Sua calça estava guardada num destes lugares improvisados (uma caixa de papelão). Com apenas duas peças no arsenal, deixou a que mais usara em um canto para lavar depois. Era hora de usar uma calça diferente da que ele tinha usado nestas duas últimas semanas. Vestiu-a. Estava com um cheiro peculiar, um cheiro nem de mofo e nem de roupa limpa; parecia plástico velho, não muito agradável aos sentidos. Pensou em borrifar seu desodorante corporal por cima dela, só para disfarçar, mas desodorantes custavam muito. "Que se foda", pensou, e foi até seu computador observar a vida dos seus seiscentos e poucos amigos. Não era interessante, nada que o fizesse esboçar um sorriso ou que o fizesse esquecer dos próprios temores. Na realidade, esse hábito acentuava suas inseguranças. Tanto que decidiu fazer companhia à um cigarro de quinta. Um que soltava mais fumaça do que o normal (logo seu quarto virou uma névoa tóxica). "Qual cheiro é melhor?", indagou a si mesmo, "o cheiro da minha calça ou o cheiro do cigarro?".
Como se fosse um incensso, ele decidiu usar seu cigarro para perfumar sua roupa. Um cheiro memorável, original; todos que sentissem cheiro de nicotina saberiam que ele estava por perto. Uma forma genial de deixar sua marca no mundo. Melhor do que escrever. Melhor do que ser famoso, salvar vidas (e a própria vida), ser alguém para os outros. Simplesmente ser um cinzeiro ambulante, um apanhado de lamentações que se vê no meio de outras criaturas insatisfeitas.
Uma fina garoa começou a cair, e da janela ele pode observar a calçada e o asfalto se umedecendo aos poucos.