sexta-feira, 15 de dezembro de 2017
VENDEDOR (FUNCIONÁRIO)
MODIFICAÇÃO
LITRÃO
ANOS 2000
terça-feira, 7 de novembro de 2017
BICICLETA ERGOMÉTRICA
Eu continuei pedalando e
ela dizia que eu
nunca saía do lugar.
"É pra fortalecer o espírito",
eu disse.
Ela continuou bebendo o
nosso vinho, e eu falei
que ela também estava fodida.
É difícil de acreditar, mas
quando se aceita o fato,
você pode derrubar qualquer
vitrine, qualquer distância,
qualquer insônia.
Continuei pedalando até
minhas pernas caírem.
Ela disse que assim eu
não chegaria a lugar algum.
"Eu já cheguei",
respondi.
terça-feira, 24 de outubro de 2017
MOTIVACIONAL
Falta motivação pra ver meus amigos,
me apaixonar, sair de casa.
Falta motivação pra escrever,
pra tomar banho, limpar o quarto.
Falta motivação até pra
olhar pra parede
enquanto eu me perco
nos pensamentos.
E pode ser que um dia mude,
que algo faça sentido,
que a humanidade surpreenda
com uma boa notícia
numa segunda de manhã.
Mas a verdade é que
estou achando a poesia chata.
Talvez seja a falta dela,
escondida debaixo de
toda merda que é ser adulto.
A poesia fica chata e eu morro.
Não há nada melhor do que ela
quando não se tem nada,
quando não é nada.
E falta motivação pra
saber o porquê.
sexta-feira, 29 de setembro de 2017
SÉRIO DEMAIS
Eu levo a sério tudo o que se passa,
mesmo escondido nas risadas e
nos convites.
É claro como tudo é nublado e
como não vemos nem a mão
que nos dá um tapa quando
levantamos da cama.
Dizem para eu não me preocupar, e
pra quê, não é?
Tenho quase mil amigos que
me curtem, me amam, me "Haha".
Não tenho demência o suficiente
numa calça rasgada ou num falso abraço.
Eu só fico ansioso, espremido no meu canto
como uma barata encurralada pela Morte,
a minha gata siamesa.
Palpitações entre meus dedos,
fruir os conselhos gastos,
lavar a louça, respirar fundo,
comer proteína.
Tudo não passa de uma piada
mal-contada pelos perdidos.
E é hora de trabalhar.
DOIS CIGARROS
Hoje eu abri meu maço e
só haviam dois cigarros.
A culpa é toda minha;
ontem estava chovendo e
eu costumo fumar mais quando
tudo é triste.
Um maço de cigarros custa,
para mim,
o olho do cu.
Não sei se pra você também.
Talvez.
Somos vítimas da situação em
que nos colocamos sem saber.
Como um incêndio causado por
um fósforo e uma garrafa de vodka.
Ou quando a pessoa te olha de volta.
Separei um para agora e outro
para emergências.
As palavras ficaram pulando de
um lado para o outro, rindo de mim,
enquanto eu tentava organizar
essas linhas.
Acabei fumando o último.
sexta-feira, 8 de setembro de 2017
BAD NA MADRUGADA
minha cama.
E eu sinto minha pele como
brasa.
O que você sente no escuro?
Um pedido de socorro?
Eu tenho um propósito de
permanecer incompleto.
E permanecer cego quando os
demônios saem da sombra da
hipocrisia.
Tento não chorar porque é demais.
Eu sinto o toque, mas minto
tentando agradar a todos.
E tudo vai parar na minha cama,
com o silêncio em uma
posição confortável.
VIRANDO NA RUA
tarde demais?
Talvez num copo meio cheio de
vinho que, longe do tempo,
envelhece bonito.
E não há escolhas quando as
folhas já estão morrendo no
chão.
É solitário não saber o quão
difícil é ter asas
queimadas por lâmpadas fluorescentes.
E não há escolhas quando
decido me vingar do destino.
Como num conto de fadas
mentiroso que te esfrega
a verdade na cara.
Como num solo de bateria que
termina a canção.
Como num meio-estado de
felicidade numa estrada.
Estou perto de me distanciar,
de deixar pra lá e só
rolar como uma pedra numa
ladeira.
Vou me esquentar hoje com
a dose cruel de realidade e indiferença.
Isso até que a estação de trem
abra novamente para o
meu mundo particular.
PAIS SÃO MESTRES
para a agulha que o diabo me deu.
Minha mãe me ensinou a amar e
eu sei o quão sortudo eu sou por isso.
Tenho palavras que posso gritar
ao infinito, porque minha sombra
prova para mim que a luz
ainda está no fim do túnel.
Eu posso ver o mundo ruir
em cada coração partido.
Minha mãe me ensinou empatia, e
como o filho pródigo está livre
para sair de casa e encontrar o lar
nas jaulas derretidas do acaso.
Meu sangue continua fluindo sem
ultrapassar meu limite.
Você pode vê-lo pulsar em
cada letra que o seu silêncio
é tímido demais para aplaudir.
Minha mãe me ensinou a cuidar
dos meus defeitos, mesmo
quando estou numa via de
mão-única.
Olhar antes de atravessar.
Ligar a cobrar para dar notícias e
subornar o ódio com abraços razoáveis.
E eu fico de joelhos e
agradeço por não ser cego o
suficiente para não sentir minha
fortuna.
XEQUE-MATE
porque temos mentiras
debaixo da manga.
Perdemos a mente para
garrafas de plástico.
Amém.
Obedecemos nossos instintos
como os mortos obedecem
seus caixões.
Guardamos as histórias doentes e
cansadas numa cidade
apagada pelo excesso de luz e
propaganda.
Mandamos nossas visões para
o deserto de nossas mentes e
páginas em branco.
Porque as notas continuam
dirigindo a gente pelo vermelho
do asfalto, e nossas lâminas
não enferrujam abaixo da
superfície, e há muito desejo
para cumprir quando você é
peão e rei ao mesmo tempo.
quarta-feira, 6 de setembro de 2017
VONTADE
Quando o vento quebra e
não há mais nada para se dizer.
Quero sair, mas cansei de cair, de
ir cada vez mais pra baixo.
E eu já te disse isso, com
palavras talhadas no ferro.
E eu sei que foi um desastre
quando eu pedi pra você ficar.
É que estou fora de controle,
eletrificado, e o vento está
quebrando tudo lá fora.
E quer saber?
Vou sair mesmo assim, pois
juntei coragem o ano inteiro
com o troco dos meus erros.
E você não precisa vir junto.
terça-feira, 5 de setembro de 2017
MAIS UMA HEINEKEN, POR FAVOR
Mais um trago indigesto,
e os nossos sonhos que descem
descarga abaixo.
Gostaria de saber se
todos sentem o que eu sinto.
Se tudo isso vale a pena, e
se essas gargalhadas são verdadeiras.
Eu sei que ainda não sou o que querem
que eu seja.
E não importa: o copo se enche
novamente, os corpos e as cascas
passam flertando com o vazio.
Os carros cantam música eletrônica.
A noite chega, a mesa está vaga e
nós somos felizes até o próximo
tropeço.
Até a próxima encarada no espelho.
Minha geração goza em máquinas.
O match é perfeito.
O cigarro vai queimando tudo, e
cada um segue sua vida,
crente de que estamos vivos.
segunda-feira, 4 de setembro de 2017
GATO MIA
Algumas vezes eu subo no telhado
com meus gatos.
A gente fica rolando nas telhas e
observando os pombos, as aranhas e
as moscas.
Gosto deles porque eles não reclamam.
Assim eu posso reclamar.
Digo para eles:
"Vejam só; estou enlouquecendo.
Estou perdendo a batalha
contra o mundo".
Um deles se esfrega na minha
calça preta e deixa
seus pelos dourados nela.
Outro começa a miar e o
terceiro lambe o próprio
cu.
Está de dia. Sempre está claro
quando eu me sinto
no escuro.
A vizinha observa da sua varanda, e
eu dou um "oi" pra ela e
ela entra correndo pra dentro de
sua casa.
domingo, 3 de setembro de 2017
FILOSOFIA DE CALÇADA
Senta aqui, vamos trocar uma idéia;
como na canção, eu sei
que às vezes uso
palavras repetidas.
Você sabe o resto.
É só olhar em volta;
Os saltos e os sapatos engraxados
com pressa de alguma coisa.
Fugindo do sofrimento como se ele
fosse a pior coisa do mundo.
Dá pra acreditar?
[Gole no vinho de três conto]
E nós estamos sentados na calçada
e os deuses devem estar com inveja
da gente.
Sim, eles sentem inveja porque
nossas bundas doem quando
ficamos sentados por muito tempo e
é isso que nos faz levantar.
E sabe o que mais?
Estamos virando robôs.
Estamos cada vez mais parecidos
com eles.
[O vinho acaba]
domingo, 27 de agosto de 2017
FUMO DE ERVAS
Eu fumei camomila e pensei que aquilo
poderia ser outra coisa.
Outro deus, outro gato, outro amor.
Quando fui no banheiro, eu deixei o
assento abaixado porque o próximo
não teria de por a mão nele pra
cagar.
Empatia é uma forma maravilhosa
de ser idiota, e nós somos idiotas
desde a antiguidade por motivos
bem mais banais do que isso.
Então eu deixei a tampa abaixada e
olhei no espelho e vi
uma flor de camomila brotando
no canto da minha boca e percebi
que eu já estava tão morto quanto
um tomate no asfalto.
Ossos dão ótimos vasos, afinal.
Voltei pro resto do grupo e
logo menos eu
teria de pegar um ônibus com
minhas últimas moedas.
quarta-feira, 23 de agosto de 2017
TENTATIVA
Uma busca incessante pelo desejo.
Pelos túmulos com buquês.
Por um sofá, uma cama, um computador,
uma máquina de escrever que nem
funciona mais.
Assim como essa busca.
Por bêbados. Por um rabo, um abraço,
um adeus.
Pelas criança interior, pela guerra,
por uma motivação que não
funciona mais.
Assim como essa busca.
Que já trouxe o inferno e o céu entre
duas pernas gozadas.
Que desfez segredos, que plantou medos,
apegos, silêncio.
Cicatrizes tão belas quanto uma janela.
E agora, sem ter nada pra fazer, sem
um "você" dentro de qualquer merecer.
Meu cinzeiro fica
mais cheio do que o normal.
E isso não funciona mais.
sexta-feira, 18 de agosto de 2017
JOSÉ CHUVOSO
Ele tinha um boteco no meio da quebrada e um bigode que cultivava há 50 anos. Os pelos começaram aos 16 anos e as bebidas aos 12. Ninguém sabe o motivo dele ter aberto um bar. Talvez fosse o sonho dele. Talvez ele teve sorte ao experimentar a cachaça do pai abusivo quando criança. Ele tomou um copo daquilo e deve ter pensado "é esse o meu sonho".
José morava no andar de cima do bar. E por 20 anos, ele abria as portas de segunda à segunda, no final da tarde. Sua clientela era fiel. Não muito boa em pagar suas dívidas, mas pelo menos ela estava lá toda sexta-feira. Alguns batiam o cartão até de segunda.
- Vê uma com limão aê, Bigode - um dos clientes falava para José, pedindo para que pendurasse na conta aquela dose.
Não ganhava muita grana, mas pelo menos ele dava umas risadas com as filosofias de seus clientes. Tinha gente que dizia que era militar, que um dia usaria o rifle guardado em casa para atirar na polícia. Outros estavam na condicional, esquentando a garganta para mais um corre na Zona Leste. E ninguém mexia com o José; ele guardava uma peixeira de 70cm atrás do balcão, e diziam que ela já tinha sido usada algumas vezes no passado, logo quando o estabelecimento foi aberto. Talvez o povo falasse demais, não é mesmo?
Mas teve uma semana diferente. Estava chovendo. Nada muito torrencial, apenas uma garoa persistente, chata, melancólica. Gotas tristes que caíam sobre as telhas de amianto do bar. José sentou em sua poltrona judiada e ligou a televisão de 14 polegadas. Estava passando aqueles noticiários sensacionalistas. Ele se virou e olhou pela janela; estava tudo tão cinza quanto uma lâmina. Decidiu que não abriria o bar. Estava de saco cheio daquilo. Beirando os setenta, estava na hora de sentar e relaxar.
Bateram na sua porta.
- Porra Bigode! Vai abrir hoje não? - disse uma das mulheres que vinha toda segunda.
Não, ele não iria abrir.
- Me vende uma barrigudinha aê. Eu pago pra você dia vinte...
Não, ele não iria vender mais fiado.
- Porra Bigode, mó vacilo! Eu sempre te pago, caralho!
Não, ela não pagava. Mas havia um jeito. José sabia que era solitário. Sua mulher havia falecido há uns dois anos. Ele disse que dava a barrigudinha se ela desse o cu para ele.
- QUÊ? TÁ MALUCO, BIGODE?
Só o cuzinho, porra.
- Mano... - ela disse, olhando para um lado e para o outro. - Sê é maluco, cara. Cê tá chapando...
Iria ser rápido. Ela subia, tirava a roupa, deitava na cama de molas com um colchão rasgado e ficava de quatro. Era só isso e a barrigudinha seria dela.
- Aí, eu até faço isso, mas só se for por três barrigudinhas...
José concordou e abriu a porta para ela. Eles subiram e ela tirou sua blusinha verde-neon e sua calça jeans cheia de brilhos. Deixou os brincos rosas e o rabo de cavalo ressecado do jeito que estavam. Deitou de bruços na cama e disse para o Bigode ir logo. O corpo dela estava gasto e caído. Ela tinha cicatrizes nas costas e na cintura, e pelos. Muitos pelos. José não se incomodou. Abaixou as calças e cuspiu no pau. Nada de vaselina; ia ser no cuspe mesmo. O colchão fazia um "nhec, nhec, nhec" meio desafinado. E depois de alguns tapas e de alguns apertões, José gozou. Era tanta porra que ele parecia chuva. As gotas caíram desde a bunda dela até a nuca.
- Tava carregado, heim? - ela disse, indo pro banheiro.
José desceu e pegou três barrigudinhas. Botou numa sacola qualquer. Ela desceu e pegou a sacola.
- Me arranja um Eight aí, Bigode?
Ele pegou um maço e deu dois cigarros para ela.
- Valeu!
O bar permaneceu fechado durante toda a madrugada de segunda para terça.
O nome dela era Valéria. Ela tinha um caso com um cara qualquer da quebrada, um sem muita importância. Ela começou a frequentar o bar com mais frequência, antes do horário de abrir. José e Valéria repetiam a dose todas as segundas, e algumas vezes de quarta e de domingo. Até que José se cansou de pagar cu com cachaça.
- Vai se foder então, seu arrombado do caralho! Cê tá fodido! - ela gritou, batendo na porta de aço antes de ir embora.
José subiu, abriu uma gaveta do armário da sala, tirou um saco lá de dentro e espalhou o conteúdo em cima da mesinha entre a poltrona e a TV. Pegou um cartão e fez uma carreira. Mandou pra dentro. Estava tudo bem agora; aquela puta não podia fazer nada. E se ela viesse, tinha a peixeira atrás do balcão. Um facão enorme e recém afiado.
Ele desceu e serviu uma dose de Velho Barreiro. Depois outra. E então mais uma antes de levantar as portas do bar.
Chovia naquela terça-feira. Estava dando a hora de abrir o bar, mas José decidiu deixar pra lá. Bateram na sua porta. Era um cliente, um magricela beirando os quarenta.
- Aê Bigode! Num vai trabalhar não?
José perguntou o que ele queria.
- Mano, é o seguinte; eu fui ali na viela, na praça e em todas as bocas. Tá tudo fechado, mano! E eu tô louco pra dar um tiro, parça! Me arranja um pouco aê? Te dou dez conto mano, até vinte se for preciso.
José olhou para o pré-cadáver em sua frente. A criatura estava mesmo desesperada. José subiu, colocou um pouco do pó dentro de outro saquinho e entregou pro homem. Cobrou vinte.
- Porra mano, só por isso daqui? Cê tá doido?
Era pegar ou largar.
- Caralho, assim cê quebra minhas pernas. Toma aí essa porra - o homem disse, entregando duas notas de dez de uma forma estranhamente lenta.
Antes que José pudesse fechar a porta, dois civis saíram de um carro parado próximo ao bar e vieram abordá-lo. O magricela saiu correndo.
- É flagrante, Bigode. Cê vai pra DP - um dos civis disse. - A não ser que...
O suor escorria da testa de José.
- A não ser que você queira resolver isso de outra forma - continuou o policial. - Cê sabe como resolver, né?
José perguntou quanto.
- Não é "quanto"; é "o quê".
- Cê vai dar o cuzinho pra gente - disse o outro policial. - Agora. Ou a gente vai até a DP. É aqui pertinho...
José perguntou, gritou, esmurrou a parede, insistiu em dar grana. Não havia jeito; ou era isso ou era a cadeia. Deixou que os policiais entrassem. José ainda tentou persuadi-los, mas eles estavam decididos. José deitou de bruços na cama depois de abaixar as calças.
- Fica de quatro, porra - um dos policiais falou, abaixando as calças e cuspindo no pau.
Os policiais se revezavam. Um deles ficava repetindo "E agora, José? Heim? E agora?".
José virou a cabeça e olhou a janela; a chuva tinha ficado mais forte.
Valéria não foi mais vista naquela região.
quarta-feira, 9 de agosto de 2017
INDECISÃO NÃO DÁ BRISA
Eu tento pensar sobre
o que fazer com meu tempo.
É difícil gastar quando
você não sabe o quanto tem
na conta.
Sempre que boto minha bunda no
chão de algum lugar isolado,
eu nunca consigo parar.
Acendo um cigarro,
rascunho uns versos,
vejo a beleza em formas ruivas,
em tristeza, em sorriso,
em uma roupa rasgada.
E a resposta fica pra depois.
Ela sempre fica pra depois e
quando eu converso com alguém eu
nunca sei o que fazer ou o que ser.
Eu só queria que fosse mais simples,
que fosse mais palpável,
que fosse genuíno quando digo
"estou bem".
ALGO ESTÁ ROUBANDO MINHA VITALIDADE
Quando abandonam a rua e eu
estou alí para confortá-la
(e buscar um conforto),
meus melhores amigos
são meus vícios.
Eu vou pra livraria e pego um
Bukowski.
Leio umas três páginas,
cinco poemas e
penso em enfiá-lo na minha mochila.
Poesia de graça.
Não sem pagar com um coração
esmurrando meu tórax e com
uma bigorna no meu
sistema nervoso.
Talvez não valha a pena.
Deixo o livro em seu devido lugar,
na prateleira empoeirada nos cantos,
assistida por estes olhos
que não olham para mim.
quinta-feira, 20 de julho de 2017
CRU
Você não é uma pessoa linda
só por causa da maquiagem.
Maquiagens e rostos não
me convencem.
Você é mais do que isso.
Limpe-se.
Deixa eu te ver de forma nua e
crua.
Sem depilar a própria
natureza.
Sem mascarar a própria
incerteza, e a fragilidade
que te torna
alguém para se amar.
Não quero esconderijos.
Quero mostrar, gritar e persistir
no que somos
enquanto dormimos e
as paredes nos cantam
seu silêncio.
EXISTA
Porque é a única opção
que te resta.
Mas faça isso com vontade.
Não deixe um trabalho
meia-boca;
exista até que a
última gota caia
no copo.
Seja a melhor existência
que você possa conhecer.
Inspire.
Espalhe.
Marque.
Como uma queimadura
na ponta dos dedos.
Na ponta compartilhada.
No rolê, no contato,
naquilo que causa.
Exista, e continue existindo.
Continue viajando
na sua ou na terra.
Nos sonhos de quem
te desejar e
nos pesadelos de quem
não te entender.
Você é sim só mais um tijolo,
mas que isso não te impeça
de ser o tijolo que mais existe
no muro.
E que este muro caia um dia,
para que possamos existir
uns com os outros,
uns para os outros,
de igual para igual,
sem medo de tragar
a própria essência.
terça-feira, 20 de junho de 2017
EU TÔ BEM
Vivemos pela continuidade.
Estamos no meio, e
é isso que importa.
Aonde aquela conversa vai te levar?
Aonde caminhar de manhã
vai te levar?
Este não é o ponto.
Todos te desejam
"Boa viagem", e não
"Boa chegada".
A vida só existe para viver,
e um gole de café ou
um namoro de duas semanas
são valiosos por eles mesmos.
Afinal, qualquer merda
vale a pena.
Anote isto.
CANTINHO DO VALE
traz a brisa exata
de quem erra num dia
pra se perder numa vida.
Conheço gente caindo
e gente subindo.
No fundo do poço ou
com grana no bolso.
Os parceiros cumprimentam
e dão um corte que aguentam
regando em vinho o tempo
pra sentir o momento
ou o vento.
Abraço gelado, cê faz do seu jeito.
Fumado ou cheirado
não importa o sujeito.
Prejudicado, calado,
dopado, roubado
da liberdade de ver um irmão
sem se lembrar da prisão.
Tá todo mundo preso.
Ninguém sai ileso.
A vida te derruba,
mas mesmo assim cê se arruma,
subindo no skate,
fumando um Eight.
Salve parceiro,
sempre olhe pra frente.
Porque alí tem caminho e
cê não tá mais sozinho.
Compramos um vinho
pra saudar o abismo.
ELES ME CONHECEM
que me conhece.
Não é recíproco.
Fico sem graça em não lembrar
do nome ou da situação.
Me desculpe.
É que na maior parte do tempo
estou pensando no sentido da vida.
Minha mente se esconde
no canto sombrio dos pensamentos.
Você sabe; aquela voz que
diz que tudo vai dar errado,
nada tem valor,
a humanidade é triste e
tudo mais.
E eu não consigo prestar atenção
no momento.
Isso me rende mais poemas,
mas é um preço alto a se pagar.
Eles me conhecem, mas eu
não os conheço.
Eu não conheço ninguém.
Eu não conheço nada.
Eu não me conheço.
ARROGÂNCIA
Eu era uma delas, e então enjoei. Foi numa noite em que eu não queria mais tocar em ninguém. Simplesmente acontece: você não quer mais a respiração delas e as suas palavras martelando seus ouvidos cansados. Você busca a solidão e faz amor com ela sete dias por semana. Todo mundo é tolo demais, raso demais, chato demais. E é então que você sente algo parecido com ódio. E este ódio vira tristeza. Desesperança. Não há ninguém pra conversar; é tudo besteira, vai passar. Enquanto não passa, que tal um jogo de desafios?
sábado, 20 de maio de 2017
DESINTERESSE
Você é desinteressante enquanto eu não enxergar arte em você. E não é só contigo; todo mundo é um saco de tédio na superfície. Veja bem, eu não estou louvando os artistas. Tem muito Zé-poeta por aí que é tão fascinante quanto a merda que eu deixei na privada hoje de manhã.
Sério, não puxe assunto comigo para saber onde estudei, onde moro, o que eu gosto de escutar. Pois eu não quero saber disso sobre você. Eu quero você andando na calçada, com pressa, pensando se trancou a porta de casa antes de sair. Eu quero você em um sofá de couro, fumando um provável último cigarro. Eu quero a sola do seu tênis entrando em uma biqueira.
Não me coloque numa conversa fútil; apenas deixe eu escutar seu sotaque de outro estado, seus lábios encostando num copo mal-lavado, seu olhar triste e cansado analisando meu rosto.
O que eu quero deste mundo não é físico. Isso é apenas sobrevivência, como almoçar fora ou fumar um palheiro. Não, isso é besteira. O que realmente me atinge é quando eu escuto "When the Levee Breaks" às 4 horas da manhã, depois de transar comigo mesmo. E eu sento na cama e percebo meu desinteresse com a rotina, com o papo furado, com suas realizações. O solo de gaita ecoa dentro de mim. Sinto os pêlos do meu braço se erguerem. Estou assumindo o meu "eu" que está pouco se fodendo pra você ou para o que você deseja de mim.
Não é que eu te queira mal; sou incapaz de prejudicar alguém conscientemente. Quando eu prejudico, é por simples acaso. Então não se preocupe. Só me mostre um pouco de essência para eu transformar este momento em uma pintura.
É só assim que funciono. É só assim que eu fico realmente de bem com a vida.
Todo o resto é atuação.
sábado, 8 de abril de 2017
O INSETO QUE AMEI
Ela parecia perigosa, e eu fiquei assustado com as suas intenções. Por sorte eu fumava um cigarro roubado; barofei em cima dela, para afungentá-la. Mas a Isabela simplesmente pousou na tela da janela e ficou alí, tragando o cigarro junto comigo. Não havia inseticida, então tive de improvisar. Borrifei o pior dos meus perfumes, mas ela não se mexeu. Tirei minha camiseta e bati na tela; a Isabela apenas se esquivou e voltou para onde estava. Maldita insistência!
Tentei, em um ato desesperado, jogar minha cerveja em cima dela, o que foi inútil. Parecia até que ela estava gostando daquilo. Ela gostou do meu cigarro, do meu perfume e da minha cerveja; isso já era muito mais do que a última pessoa que eu tentei conquistar. Quando vi, eu não queria mais que ela fosse embora. A gente tinha os mesmos gostos, a mesma esperança miserável.
Perguntei como ela estava e ela respondeu que tudo caminhava bem. Demos boas risadas. Ela me ajudou com este texto, e com diversos outros. Minha doce Isabela tinha asas mas escolheu pousar em mim. E eu a amei por isso. Minha solidão gostou da solidão dela.
Foi então que uma outra mosca apareceu. Acho que era um zangão. Ele era bem maior do que a Isabela, mas quase idêntico. Ele pousou na tela da janela, ao lado da minha mosca. Ela olhou para mim, bateu as asas e apontou seu pseudo-ferrão pro meu rosto. Estava brava com o que eu era, com a minha indecência, com a babaquice, com o meu amor.
O zangão a levou para longe, para outro estado; da Isabela só restaram os textos e as lembranças de um afeto...e...
Merda! Eu não consigo concluir essa história!
quarta-feira, 5 de abril de 2017
A FANTÁSTICA ARTE DE NÃO SENTIR NADA
Eu falo muito sozinho.
A diferença é que eu
anoto essas conversas e
as chamo de "poemas".
Como daquela vez que fulano
olhou os gatos brincarem com
o fio do telefone.
Ele não sentiu nada.
Há tempos não sentia nada.
Estava vedado pela ansiedade,
por pensar demais.
Batiam palmas no seu portão e
ele não atendeu.
Qual é o melhor remédio?
Palavras repetidas?
Ele pensou e pensou e pensou.
Não chegou em nenhuma conclusão;
já estava na hora de voltar ao
trabalho.
sexta-feira, 17 de março de 2017
O RIDÍCULO NÃO EXISTE
É só uma idéia que botam na
sua cabeça pra você deixar
de ser quem você é.
Hoje eu caí da escada.
Andei de costas no meio da rua.
Perdi o último trem e
liguei pra ex.
Não arrumei os cabelos.
Vesti duas meias diferentes e
cantei em cima da mesa.
Tudo o que meu "eu" disse
para eu fazer, eu fiz.
E nenhuma dessas coisas deu certo.
Nenhuma delas foi elegante.
Mas tinham estilo,
coragem, reação.
Apenas pare de tentar ser foda.
Somos imperfeitos demais
para isso, e é aí que está
o pulo do gato.
terça-feira, 14 de março de 2017
ROCK
Só me faça insano mais uma vez.
Andei por aí e descobri que
a vida é uma grande revolta.
Gritar com o máximo dos pulmões, do
fígado, do pâncreas.
E eu quero o meu lugar.
A porra do meu lugar nesta porcaria toda.
É um mundo cruel e eu aprendi a lição;
meus dedos estão calejados e é
proibido fazer silêncio.
É proibido deixar como estar.
É proibido desistir.
Eu vou com tudo pra cima de
multidões e de pessoas no poder.
Se a regra é injusta, se ela me tira a
liberdade de acordar meus vizinhos,
de exibir os meus dentes e o meu sexo,
então eu boto
a porra do muro abaixo
até que todos os ouvidos
prestem atenção nos meus acordes.
segunda-feira, 13 de março de 2017
SOLIDÃO
Não, eu não vou dizer que me sinto só. Não é sobre isso. Na realidade eu tenho ótimas pessoas ao meu redor. Ótimos pais, ótimos amigos e ótimos desconhecidos. É que eu acho que entendi: vou morrer sozinho. E querendo ou não, sempre estou comigo mesmo. Distribuo meus textos sozinho. Durmo sozinho. Penso sozinho. E eu gosto, mesmo que as pessoas me digam: "nossa, você precisa sair mais" ou "você precisa responder os outros". É uma questão de autonomia, sabe? Porque é só quando eu tô sozinho que eu sou eu mesmo. Não preciso sorrir do que não é engraçado, concordar com o que discordo, brigar, argumentar, botar uma máscara. Não preciso dizer que gosto do Drummond (na realidade eu nem gosto de ler, olha só que ironia). Eu preciso de aceitação pra sobreviver, pra não afugentar as pessoas desse meu "eu" que, na maioria das vezes, não se importa se seu dia foi bom ou não. Sim, eu tô me fodendo pro seu final de semana, ou com o que você trabalha, ou com o seu nome. É isso o que sou sozinho. E essa parte pensa em suicídio toda vez que é forçada a se esconder. Então eu a agrado, passando horas e horas no meu quarto. Uma questão delicada. Eu nem iria escrever isso daqui se não fosse por ela, mas uma hora tudo o que você engole tem que sair por algum lugar. Ser sozinho é sobre não querer mentir para os outros.
A bateria do meu celular está acabando. Vou ter que desligar. Até mais. Beijo.
terça-feira, 24 de janeiro de 2017
O DIA EM QUE TRANSEI COM A FUMAÇA DO MEU CIGARRO
Quando você passa um tempo só, começa a se perguntar, a pensar, a filosofar sobre tudo o que te destrói. E vem a vontade de acender um cigarro, acompanhando um pseudo suicídio interno. Ficar inteiro é muito difícil, e boa parte do tempo eu procuro uma forma de ser mais parecido com o mundo.
Estou olhando a janela do meu quarto, e o dia que se estende lá fora. Começo a soltar bolinhas com a fumaça do meu cigarro. Elas são perfeitamente redondas e perfeitamente voam para fora do meu quarto. O contraste com a luz lhe dá uma forma sublime, quase uma dança, um strip cinza. Minha querida fumaça, me matando aos poucos como qualquer mulher pode me matar.
Decido me masturbar. Não é uma masturbação; é o que chamam de amor. Não estou só, afinal: veja como ela rebola na minha frente, encostando aos poucos na minha pele, habitando meu corpo de dentro pra fora e de fora pra dentro. Começo a trabalhar, e com o cigarro no canto da boca, baforo em cima do meu pau. A sensação é ótima. É melhor do que observar pessoas rígidas nas calçadas.
Quando estou prestes a terminar, tento gozar em cima dela, mas infelizmente minha ejaculação não sai forte o suficiente. O cigarro apaga. Eu me limpo com papel higiênico e ela desaparece entre o mofo das paredes. Todas elas vão embora um dia. Mas como a fumaça tóxica, ficam dentro do meu peito, me mudando para sempre.
PERFUME
Sua calça estava guardada num destes lugares improvisados (uma caixa de papelão). Com apenas duas peças no arsenal, deixou a que mais usara em um canto para lavar depois. Era hora de usar uma calça diferente da que ele tinha usado nestas duas últimas semanas. Vestiu-a. Estava com um cheiro peculiar, um cheiro nem de mofo e nem de roupa limpa; parecia plástico velho, não muito agradável aos sentidos. Pensou em borrifar seu desodorante corporal por cima dela, só para disfarçar, mas desodorantes custavam muito. "Que se foda", pensou, e foi até seu computador observar a vida dos seus seiscentos e poucos amigos. Não era interessante, nada que o fizesse esboçar um sorriso ou que o fizesse esquecer dos próprios temores. Na realidade, esse hábito acentuava suas inseguranças. Tanto que decidiu fazer companhia à um cigarro de quinta. Um que soltava mais fumaça do que o normal (logo seu quarto virou uma névoa tóxica). "Qual cheiro é melhor?", indagou a si mesmo, "o cheiro da minha calça ou o cheiro do cigarro?".
Como se fosse um incensso, ele decidiu usar seu cigarro para perfumar sua roupa. Um cheiro memorável, original; todos que sentissem cheiro de nicotina saberiam que ele estava por perto. Uma forma genial de deixar sua marca no mundo. Melhor do que escrever. Melhor do que ser famoso, salvar vidas (e a própria vida), ser alguém para os outros. Simplesmente ser um cinzeiro ambulante, um apanhado de lamentações que se vê no meio de outras criaturas insatisfeitas.
Uma fina garoa começou a cair, e da janela ele pode observar a calçada e o asfalto se umedecendo aos poucos.
sábado, 21 de janeiro de 2017
CONFORME TUDO
eu tenho mais sangue do que
em qualquer outro lugar
do tempo e do espaço.
E eu poderia começar
um universo novo
se quisesse.
Mas tenho preguiça demais
para recomeçar.
Prefiro me conformar.
E não me julgue por isso,
porque você também prefere.
Caso contrário tudo já estaria diferente.
Além disso, reclamar é um vício
muito difícil de abandonar.
E o copo espumou
demasiadamente
enquanto ele continuava falando.
A MAGNÍFICA LISTA DE UMA CRIATURA QUALQUER.
2) vamos conversar assim:
3) eu listo e você me lê.
4) Quero dar orgulho para minha família.
5) O problema é que eu sou poeta,
6) e poetas têm de jogar seus orgulhos fora.
7) Eu odeio o número sete.
8) Meu gato perdeu as sete vidas de uma vez,
9) e isso me fez pensar se
10) eu deveria te chamar logo para sair.
11) Sinto muita saudade do que você era.
12) Sinto falta do que eu era enquanto você
13) me deixava louco.
14) Mas você se perdeu em algum lugar do passado,
15) e dizem que o passado deve ser deixado pra trás.
16) Principalmente 2016.
17) Vamos ver no que vai dar. E obrigado.