse existido. olho para minhas mãos pequenas, esperançosas. sinto uma vontade inexplicável de gente, de amar, de encontrar a beleza na nossa imperfeição. é como se eu tivesse matado uma saudade, descansasse uma memória agridoce.

retiro o cobertor usado de cima do meu corpo. está leve e macio. parece o manto dos anjos, o riso despreocupado de uma criança. ele flutua em seda e descansa amassado na beirada da cama. então caminho rejuvenescido até o banheiro, como se desse novamente meus primeiros passos.

terça-feira, 6 de setembro de 2022

SOBRE JOGAR TUDO PRO ALTO

joguei tudo pro alto.
perdi muito.
apostei tudo.

ganhei-me.

caminho pelo cotidiano
sorrindo a poeira
de ter ficado
tanto tempo
trancado nos meus medos.

agora sinto o sabor
da orgia entre a vida
e o tempo.
o suco de dois conceitos
me aparam pelo resto dos dias.

eu
sou
o acaso.

tornei-me
a soma das minhas escolhas.
e vendo a liberdade no espelho
no vidro nítido dos meus olhos
acredito que
acertei em cheio.

assim me despreocupo
de precisar ser
o que não sou.
assim me desacorrento
das tarefas inúteis
porque agora tudo é útil
tudo me faz.

meu túmulo terá orgulho de mim.

o que joguei pro alto
agora voa livre pelo vento.
e
de certa forma
eu também.

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

ESPANHOL

observava a tinta da parede
envelhecer junto aos meus sonhos
quando um homem passou
do lado de fora
falando em espanhol.
não vi seu rosto
sua alma
sua bunda.
só sua língua enrolada
falando "pero sí, pero no".
a porta da sala ocultou
sua figura 
agora tão misteriosa
quanto a própria morte
ou o amor pelas coisas.

é provável que nunca saberei
o que este homem
fazia aqui nas margens
da cidade.
é provável que ele nunca leia
meus poemas
e muito menos este daqui.

ele seguirá falando
mentiras em espanhol
sem saber que escutei
parte delas.
e eu
continuarei sóbrio
até a próxima rodada.

TE USARAM DE NOVO

usaram seu tempo
a areia da pele
o afeto das palavras.

te usaram de novo.

você diz
"sentimento bobo.
eu só me fodo.
eu vou passar é o rodo
no mundo todo
pra ver se encontro
de mim um pouco
o fogo 
que quase se apagou
em braços mentirosos".

te comeram e te cuspiram.
vomitaram desperdícios
confianças de amigos.
sobrou o gosto do reciclado.
os cacos do coração quebrado
rasgando invisíveis os lábios
chorando fartos
de tanto fardo
tão cansados
de serem usados.

te deixaram no lixo
mas não foi ali
que te encontraram.
o lixo é a casa no campo
a casca da traça.
nasça mariposa e
busque sua luz.

um dia vão te reconhecer.
reconhecimento é a cola
de um relacionamento.
passe a cola em você.

e não se esqueça
da próxima vez
de mostrar suas etiquetas.

AQUI FORA

basta sair
de dentro de si.
agora podemos.

aqui fora é perfeito
do jeito que dá pra ser.
o único jeito é agora.

aqui fora eu tenho tempo.
um segundo
quase infinito.
isso me lembra amor.
você já se amou hoje?

o carcereiro da mente
nos alimenta com problemas.
nunca toquei num problema
que não fosse a pele
de outro alguém.
o carcereiro imaginário 
oferece apenas ilusões.
o petisco predileto
dos ansiosos.

no alvoroço mental
as nuvens cortam pulsações.
pior tempestade.

você quer fugir.
é preciso coragem.
é preciso compaixão.
uma pitada de leveza
e um pouco de sorte.
então basta sair.
não há muros na alma.
não há grades no agora.

o universo é nosso parque.

preencha-se de existência.

ALUNOS DA NOITE

a noite permite
o que é proibido de dia.
chega de proibir-me;
vestirei minha sombra.

a madrugada conduz a aula.
somos todos alunos.
nossas línguas nacionais
se comunicam ao toque
na rua Peixoto Gomide.

minha imperfeição veste preto
sangra vermelho
dança o rolê inteiro.
estou melhor que ontem
sedento por hoje.

faço um corre de Corotes
ervas finas
finos com erva.
onde já esteve a sobriedade
resta apenas barulho
um bagulho que sorri pro poste.

estudo meus desejos. 
escuto sem freios
canções noturnas
rabas de neón
e uma insanidade devassa
que leva a massa
de um lugar
a lugar algum.

encontre-me num banheiro sujo.
vamos aprender a amar
enquanto nos esperam na fila.

a alvorada ensina:
uma noite à mais
é tudo o que precisamos.

venha anoitecer comigo.

EXPONDO UMAS VERDADES

chega de segredos
(diz a cerveja).

hoje soltarei umas verdades.

basta mais uns tragos
e um tanto de coragem
e um pouco de burrice.

é irreal o que sinto
porque só é real
se descobrirem.
tampo feridas internas
com nicotina.

alguém poderia usar 
os ouvidos comigo
pra variar.
lábios não escutam bem
e o seus 
gostam de interromper.
da próxima vez vou mordê-los.

tô expondo umas verdades
no meio da rua
fugindo do rapa
e da falsidade.
meus pesares são originais.
tem até etiqueta.
compre um pra dar de presente
à sua fé.
só não venha tirar a minha
porque antes de olhar pra cima
eu tenho que olhar pra dentro.
coisa que pouco "santo" faz.
se fez eu não vi
sou novo demais.

agora chega de verdades.
quero uma porção de amigos
e uma garrafa gelada.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

RESPIRE FUNDO

você não veio só pra sofrer
embora sofrer faça parte.
é o desgaste
a arte de se montar
todos os dias
juntar os cacos e ralar.

respire fundo.

você só tem o agora
pra se colocar
do lado de fora
da sua cabeça.
se esqueça por um momento
esqueça o pensamento
despesa pressa invento.

o trem não vê
a gente suando.
perdeu viagem.
sacanagem.

respire fundo.

podia ser pior
e algumas vezes vai ser
e outras vezes nem tanto.
você sorrirá estrelas
em dias de sorte
e derramará 
lágrimas poluídas 
em horas urbanas.
acorde.
você tem todo o tempo
que tem 
para ser alguém
mais forte.
mas se fraquejar
tá tudo bem.
não se cobre tanto também.
deixe isso com os bancos.
só respire fundo
e não passe pela vida 
em branco.

COTIDIANO EM CALMA

eu pego o trem lotado
pra ser esmagado
pelo horário
de pico.

eu chego atrasado,
levando bronca no trabalho
no meu caso não é descaso
é cansaço.

mas eu sei que um dia
serei rei da minha vida
e a natureza a rainha
que provê.

e rezarei que você também
vá muito mais além
da ganância de outro alguém
que nem liga.

todo dia eu batalho
pra não perder a guerra
só se perde quando se entrega
e eu sei que é falho
mas tenha calma, não desespera
vamos entrar em nova era.

deixa a vida levar
o peso que não dá pra carregar
com os braços ocupados
de fardos desnecessários
viver é o passo primário
o mais difícil a ser dado
mas depois é caminhada
leveza na alma
cotidiano em calma.

UM BOM PLANO

ei 
ninguém está sozinho
quando a questão é
não saber o caminho.
são tantas decisões
que nos perdemos nos destinos.

acendo fósforo no escuro
pra ver se me encontro.
rabisco metas indecentes
com aquele corpo
aquele sorriso.

eu só me vejo quando
a vista tá embaçada
quanda a cachaça
sai da garrafa.

mas eu erro tanto!
eu erro TANTO!

ei
vamos ficar sozinhos juntos.
vamos deixar a dor de cabeça
fora da cabeça um pouco.

me ajude a ser melhor comigo
me ajude a ser melhor contigo 
e todos.
eu quero ser melhor que isso.
mas pra isso preciso do quê?
não sei!

vamos caminhando entre tantos
e descobrindo essa vida
uma esquina de cada vez.
vamos encaixando, improvisando.
quem sabe seja um bom plano
não ter tanto medo
de alguns enganos?

segunda-feira, 25 de julho de 2022

FECHANDO A CONTA

eu não sei quanto que deu.
junta as alegrias, faz vaquinha 
bota na conta
pede uma porção de fritura
e um sachê de loucura.

espero em vão que não acabe.
acho o pôr do sol 
divinamente melancólico
e os portões fechados
da estação
uma merda.

só mais um pouco disso
um pouco de cada um.
o trago de conforto
a risada inesperada
a cadeira vaga
conversas de mais ou menos
e pessoas que não tomam atitude.
"faça o que tu queres".

podíamos deixar tudo pra lá
e viver só neste momento
onde esquecemos
o que não vale a pena 
ser lembrado agora.

abre a latinha
bebe o corote
a garrafa vazia
encosta na guia.
um balde gelado de emoções.

eu não sei quanto que devo
mas sei que valeu a pena.
a alma acena
vai embora o caminho inteiro
sorrindo e dormindo
encostada em um ombro
parceiro.

VOCÊ É ESPETACULAR

gostaria que você se visse
com meus olhos.
você tem gosto de alegria
e eu queria que você durasse
a vida inteira
sendo vivo do jeito que é
GOSTANDO de ser do jeito que é
GOSTANDO de viver
nessa pele, nessa alma
nessa terra.

você é espetacular.
eu poderia te assistir
comendo pipoca
bebendo uma coca
e por cada hora
te aplaudir com 
todas as minhas mãos.

é porque você é a melhor
versão de você
a única que existe
tão rara quanto a vida
pode ser nessa imensidão
de pedras bêbadas e
estrelas narcisistas.

seja você porque só você
pode ser você.
e essa é sua contribuição
para a gente, para a existência.

mesmo que você não acredite em mim
acredite em você.
repita o que te disse
para o espelho.
faz muita diferença.
você vai ver.

TOSSE

um mal-estar persistente
uma memória persistente
saudade grudada nas 
paredes do peito.

tentei beber xarope.
soltei inseguranças na pia
e um pouco de desgaste
ralo abaixo.

o corpo luta
arde em febre e desejo.
o que eu quero o passado
tomou dos meus braços.
agora eu tusso quando
olho o espelho
quando caminho sozinho
quando é segunda-feira
quando o domingo morre
eu tusso em cima de tudo
contaminando pedaços de mim
com partes estranhas de mim
profundas e escondidas
desesperadas alcançando a
superfície da minha 
pele carente.

miasma que cobra caro.
traímos nosso potencial
perdemos algo sem preço.

é alergia ao dia
ao mesmo dia de sempre
às mesmas conversas e
às mesmas histórias e
ao medo doloso.
um peso teimoso
que toda gente carrega.
mas agora usamos máscaras.
mal dá pra percerber
que estamos na mesma.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

DETALHES

eu sou um detalhe e
você também é, 
tão pequenos quanto o tempo
que leva pra piscar 
quando a poeira entra
nos olhos.

eu vejo as asas do urubu
secando ao vento depois de
um voo de morte.
aprecio a tinta rachada
do prédios rabiscados
da Cohab.
eu sinto o sangue pulsando 
do coração à imaginação
o corpo tão são quanto as
folhas das palmeiras
e o choro da criança
e a trilha de formigas
e a brisa que amansa
a mente do parceiro
o verde em seus pulmões.

eu tenho carne e histórias.
eu sou carne e memórias.
prisioneiro do agora.
artista do depois.

sou aquilo que admiro
eu admito, vejo o infinito
em cada doce de sorriso
que você me dá.

é preciso ser feliz
apenas olhando a palma da mão
pra ser feliz com qualquer
outra distração.
eu me distraio de vida.
a beleza é prestar atenção.

DIFÍCIL

tá difícil ser.
melancolia pixada 
nas paredes da pele,
nos olhos cansados,
músculos de choro bombados.

eu levo a sério cada fração
de pensamento.
o sorriso guardo enferrujado
no bolso da jaqueta para
ser usado 
quando os erros tentam aparecer.
os meus são sempre maiores.
cansei de errar não sendo
aquilo que sou 
quando grudo minha testa
no azulejo do banheiro
numa ducha que não esquenta
a água direito.

tá difícil ser
e eu já fui tanto,
tanto, tanto.
mas toda vez que tô cagando
há algo para melhorar
em mim, no mundo,
no meio-termo de tudo.

viver é insatisfação.

eu não faço nada.
reclamar é fumo, é pó.
é uma caminhada viciada
às biqueiras do nada.
hoje a droga do amor tava em falta.
uma hora chega. calma que passa.

tá difícil ser.
é que não ser está fora de questão.
a escolha já foi feita por nós.
é tudo o que temos.
ser dificilmente é fácil.
mas algum dia será.

AMOR PRÓPRIO É O PRÓPRIO AMOR

hoje eu escolhi ficar sozinho
embora muitas vezes não seja
por escolha
mas hoje eu decidi
que me amaria
porque sou a melhor pessoa
que irei conhecer.

sempre estive ao meu lado
sentindo em mim as minhas dores.

eu vou me amar solitário 
como o último cigarro.

elogio ao espelho.
costume de ser eu.
posso até ser com as luzes apagadas.
me carrego pela terra
com a pele cansada 
e pernas apaixonadas
e mãos que tremem suadas
e todos os sentimentos que couberem
numa mente acelerada.

eu vou ser eterno comigo
como o escuro é para as estrelas.
pois eu sou tudo o que conheço.
tudo que posso ser agora.   

gostar de mim para gostar de você.
de verdade.
amor próprio é o próprio amor.

então sim, 
hoje eu escolhi ficar sozinho
e me amar como o para sempre
de uma foto.

EU CAÍ

caí na faixa de pedestres e
minhas coisas voaram 
livres para serem as coisas
do mundo.

caí de frente ao bar 
debaixo de sorrisos 
que encarcerados 
são tampados com as mãos.

caí de mim sobre o tumulto
no vai e volta de tudo. 
caí de todos para minha cama
parasitando a própria vida
eu vi o que significa
a perda de tempo.

só não caí na real.
doce imaginário que nutre
meus sonhos joviais e teimosos
isso não cai de mim.
ninguém me tira.

meus sonhos são de minha 
responsabilidade. 

e que eu caia tantas vezes.
é a Terra querendo me abraçar.
um dia, querida. um dia.
hoje não.

segunda-feira, 18 de julho de 2022

CALMA QUE PASSA

só está esperando passar
caminhando pelo tempo.
a gente podia fazer algo
pra animar algumas noites.
cabeça pesada.
nenhuma idéia.
não dá pra sentir o gosto
nem daquilo que gostava.

calma que passa
pois muito já passou.

você tosse persistente.
remédios alcoólicos.
esquecer também é cura.
mas a verdade nua e crua
é que esquecer, jamais.
tenha calma e sente aqui com a gente.
vamos brincar de conversar.
vamos ver quem tem mais a dizer
e quem finge escutar melhor.
quem ri por último
só demorou pra entender a piada.

calma que passa
pois muito já passou.

acelera os passos no compasso do coração.
nada mais importa
mas tudo é importante.
só dá pra seguir adiante.
você rasteja pelo tempo.
a gente podia conquistar o mundo.
agora temos febre
ao sair de casa.

calma que passa
pois meio que tudo
está sempre passando.

DESAPEGO

quando não quero 
deixo de perder.
quando espero
desespero.

é desapego a nova moda de ser
não desejar, não entreter.

sobra um espaço tão opaco que tudo vê.
sobra um tempo descompassado pra perder.

não acho errado não querer viver
(ontem eu não quis).
mas é tão pesado desejar morrer.
não quero te rever
de olhos fechados.

é o desapego de várias faces
nas várias fases
de se conhecer.
hoje consegui pensar menos em você.
eu até consegui
desligar a TV

para escutar o que mente a minha mente
para eu mesmo e para toda essa gente 
tão indiferente e apegada
a alguns segundos de nada
e as tolas palavras.

descobri que ser livre é deixar voar
e deixar a gaiola do peito
de portas abertas.

E se acabar nisso,
ah, meu amigo!
eu não ligo 

mais.

quinta-feira, 7 de julho de 2022

BALÃO

toda vez que um balão solta fogos
eu penso que são tiros e
penso nos tiros
que não nos mataram
então eu volto pro que estava fazendo
o que era nada provavelmente
ou alguma coisa na
metade das vezes.

gosto de ver o balão subindo
e ficando sozinho
no escuro do céu noturno
como se fosse
meu coração no meu peito
mas ai eu lembro
que tenho pulmão também
pra respirar fundo
e deixar a melancolia
pros domingos.

aí cai cai balão
na onde eu não sei
balões são sinais
alguém vai se foder
espero que não seja eu
e muito menos você.

terça-feira, 14 de junho de 2022

TRILHA DE FORMIGAS

eu vi uma trilha de formigas
e um skate passando por cima delas
e talvez os deuses estejam
andando de skate
em cima da gente

ah
por favor
onde estão as pessoas
que reparam nas formigas?

segui a trilha
porque minha vida agora era aquilo
atravessava a praça inteira
danadas formigas
trabalhadoras formigas
algumas fritas com farinha
dizem que é uma delícia
talvez os deuses nos comam
fritos com farinha

elas levavam folhas para um
formigueiro em construção
e eu fiquei impressionado
e só
as formigas os skates
e minha vontade
de explodir

segunda-feira, 13 de junho de 2022

UM ROLÊ FODA

para mim e para você
de coração:
um rolê foda
que não foda com a gente
 
pare pra pensar mas
não pare de rebolar
com uma mão no joelho e
outra na consciência
aquela boca eu já beijei?
não sei
eu também

veja que o tempo me gritou com
todos os ponteiros agitados
"filho da puta,
cuidado com o que te preocupa
pois eu não volto nunca"

e desde então eu sou um pouco
de todo mundo e quero
ter o mundo bêbado refletido
na sangria do vinho
tão chapado quanto aquele tiozinho
que está cantando Tim Maia
sem nunca parar
assim como eu não quero parar
de estar agora
presente pro mundo embrulhado
com um laço vermelho
como um maço de filtro vermelho
pra dar e vender a quem quiser
participar dessa celebração
aos dias gloriosos de desapego

é bobo 
eu sei
é simples
como tudo deve ser
apenas um rolê foda
não muito mais que isso

quinta-feira, 9 de junho de 2022

BRECHÓ

vou vender meu coração usado
num brechó escondido de bairro
onde senhoras e senhores
se empurram para
encontrar um amor que os sirvam

o seu amor não coube no meu
nem o meu no seu
o meu tá difícil de servir
pra alguém
porque nem em mim mais serve
então quem sabe não consigo
uns trocados o vendendo
junto a agasalhos tão ridículos
quanto eu fui
quando estava apaixonado
mas e daí se gostei de verdade?
 
meu coração tá mofando
na gaveta esquecida
junto às memórias reprimidas
e as palavras não ditas e
é por isso que estou dizendo
que vou vender meu coração
pelo oferta que for mais
atrativa

limpando as tralhas
encontro nossos sonhos
enganos do passado
oferta nos usados:
planos inacabados

estamos gastos e não importa
pois é mais estiloso
amar aquilo que já foi amado e
que já amou algum dia
apesar dos rasgos
defeitos
mentiras

e se eu encontrar algo legal
pra você eu te aviso
ligo quando eu estiver chapado
sozinho e acompanhado
curtindo e odiando
o dia dos namorados.

quarta-feira, 25 de maio de 2022

COMO DIZIA RAUL

caminhando como um jumento
buscando alívio 
no presente
sem prestar atenção
no agora
sem dizer nada
pra ninguém
pensando se vai
ter amanhã
ou depois de amanhã
sentido o vazio do espaço
dentro do próprio peito
cantando canções invisíveis
cavando a própria fossa
sentando na praça
esperando ser o único
no meio de outros únicos
que só pensam em si
mesmo quando pensam
nos outros
ou nas formigas
que não comem toda grama
e que trabalham porque não cantam
como dizia Raul.

esperando o trem chegar
olhando o próprio reflexo chorando
esperando a hora passar
contando os segundos 
antes dos minutos e 
deixando tudo vazar
pelo vão dos dedos 
e da plataforma
formando opinião
sem questionar a própria opinião
achando novo 
ideias velhas
ficando rico com ouro de tolo
e é por isso que eu prefiro
ser uma metamorfose ambulante
como dizia Raul.

caminhando feito burro e
bebendo álcool como água
pra ver a beleza de ser maluco
no horário de almoço
ou quando sobra um tempo
pra perder num cigarro amassado
no bolso da jaqueta manchada de vinho
que já me viu ficar tantas vezes
maluco beleza
como dizia Raul.

HIDRATAÇÃO

bota água pra eu
beber aquilo que sou
quase que por inteiro
pra ter estoque de lágrima
pra ostentar no escuro
do meu quarto
quando eu lembrar
que quem eu amo
vai morrer e
que muitos amores
já morreram
porque não se regavam
por isso a água é importante
porque faz parte da gente
assim como o amor
e todo resto da besteira
que botamos nos poemas
quando deus não responde
nossas ligações
nem visualiza nossas mensagens
porque o número dele é falso.

eu juro que tentei
tentei tentar tantas vezes
que deitei e assim fiquei
pra sempre na cama 
como um só ser
deixando ácaros
respirarem minha pele pálida
como o muro do vizinho de manhã
arde meus olhos secos de inverno.

então bota água pra eu
diluir meus problemas
com sal e açúcar e
ficar só no soro
até eu poder fazer 
tudo isso de novo.

terça-feira, 24 de maio de 2022

PALHAÇADA

Ok, eu resolvi entrar na brincadeira.
Vamos vestir nossas fantasias.
Serei o guru que tem as respostas.
Ou posso ser o peso nas suas costas.

Pegue a garrafa e quebre a cabeça.
Um, dois, três,
onde a realidade se escondeu?
Rebola a raba, ame a raba.
Meus pêsames ao Senhor Sentido.

A vida é tão engraçada.
O caos lá fora é palhaçada.
Vai ficar melhor ainda
quando eu ter a minha buzina.

Ok, agora é sério.
Por que tão sério?
Ah, fala sério!
Cansei de ser tóxico
como o Césio.

Palhaços tristes
e ansiosos.
Deprimidos.
Desgostosos.

Olhando o circo pegar fogo.
Aproveitando as chamas
pra fumar um pouco.

É tudo uma palhaçada.
O difícil é achar a graça.
FOM! FOM!

sábado, 14 de maio de 2022

CAFÉ COM LEITE

Fervo o café com leite
pensando em novas maneiras
de ser feliz
porque as velhas
não funcionam mais.

Uma meleca no fogão
tão maluca quanto
os pensamentos que vem
e vão.

Já estou atrasado e
agora isso.
Tô atrasado pra vida e
agora vou ter que 
encontrar um pano limpo
ou gastar um rolo de
papel toalha
pra secar todas as bocas
e todas as
lágrimas.

Fora o desperdício de
café com leite.
Eu só queria um gole
pra acordar,
disparar o açúcar no sangue,
sentir um pouco de prazer
(talvez o único de hoje).
Dá vontade de voltar pra cama.
Voltar pro útero, pro saco,
pro Big Bang.
Mas isso só vou poder fazer
quando a noite chegar.

Tiro o bule do fogão e
começo a limpar.

OTIMISMO

O copo só tá meio cheio
porque eu tô meio vazio

segunda-feira, 9 de maio de 2022

ABRACE SUA LOUCURA

porque não há sentido lá fora
o sentido tá aqui entre a gente e 
o grande observar das estrelas
já mortas
que brilham seus passados
para nós

nós que temos sentido amor
sentido saudade
melancolia, vaidade
nós que buscamos a verdade
e a verdade é que a normalidade
só existe para ordenar rebanhos
de gente que tem medo da vida
e de todas as suas aleatoriedades
mas quem tá pra morrer daria tudo
pra se atrever um pouco mais
nas suas escolhas
então escolha sua loucura
se ainda há medo e incerteza
dentro de você para não levar
arrependimentos pro túmulo.

não seja avesso ao ridículo
porque o não-ridículo é chato
e de chato basta o pesar da vida
que nos ensina a perguntar
sem dar resposta alguma
e eu me pergunto se um dia
saberei te perguntar
as respostas certas.

bora ser louco pois o
tempo é pouco e
de louco em pouco a
gente aprende sobre o outro
e assim ficamos e rebolamos
a raba galáctica
na pista do rodo cotidiano.

sexta-feira, 6 de maio de 2022

ENVELHECER CERTO


Eu queria ainda querer
aquilo que já quis.
Mas meu corpo não deixa.
Meu coração soca o peito e
é desconfortável pra caralho
e tenho brigado com o desconforto
nos últimos anos.
A segurança me acolheu
de tal maneira que 
apenas a sensação
já me basta.

Medo é a palavra da moda.
Pois amo o que posso perder
numa noite de loucura.
E o relógio clica.
Aqui estou existindo.
Envelhecer não é o problema,
e sim perder a juventude.
É que viver intensamente
parece ser sobre
largar mão,
se jogar inteiro no abismo.
E toda vez que não saio de casa
por medo de não ser
mais o mesmo quando voltar
(e SE eu voltar),
eu sinto que estou desperdiçando
uma oportunidade
justamente porque
me apego ao que já tenho,
ao que já sou e
às chances abençoadas
da sorte.

Assim eu envelheço.
Sem saber se estou 
envelhecendo certo.

segunda-feira, 2 de maio de 2022

É ASSIM QUE NÃO LIDO COM AS COISAS

não é conselho,
é o contrário disso

é assim que não lido com as coisas
 
começando pelo casulo que é
meu quarto tão confortável
quanto não sair do útero
mas a gente é expelido
pela mãe e pela vida
e agora eu posso tomar
um café aguado feito às pressas
porque estou atrasado
pra sentir ansiedade

a crise continua existindo
ela é existencial

é assim que não lido com as coisas

quando os problemas batem na porta
eu não os atendo e quando
me mandam mensagem
eu não respondo e
quando me amam eu
não correspondo 

deve ter alguma autoajuda
que me ajude automaticamente

é assim que não lido com as coisas

esperando o sol explodir
pra limpar a bagunça 
do meu quarto
mas você não precisa fazer
o que faço
nem sei porque faria
não faça
não tente

ou lide com tudo
quem sabe não é melhor?

O QUE ME DISSERAM (E O QUE EU JÁ DISSE)

Eu não gosto de você
tanto assim.
Mas não é o fim,
porque pra ter fim
tem que ter começo.
E só você deu o primeiro passo.

Vai ver não me conheço.
Tenho receio de apego
como um gato de areia.

E pra ser sincero, 
prefiro a janela do meu quarto
e as roupas no varal
dançando com o fim da tarde
do que o seu olhar
que eu não posso
retribuir.

Tenho medo da minha ingratidão
ser apenas isso,
ingratidão.

Eu me desvalorizo
quando não reconheço
seu valor.
E você merece mais do
que os poucos trocados
que somem dos bolsos rasgados
no meu peito.

Não queremos o mesmo
um do outro.

Mas foi por pouco.

quarta-feira, 27 de abril de 2022

AR SECO

Olhos grudados que mal abrem
de manhã.
Pigarro de cigarro,
mas o cigarro já foi largado
há tempos.

Tem areia no ar,
não é possível.
O ar está tão seco
que me lembrou
seu amor.

SEM PACIÊNCIA

Pra cara feia;
chega.
Dá um sorrisão,
uma esticada na coluna.
Balança a bunda.


O meu saco tá cheio de nada.
Esse nada que habita a gente
não consegue
sentir o cheiro das folhas.
Fica se remoendo à toa,
a vida parada
estancada
nas paredes da cabeça.

Só não desisti
porque desisti
de desistir.

É como se houvesse luz.
E há, mesmo fraquejando.
Pois ainda vejo
os olhos brilharem
algumas vezes por ano.

Não precisa acabar agora.
Não forcemos o inevitável.
Deixemos que a vida
faça seu trabalho.

Mas aí: tô sem paciência
para a morte.
Bora dar um pinote
e deixar a sorte
decidir se valeu a pena.
Certeza que já valeu.

quarta-feira, 13 de abril de 2022

SR. BRÓCOLIS E OS VEGETAIS SATANISTAS

Eu fiz o que eu quis
e agora tô numa ressaca
com gosto de ferrugem.

Ontem eu andei de breja em breja
recebendo elogios
por causa do meu
brinco de brócolis.
A sorte não se escolhe.
Você faz seu corre
sem interferir no corre alheio.

"Amei seu brinco!"

Você é sua própria força
e a força de quem tá do seu lado.
Sem sacrifícios.
Pode ser difícil
mas é pra isso
que temos amigos.

"É um brócolis?"

Uma pessoa linda
andando com o cachorro.
Deu vontade de lamber a cara dos dois.
Já estava andando em
linha diagonal.
Fui sentido a República
passei na Roosevelt.
Energia densa, única.
E quanto mais eu descia,
mais dementes e insanos
ficavam os transeuntes.
Eu era um deles.

"Que incrível seu brinco!"

É MUITO AMOR

Tenho tanto amor dentro de mim
que não cabe
apenas à uma pessoa.

Eu te amo
sem prazo de validade.
Você pode até vacilar
(um dia você vai).
Meu amor não tem ego.
Meu amor não é de seda.

Amo meus amigos.
Amo meus corres e quem corre comigo.
Amo seu corpo (e minha língua nele).
Amo os bichos.
Amo o perigo da rua
a segurança de um teto
o amarelo da lua.
Sair de mim.
Aprofundar meus pensamentos.
Nós.

Tenho tanto amor
que muita gente nem aguenta.
Ficam com medo.
Acham que não merecem.
Fogem para quem não ama.
Mas amor não é troco.
É doação.
É como respirar
bater o coração
toque de pele.

Tenho tanto amor, meu bem.
Aceite pelo menos
um pouco dele.
E não se esqueça de compartilhar.

A BEBIDA MAIS AMARGA

É uma pena que
a cerveja não encaixe
no espaço que você deixou.
Outro litro de solidão
despejado no copo entediado.
Não tenho mais o que dizer.
Só beber e beber e mijar.
Um Sísifo embriagado.
Escutando canções do passado.
Daquele que você fez parte.

Acho que não existe isso de
sinceridade carinhosa.

Quando não fazemos nada,
percebemos que não há muito
o que se fazer
numa segunda de asfalto.
E olhar pro espelho dói.
Dói porque falta um sorriso.
Dói porque o reflexo esqueceu quem sou.

É uma pena que
só me restou
a bebida mais amarga,
aquela que se bebe sozinho.

NÃO POSSO MAIS ME IMPORTAR

Já me importei demais.
Entulhos no crânio.
Que roupa vestir?
O que dizer?
O que ser?

Não posso mais me importar.
Não dá mais.
Cada milésimo de segundo
escoa pelo vão
entre o que penso e
o que vivo.

Hoje eu sonhei que morria.
Olhos que se abriram contentes.
De repente a gente
sabe das coisas,
entende como seguir em frente.

Só não posso me importar mais
porque minha pressão tá alta,
porque o ar me falta,
porque estresse mata.

(viver também mata,
mas com harmonia).

E olha quanto já se foi
enquanto cerrei os dentes
na preocupação alheia,
absorvendo traumas
que não são meus
como papel toalha
chupando café da mesa.

Não dá, me desculpe.
Ou não, deixa a culpa em mim.
Eu deixei de ligar.
Não posso mais me importar.

ANTES DO SONO

Na madrugada se pensa o dia
a vida
aquilo que se esvazia
enchendo a mente
de soluções inúteis.

É na madrugada que se dorme e
que não se dorme.
É nela que está
o que penso dos outros,
o que desejo dos outros e
a cobrança em mim.

Já tive crises de ansiedade,
crises de amor,
de embriaguez,
de tempo.

Na rua ela dura
duas vezes mais
do que na insônia.
Na véspera do compromisso
basta piscar o olho
para perder mais uma hora
de sono.

E é no espaço do silêncio
e no conforto mortal do escuro
(tão assustador mas ainda familiar)
que os olhos começam a pesar.
Um pixo na parede:
"Morfeu esteve aqui".

terça-feira, 29 de março de 2022

O CIGARRO NÃO ME FAZ FALTA, VOCÊ SIM

Mas eu prefiro voltar a fumar
do que voltar a você.

Nós viramos um verbo.
Entristecer-se, parecido.
Agora economizo tempo.

Os pulmões estragados
voltam como esponjas imbecis
respirando cinzas.

O cigarro não me faz falta,
você sim.

Mas só tremo quando te lembro.
Quando te choro.
Quando te esqueço.
Quanto te devo?

Nós viramos um passado.
Guerra, atraso.
Agora economizo morte.

O coração azulado
volta a bater sangue
nas paredes do corpo.
Pouco a pouco 
o ritmo volta.

O cigarro não me mata,
você talvez um pouco.

quarta-feira, 16 de março de 2022

EU TÔ BÊBADO, É SÉRIO

Ei, me dá um beijo e
um trago disso aí.
Eu já tô bem louco.
Loco, sem o "u".
Algumas letras são desnecessárias.
Algumas palavras também.
Alguns amores 
Ha Ha
sim, o amor é inútil
assim como a
odisseia humana.

Será que se eu disser
pirinfonfia
você vai me entender?
Não, sei lá.
Eu tô bêbado, é sério.
Bêbado e com desejo
de muito 
de você e
de ser mais
um pouco mais
do que o comum.

mas aí é você quem sabe

            se   
    faz sentido

essa falta de sentido

interminável
             da história
         do ego.

Vamos deixar pra lá e
curtir essa noite
porque toda noite
é especial
é a Terra sem o Sol.

E a garrafa ainda
não está seca.

CORANTE

São esses vinhos de plástico
deixam a merda verde e
o estômago confuso.

Botam tanta coisa ali
que a boca e os dentes
ficam vermelhos como
um batom mastigado.

Mas hoje eu acordei e
o mundo ainda era 
a mesma ladainha de sempre.
O mesmo tom cinzento
pálido
doente.
Concreto sobre concreto.
Decreto de seriedade insana.

Será que é por isso que busco
as cores do corante?

Olho pro espelho e
pareço um palhaço.
Por que tão sério?
Continuo sorrindo
para aquilo que
não tem graça alguma.

Com o corante
fodendo meu intestino
fica um pouco mais fácil
fingir gostar 
de ser palhaço.

E se o copo permanece cheio,
qual é o problema?

domingo, 6 de março de 2022

LUA VERDE

Lua verde hoje eu sonhei com você
não sei por que
mas você carburou
e disse 
o proceder é cê viver
sem nutrir parceria que suga sua vida

E minha ficha cai
enquanto você sai
enquanto arrasta os segredos
os erros, a paz.

O que você me traz
deixei pra trás.
A sua revolta 
disse demais

Não há sossego
quando há segredo
quando tenho medo
quando peço afeto

Eu não tenho sossego
e parece um erro
mas eu não te esqueço
porque eu não te esqueço.

O amor só acaba
quando nunca foi.
O amor nunca passa
mas o seu já passou.

Lua verde, parça, cê viu que eu tentei
fiquei e escutei, falou que errei.
Então
que seja assim, que seja o fim
que as voltas do mundo
te levem de mim.

Então
pega a visão, querendo ou não
é uma pena dizer adeus
pra quem tá no coração.

Você morou no meu.
Eu morei no seu?
Não sei dizer.
Foi bom te conhecer.

Não há sossego
quando há segredo
quando tenho medo
quando peço afeto

Eu não tenho sossego
e parece um erro
mas eu não te esqueço
porque eu não te esqueço.

O amor só acaba
quando nunca foi.
O amor nunca passa
mas o seu já passou.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

NOTIFICAÇÃO

Você reagiu à minha história.
Eu reagia ao 
calor infernal da quebrada.
Então o suor de transpiração
virou suor de emoção.
Senti a diferença
entre os cheiros dos hormônios.

Tá quente mas eu me grudaria em você.
Me cobriria de você.
Me masturbaria debaixo de você.
Quer pagar pra ver?

Tremendo a mão
olhando a tela.
Felicidade em parcela.
essa conta é do
meu coração
que vibrou na notificação.
Ah, não!
Ah, não!
Apaixonado de novo. 
É osso!
eu só me fodo
quando fico bobo
esperando um pouco
mais de atenção.

Inicio o papo
fico no vão da resposta.
Fico no não que eu já tinha.
Acho que é sobre isso.
Tá tudo bem?

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terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

O CORPO AMA

Estamos no quarto e agora
é natural que
aconteça alguma coisa.
Já pagamos a noite e
não há mais trem.
Voltar pra onde, também?

Vem o lábio no pescoço e
o ar sai com pressa da garganta.
Ofegante, agora nem adianta;
o corpo quer 
o corpo manda.

Manda as mãos alcançarem o zíper.
Manda o dedo sentir pulsando
abaixo da cintura.
Manda as bocas se encontrarem,
as línguas se entrelaçarem.
E a cama que se prepare.

A bunda leva um tapa,
fica a marca.
"Ei, me amarra?"

E chupa, chupa, chupa
até o quase.
Então para, sorri,
brinca com a pele,
aperta firme,
"Quer gozar?"

Água, banheiro, cigarro.
A noite se despede.
O cheiro do fato
gruda nas paredes do quarto.
As mentes adormecem, esquecem
suas insignificâncias.

Um corpo não esquece o outro.
Vira saudade, lembrança.
Não adianta;
o corpo quer,
o corpo ama.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

JUVENTUDE

Essa ponta salvou
o que o corre levou.
Só que o vento apagou e
eu sei que você roubou
meu isqueiro.
 
O goró ali é mais barato.
Faz a intera pra vida.
A vida tem gosto de baunilha.
Toda hora merece ser aplaudida.
Uma ideia ridícula e linda.

Nossos jeans rasgados e
nossos joelhos que se encostam e
a tarde que nunca envelhece.

A praça tá cheia de graça,
desgasta a lixa do skate.
Acende um Eight aí.
Me ajude a sentir seu gosto.

Já sinto saudade de agora.
Eu sei que é nostalgia.
Me ajude a te marcar
na minha história.

Eu digo que tô chapado,
falo errado, 
olho o asfalto esfriar.
Você diz alguma coisa,
outra coisa,
bla bla bla, sei lá.

Só sei que tô sorrindo e
você é o motivo.
Então vamos comprar mais um vinho
antes que a juventude acabe.

DISTANTES

Uma cidade inteira
não beira nem a borda
do que foi nossa amizade.

Postes com inveja,
com certeza,
secando nosso brilho
nos muros.
 
Ninguém mandou, 
mas você se foi,
mudou de canal.
Foi além da vírgula, 
do ponto final.

Uma cidade inteira e a 
chuva chorando chateada.
Chateado é pouco.
Movimento em repouso.
Às vezes sua falta me deixa louco.
Eu só queria mais um pouco
de você.

Mas se ainda pensa em mim,
sei que eu tô aí contigo.
Sempre estive.
É assim que se vive.
Lembrança que reprime
pedaços do agora,
pedaços afora,
lágrima que aflora.

Não estava na hora,
meu relógio atrasado
distraiu-se de amor.

E assim se foi.
E que assim seja.
Pro que restou,
resta apenas a cerveja.

O LITRO E A APOSTA

Quando acaba o litro
é que o riso fica solto
como a rua 
vira sua, 
minha,
nossa.

Minha nossa! 
São que horas?
Como passa depressa.
A noite é festa
de minutos
anfitriada pela lua.
 
Eu queria sua pele nua
na minha.
Seu corpo inteiro.
Fazer bem feito, e refeito,
peito com peito,
sem receio.

É que não sei se te amo
pelo resto dos meus anos
ou só enquanto
a gente vai se beijando.

Quando acaba o litro,
lá se vai o sentido.
Fico repetindo o que sinto.

Alma esplendorosa,
bunda maravilhosa.
Segura o cabelo pra botar pra fora
a mistura taciturna
do álcool com a aposta.

Apostou que aguentaria,
de copo cheio e garrafa vazia,
a vida 
e toda essa putaria.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

CREDO

eu acredito na bondade das pessoas.

no afago de um coração
estilhaçado.

no deus do adeus bem dado.

eu acredito na pureza dos olhos.
no abraço de reforço.
você é incrível
você é incrível e
não há nada que te arranque sua increvitude.

eu acredito em palavras que não existem
ou que existam apenas no silêncio.

...

(você consegue escutar o meu amor?)

há milagres esmagados na calçada,
reutilizáveis,
indecifráveis,
há milagres infinitos
no amar.

a beleza do mundo está no espelho.

O sol sangra ultravioleta
só para nos ver sorrindo.

eu acredito na bondade das pessoas.
eu sinto,
eu acredito mesmo,
com ou sem testemunha
eu acredito.
Acredito na bondade das respostas.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

O HOMEM E A ARANHA NO MEU VERSO

A aranha papa o dia da mosca,
eu papo meu dia à toa,
tecendo versos pro meu multiverso.

Você caiu na minha teia
mas eu não te comi.
Quem devora sentimentos
é o tempo, 
ele tem fome de tudo
que é da gente.

Devorou o que escrevi
sobre você
no bloco com capa de couro.

Quis me ensinar a caçar,
mas eu já caço sem parar.
Caço o que fazer e
quase sempre saio vitorioso.

As latas amassadas abrigam 
larvas, sonhos e comida de aranha.

Oito olhos e nenhum deles
pode ver o que iria acontecer.
A teia se desfez.
Recomecei os trabalhos.
Reciclei todos os planos,
principalmente aqueles
que incluíam você.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

3 x 0

Olhos secos. Mais cinco minutos. A quebrada dá os primeiros bocejos da manhã. Meu teto solta um bom dia e minha rinite traz o café da manhã. Pão de vento e café desidratado descafeinado. 

Prometi que acordaria cedo para tomar a dose de reforço. Menos fila. Menos gente. Quanto mais gente, pior. Poderíamos ter permanecido na água, dentro das estrelas, átomos soltos, livres e selvagens, mas teimamos em ser gente. E agora o mundo acende o cigarro com as próprias chamas. Ainda bem que parei de fumar. 

O inseticida questiona se devo realmente tomar a dose de reforço. Diz que minha garganta anda estranha, que talvez eu esteja com a doença, que talvez o sol exploda às três da tarde. Dou de ombros. Ele insiste, diz que 2 x 0 já tá bom. Respondo que quero ganhar de goleada, que se outros tivessem a sorte de ainda estarem em campo, fariam quantos gols seus corpos aguentassem. "Vamo lá tomar essa porra", eu concluo. 

Há três conjuntos de átomos teimosos na minha frente. Retiro "Crônicas de um amor louco" da bolsa. Não dá pra ler direito. Muito barulho, muita distração, muita ansiedade. 

O saco de átomos da minha frente pede para que eu o filme tomando a vacina com o seu celular. As enfermeiras riem. Eu também dou risada, mas por motivos diferentes. Todo mundo ri da cara de palhaço um do outro. O caos é nosso circo e o universo nos assiste comendo pipoquinha no primeiro assento. 

Tomo a dose, saio com o braço sangrando, a enfermeira me dá dois comprovantes por acidente, uma criança escorrega e derruba uma maca, um carro em alta velocidade atropela um pombo, um casal termina o namoro, outro casal mora na rua, garotas nuas dançam em volta de uma fogueira, Júpiter solta um peido, uma bomba explode na Ucrânia e o jogo continua rolando. 

Ainda não sabemos quantos minutos teremos de acréscimos. 

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

CÉU ROXO

Já era dez latinhas pra sete
e eu olhei pra cima
e vi a Deusa tendo
um de seus momentos.

O céu estava roxo.

Estavam brigando no boteco
da esquina.
O cão mastigava
ossos do lixo.
Mais uma lata e
algumas palavras soltas
sem sentido algum.
O mundo estava acabando.
A Deusa via tudo.

Antes de Bach compor
o que quer que tenha composto,
ele também viu a Deusa.
E Einstein, antes da bomba atômica.
E Picasso, antes da Guernica.
E Van Gogh, antes da orelha.
E Bukowski, nos correios.
E Clarice Lispector, cursando Direito.
E Marie Curie, antes do polônio.

E eu também vi,
como todas essas pessoas,
a Deusa e o céu roxo
antes de dar
uma bela cagada.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

PERDIDOS NA BEIRA DO TEMPO

Hoje já é semana que vem
e passou como ano-novo
atrasado em cada minuto
que passou voando.

Acorda, escova os dentes,
toma café.

Acorda, toma café,
olha no espelho.

O espelho esqueceu meu rosto.

E a morte continua sonhando.

Já te disse que
acredito no caos,
mas o caos não acredita
em mim.

Ontem foi futuro imperfeito.
Os planos foram rasgados e
perdidos na beira do tempo.

Na mesma mesa,
no mesmo copo,
a mosca morre,
a vida dorme.

EU SOU O SOL

"eu sou o sol e
o sol é meu deus"

ela disse "tá bom" e
bebericou o
bombeirinho.

"fodam-se as nuvens
pois eu sou o sol
e nem estou na terra"

ela não escutou.
a lua não ouviu.
o pombo morto distraiu-se.
o metrô continuou fechado.
o cigarro permaneceu caro.
nós permanecemos viciados.

"eu sou o sol
e alimento minha alma
com fusão nuclear"

a conta chegou e
foi ela quem pagou.
não lembro como cheguei
em casa.
não lembro como será
meu dia amanhã.
não lembro de ser
agora.

FOLHA MORTA

Meu amor 
é uma folha morta
esquecida na calçada.

Ou algo que combine com a figura.
Um rosto, uma folha,
um quadrado verde e
uma bola rosa.

Eu sonhei com isso
e agora que usei
o Paint pra
ilustrar meus sonhos,
percebo que
palavras não são suficientes.
Nunca foram e nunca serão.

Também descobri que
palavras não machucam.
Não, não são elas
que nos ferem.
Preste atenção da próxima vez
que te decepcionarem.
O que importa
está atrás da cortina,
atrás do balcão.
É questão de interpretação.

Meu amor
é uma folha morta
esquecida na calçada.

Impactante. Marcante.
Errante. 
Inferno de Dante.

Você tinha amantes
e eu não era um deles.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

PINGUIM

você disse que o ódio é tão útil
quanto um pinguim de geladeira
assistindo os surtos de alguém
em decadência.

mas o que sentir
quando se liga a TV
no jornal nacional?

pode ser inútil,
pode queimar a história,
carborizar afetos.

o ódio se alastra como um vírus
e é fácil ficar doente.

mas um pouco é necessário.
serve de impulso,
cria anticorpos.

afinal, meu pinguim de geladeira
conversa comigo, e é ele
que dá as ideias para os poemas.
eu sou só um impostor
roubando a arte da vida,
odiando quase todo mundo.

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

PORRA

Tanta evolução
mas eu ainda não posso falar
porra.
Porque porra é um palavrão,
por mais que sejamos feitos
de porra.
Somos apenas
porra em metamorfose.
Mas os algoritmos vão
me censurar.
Você vai me censurar,
vai se sentir desconfortável.
Mas se minhas palavras
não te desconfortam
é porque não fiz meu trabalho direito.
Meu trabalho é uma porra.
Você é uma porra.
O mundo é uma porra
quente e massiva
grudada na pele do tempo.

RAGE QUIT

Uma pitada de ódio.
Veio das frustrações,
do que foi engolido à seco.
Uma faísca é o que inicia
a devastação.

Ninguém nunca soube seu nome.
Ninguém nunca soube seu nome.

As cinzas se perderam na chuva.
Os ossos se esconderam
nos escombros.
O que resta de um homem
quando decide partir?

Ninguém nunca soube seu nome.
Ninguém nunca soube seu nome.

A cidade nos digere.
A natureza deseja nosso fim.
Mas somos teimosos demais.
Quando sentiram o cheiro de gás,
já era tarde demais.
Um balde de ódio
e outros infortúnios.
Precisou apenas de uma faísca
para desistir do jogo.

Ninguém nunca soube seu nome.
Ninguém nunca soube.

domingo, 9 de janeiro de 2022

MACONHA

(texto escrito em 2014, com algumas alterações)

maconha não é droga.
droga é o preconceito.
droga é se esconder
atrás de um merda
só para se sentir especial.

maconha não é droga.
droga é a dependência,
essa algema de pelúcia
que prende seu potencial
à um líquido, um papel,
uma planta, 
4700 substâncias tóxicas,
1 relacionamento tóxico.

maconha não é droga.
droga é não viver.
droga é quando querem
que você não viva
só porque você fugiu do padrão.
não vale minha fé
quando querem que eu morra.
é uma droga odiar
aquilo que no fundo você é,
aquilo que você já foi.
seus antepassados,
seus vizinhos,
seus filhos.

maconha não é droga.
droga é deixar de sorrir
por medo do que vão pensar.
cobrir o próprio brilho estrelar
para que pedras otárias
não se sintam mal com suas
falhas.

maconha não é droga.
maconha só é uma droga
quando você se sente uma droga
sem ela.
maconha não é droga, droga!

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

A PSICODELIA DE SER (primeiro capítulo)

Eu só não quero morrer. Mas há um mal-estar me acompanhando, um mal-estar com cores amarelas, pétalas murchas, acordes desalinhados. Uma chuva que não cai direito, faz curva e não molha o chão como deveria.
  
Deitar não funciona. Já funcionou um dia, mas não agora. 
Eu só não quero morrer.
 
Meu violão me diz que pode ser meu amigo às terças. Segunda é dia de faxina. Tem de limpar as cordas, a sujeira incrustada entre uma casa e a outra. A Primeira e a Sétima são as piores, ele diz. Violão grandão. Nas quartas é meu voyeur. Vê o podre calejado, vomitado de meus poros. O resto da semana não existe.

Eu só não quero morrer.  

Tempo é uma questão de opinião. Não sei o que pensa a Terra do tempo do Sol, nem do tempo de si mesma. Não sei se a Terra se acha velha ou criança. Também desconheço o que pensam as estrelas sobre os buracos negros. Farão uma festa na bilionésima semana à partir de hoje; uma orgia, uma galáxia engolindo a outra, como o outono engole o verão e é engolido pelo inverno.

Todos os sexos que não fiz são a causa do problema. Devem ser a causa do problema. Pelo menos é a minha opinião, e opinião é questão de tempo. Os sexos que fiz também se uniram ao partido desprogressista. Passos para trás que dou todo domingo começo de mês. Domingos são os piores, eu poderia dissertar sobre seus malefícios até o dia da orgia intergaláctica caso meu corpo durasse tanta opinião. 

Eu só quero o que quero, o oposto do que não quero. Se não quero morrer, então eu quero viver? Mas estou vivendo meio que não querendo. E a culpa não é da vida. Já disse: sexo é a raiz da minha árvore parasita. Sou sugado por mim mesmo. 

A única coisa que não me suga é a cerveja. Cerveja e gastar as solas do meu All-Star nas calçadas paulistas desta floresta de pedras pixadas. Gosto dos pixos, são como tatuagens nos prédios, feitas por tatuadores de várzea corajosos o suficiente pra expressar seus demônios. 

Meus demônios só saem às sextas-feiras, depois do serviço. Trabalham no RH das emoções. Despedem as boas e contratam as péssimas. O partido desprogressista tem seus contatos. Para se divertirem, levam minha carteira e minhas chaves e a sola do meu All-Star até a adega mais próxima. O maço de cigarro se acha o bonzão. Se soubesse que já fumei de graça não cobraria um preço tão alto por suas toxinas. Meus demônios flertam com o mentolado e aquele que possui três vezes mais monóxido de carbono. 

Eu só não quero morrer.
Escolho o mentolado.