terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

EU ME CANCELO

Quando tinha 11, eu gostava de uma vizinha minha. Estudávamos juntos, na mesma sala. Marcamos um "encontro" depois da aula. Ela apareceu, mas no dia seguinte me deu um fora. Gritei com ela e fiz um escândalo. Todos os alunos pararam pra assistir. Ela entrou no ônibus escolar e eu fiquei batendo no vidro até ela gritar que me odiava. Na volta pra casa, o meu condutor puxou meu pai de canto e disse "Seu filho fez mó barraco lá hoje, conversa com ele". Engraçado que eu não lembro da conversa que meu pai teve comigo. 

Ultimamente tenho pisado na bola com muitas pessoas. Achei que fosse por causa do abuso de álcool, dos poemas, carência, ansiedade. Só que eu lembrei que nunca bati bem da cabeça. São brigas, decepções, guerras e frustrações. Sempre envolvendo uma dessas quatro coisas: 

1 - MELODRAMA

Uma vez briguei com meu primo porque ele contou uma coisa para todos os meus amigos, menos para mim. Falei que ele não confiava em mim, e que não poderíamos mais ser amigos. Quando cheguei em casa, arrebentei o violão que ele me deu de presente na parede do meu quarto. Meu pai teve que me imobilizar. Depois eu descobri que meu primo só estava com medo da minha reação. 

2 - INSEGURANÇA

Na adolescência, meus pais, meu outro primo, sua namorada e eu costumávamos sair todo domingo para passear no shopping. O casal ia se comendo do meu lado no banco de trás do carro enquanto meus pais me cobravam: "quando você vai arranjar uma namorada?". Muitas vezes eu começava a chorar do nada, sem poder dizer que eu me sentia um merda comparado ao meu primo e sua namorada perfeita. Até que, um dia, enquanto eles transavam na minha sala, eu sai do meu quarto com um copo de água gelada e joguei neles. Meu pai brigou comigo, minha mãe só consentiu e a minha insegurança só cresceu. "Meu pai sente mais orgulho do meu primo do que de mim". Um sentimento que, quase 20 anos depois, eu ainda possuo de vez em quando.

3 - INVEJA

Minha amiga estava passando por uns problemas pessoais. Eu fui lá, e dei alguns conselhos. Depois mais alguns. E então comecei a jogar um monte de "verdades" na cara dela. Tudo isso porque eu me sentia inferior à ela e queria botá-la pra baixo. Assim eu estaria acima dela, o "mestre dando conselhos pro pupilo". Só agindo dessa forma que eu me sentia um pouco melhor comigo mesmo. E não, ela não foi a única pessoa com quem fiz isto. Ninguém escapava dos meus "conselhos" pois, de alguma forma, todo mundo era melhor do que eu. A inveja era a bicicleta que eu usava para atravessar a vida. As bicicletas dos outros sempre eram mais sofisticadas que a minha Então eu furava os pneus, roubava, derrubava.

4 - RAIVA

Eu sempre achei que meu valor estava no bom funcionamento das coisas. Nos resultados positivos. Jamais desisti de um problema sem solução. Jamais assumi que eu não sabia ou não podia resolver um empecilho. Isso me faz sentir raiva até quando erro o padrão da senha do meu celular. Não posso errar nem posso estar errado. NUNCA. Se eu falhei, a culpa é sua. Isto é, SE eu falhasse. Aliás, por que você sempre tá agindo errado? Por que você não faz o que eu quero que você faça? Hein, seu filho da puta? (Foi mais ou menos assim que briguei com meu padrasto recentemente).

Há outros erros cometidos além destes, mas eles sempre estão ligados à um destes quatro aspectos. Se sou ausente, é por insegurança. Se falei mal de você pelas costas, foi por inveja. Se gritei contigo, falei que nunca gostei de você ou que você nunca fez nada por mim, foi por raiva (de nós). É por isso que eu me cancelo. Cancelo este cara que comete os erros sem saber ou se perguntar o porquê. Cancelo um cara que nunca se entendeu, nunca soube dizer como foi parar naquele lugar. Cancelo um moleque escroto, mimado, invejoso, inseguro, para dar espaço à um novo homem. Um homem que sabe que seu valor nunca esteve na comparação, na manipulação, nos objetivos alcançados. Um homem que irá aplaudir pessoas em situações melhores que a dele, sem se sentir inferior. Trocará inveja e competição por admiração e inspiração. Abandonará esta síndrome de protagonismo aguda. 

Eu cancelo esta terra infértil, este poço escuro, o espírito perdido e deprimido, vítima de sí, para cultivar boas energias. Espalhar luz, arte, sorrisos. Mesmo que algo não funcione, que meu coração seja partido, que alguém aja de má fé. Tudo estará bem. Serei seguro na minha essência, e farei o melhor que puder agora, no presente. 

Muito obrigado à todos que me aguentaram até hoje.