eu vi alguns milagres
no canto da calçada.
minha vista estava suja
acizentada e apressada.
mas mesmo assim eu vi a vida
simples como esboço
sem esforço
uma arte ignorada.
e tive de continuar
com passos enlatados.
os corres mais cobrados
são tão mal pagos
que eu me acho
bebendo numa terça
num buteco de segunda
com gente de primeira
delirando suas últimas.
e ainda assim
me vejo numa busca
incessantemente brusca.
todos os tropeços
fins e recomeços
pra quê?
ah sim, pra quê?
e num disparo despreparado
eu insisto numa história
sem fim e nem começo.
busco num espelho
fragmentado
um lugar onde me reconheço.
e quando encontro meus pedaços
reunidos e rasurados
eu entendo, minha vida é
divina rotina.
cada minuto é milagre.
cada detalhe é o que nos talha.
sou o conjunto dos meus erros.
vou botar na minha mochila
tudo aquilo que significa
um pouco da minha imensidão.
e vou sair viajando
por cima dos planos
que a ignorância fez pra mim
só para no final dizer "sim"
quando me perguntarem
se vale a pena
existir.
eu vi alguns milagres.
fiz parte de uns milagres.
nós somos um milagre.
que o caos nos ampare.