Ele tinha um boteco no meio da quebrada e um bigode que cultivava há 50 anos. Os pelos começaram aos 16 anos e as bebidas aos 12. Ninguém sabe o motivo dele ter aberto um bar. Talvez fosse o sonho dele. Talvez ele teve sorte ao experimentar a cachaça do pai abusivo quando criança. Ele tomou um copo daquilo e deve ter pensado "é esse o meu sonho".
José morava no andar de cima do bar. E por 20 anos, ele abria as portas de segunda à segunda, no final da tarde. Sua clientela era fiel. Não muito boa em pagar suas dívidas, mas pelo menos ela estava lá toda sexta-feira. Alguns batiam o cartão até de segunda.
- Vê uma com limão aê, Bigode - um dos clientes falava para José, pedindo para que pendurasse na conta aquela dose.
Não ganhava muita grana, mas pelo menos ele dava umas risadas com as filosofias de seus clientes. Tinha gente que dizia que era militar, que um dia usaria o rifle guardado em casa para atirar na polícia. Outros estavam na condicional, esquentando a garganta para mais um corre na Zona Leste. E ninguém mexia com o José; ele guardava uma peixeira de 70cm atrás do balcão, e diziam que ela já tinha sido usada algumas vezes no passado, logo quando o estabelecimento foi aberto. Talvez o povo falasse demais, não é mesmo?
Mas teve uma semana diferente. Estava chovendo. Nada muito torrencial, apenas uma garoa persistente, chata, melancólica. Gotas tristes que caíam sobre as telhas de amianto do bar. José sentou em sua poltrona judiada e ligou a televisão de 14 polegadas. Estava passando aqueles noticiários sensacionalistas. Ele se virou e olhou pela janela; estava tudo tão cinza quanto uma lâmina. Decidiu que não abriria o bar. Estava de saco cheio daquilo. Beirando os setenta, estava na hora de sentar e relaxar.
Bateram na sua porta.
- Porra Bigode! Vai abrir hoje não? - disse uma das mulheres que vinha toda segunda.
Não, ele não iria abrir.
- Me vende uma barrigudinha aê. Eu pago pra você dia vinte...
Não, ele não iria vender mais fiado.
- Porra Bigode, mó vacilo! Eu sempre te pago, caralho!
Não, ela não pagava. Mas havia um jeito. José sabia que era solitário. Sua mulher havia falecido há uns dois anos. Ele disse que dava a barrigudinha se ela desse o cu para ele.
- QUÊ? TÁ MALUCO, BIGODE?
Só o cuzinho, porra.
- Mano... - ela disse, olhando para um lado e para o outro. - Sê é maluco, cara. Cê tá chapando...
Iria ser rápido. Ela subia, tirava a roupa, deitava na cama de molas com um colchão rasgado e ficava de quatro. Era só isso e a barrigudinha seria dela.
- Aí, eu até faço isso, mas só se for por três barrigudinhas...
José concordou e abriu a porta para ela. Eles subiram e ela tirou sua blusinha verde-neon e sua calça jeans cheia de brilhos. Deixou os brincos rosas e o rabo de cavalo ressecado do jeito que estavam. Deitou de bruços na cama e disse para o Bigode ir logo. O corpo dela estava gasto e caído. Ela tinha cicatrizes nas costas e na cintura, e pelos. Muitos pelos. José não se incomodou. Abaixou as calças e cuspiu no pau. Nada de vaselina; ia ser no cuspe mesmo. O colchão fazia um "nhec, nhec, nhec" meio desafinado. E depois de alguns tapas e de alguns apertões, José gozou. Era tanta porra que ele parecia chuva. As gotas caíram desde a bunda dela até a nuca.
- Tava carregado, heim? - ela disse, indo pro banheiro.
José desceu e pegou três barrigudinhas. Botou numa sacola qualquer. Ela desceu e pegou a sacola.
- Me arranja um Eight aí, Bigode?
Ele pegou um maço e deu dois cigarros para ela.
- Valeu!
O bar permaneceu fechado durante toda a madrugada de segunda para terça.
O nome dela era Valéria. Ela tinha um caso com um cara qualquer da quebrada, um sem muita importância. Ela começou a frequentar o bar com mais frequência, antes do horário de abrir. José e Valéria repetiam a dose todas as segundas, e algumas vezes de quarta e de domingo. Até que José se cansou de pagar cu com cachaça.
- Vai se foder então, seu arrombado do caralho! Cê tá fodido! - ela gritou, batendo na porta de aço antes de ir embora.
José subiu, abriu uma gaveta do armário da sala, tirou um saco lá de dentro e espalhou o conteúdo em cima da mesinha entre a poltrona e a TV. Pegou um cartão e fez uma carreira. Mandou pra dentro. Estava tudo bem agora; aquela puta não podia fazer nada. E se ela viesse, tinha a peixeira atrás do balcão. Um facão enorme e recém afiado.
Ele desceu e serviu uma dose de Velho Barreiro. Depois outra. E então mais uma antes de levantar as portas do bar.
Chovia naquela terça-feira. Estava dando a hora de abrir o bar, mas José decidiu deixar pra lá. Bateram na sua porta. Era um cliente, um magricela beirando os quarenta.
- Aê Bigode! Num vai trabalhar não?
José perguntou o que ele queria.
- Mano, é o seguinte; eu fui ali na viela, na praça e em todas as bocas. Tá tudo fechado, mano! E eu tô louco pra dar um tiro, parça! Me arranja um pouco aê? Te dou dez conto mano, até vinte se for preciso.
José olhou para o pré-cadáver em sua frente. A criatura estava mesmo desesperada. José subiu, colocou um pouco do pó dentro de outro saquinho e entregou pro homem. Cobrou vinte.
- Porra mano, só por isso daqui? Cê tá doido?
Era pegar ou largar.
- Caralho, assim cê quebra minhas pernas. Toma aí essa porra - o homem disse, entregando duas notas de dez de uma forma estranhamente lenta.
Antes que José pudesse fechar a porta, dois civis saíram de um carro parado próximo ao bar e vieram abordá-lo. O magricela saiu correndo.
- É flagrante, Bigode. Cê vai pra DP - um dos civis disse. - A não ser que...
O suor escorria da testa de José.
- A não ser que você queira resolver isso de outra forma - continuou o policial. - Cê sabe como resolver, né?
José perguntou quanto.
- Não é "quanto"; é "o quê".
- Cê vai dar o cuzinho pra gente - disse o outro policial. - Agora. Ou a gente vai até a DP. É aqui pertinho...
José perguntou, gritou, esmurrou a parede, insistiu em dar grana. Não havia jeito; ou era isso ou era a cadeia. Deixou que os policiais entrassem. José ainda tentou persuadi-los, mas eles estavam decididos. José deitou de bruços na cama depois de abaixar as calças.
- Fica de quatro, porra - um dos policiais falou, abaixando as calças e cuspindo no pau.
Os policiais se revezavam. Um deles ficava repetindo "E agora, José? Heim? E agora?".
José virou a cabeça e olhou a janela; a chuva tinha ficado mais forte.
Valéria não foi mais vista naquela região.