sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

TÔ BEM MAS NÃO O SUFICIENTE

Eu tô bem mas não o suficiente
pra ser exatamente
o que devo ser.

Acordei feliz
dando risada.
Mas risada não paga
conta atrasada.

Se eu te fizer sorrir
talvez tenhamos chance
de dançarmos juntos
a valsa do desespero.

Fico sentado gastando
tempo no gasto do tempo e
tudo é desperdício.
Bebendo
sóbrio
fodendo;
qual é a diferença?

Na tarde moribunda o que morre
sou eu, um dia à menos pra
aprender o que já faço
quase sem querer.

Eu tô bem mas não o suficiente.
Não pra ser alguém
no resto do mundo.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A RUA MAIS QUERIDA

(para todas as almas loucas que conheci na Peixoto Gomide)

Onde antes haviam mesas,
agora há gente.
Muita gente.

Sexta-feira é assim:
Não há espaço pra pensar.
Ou você se joga no meio,
ou volta pra casa.

Eu me joguei no meio
e deixei
partes de mim
com o pessoal.
Gastaram-nas com litrões
e corotes.

Nas noites infernais 
conheci belíssimos anjos.
Lambi e chupei suas auréolas
como nunca.

Em noites mais amenas,
criei laços que me puxam
às mais carinhosas lembranças.
Pessoas que me incentivaram.
Que, em algum momento desta
história, me amaram assim
como eu as amei.

Quem vê de longe só vê bagunça.
Não estão errados;
é nessa bagunça que encontramos
nossos pontos de equilíbrio
.

A rua mais querida 
também é a mais odiada.
Digo: experimentem.
O metrô funciona até
mais tarde aos sábados.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

PONTO DE EBULIÇÃO

Cole em mim o chá,
nos olhos do cérebro.
Quem sabe assim esqueço
do que não foi dito?

Na madrugada o ferro
tapa buracos, as deixas
da ira, ponto de ebulição.
Tô pertíssimo.

Nenhuma grana e
nenhuma mensagem sua e
eu não sei
o que me custa mais.
Se também é falta de espírito,
amor, fé ou drogas.
Provavelmente o último.
Entorpecentes cagados
na sarjeta da boca
como moedas
num caça-níquel.

A chaleira apitou.

NÃO É TRAIÇÃO

Perdido no dia,
de cascos vazios.
O maço esgotado,
recuperando o fôlego
em alguma padaria
da quebrada.

O diabo sempre tá
disposto e pronto.
E Deus anda muito
ocupado ultimamente.
Não é traição;
é uma questão de preferência.
Cobrir ausência.
Necessidade obscura.

O capeta me manda
uma mensagem:
"traz vinho".
Ali, perto da casa dele,
tem um que é
baratinho.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

MOLEZA (PESO DO MUNDO)

Caminhando sem querer andar.
Deitando ali sem querer deitar.
Vivendo querendo matar
a ti mesmo como a todos
que falhou em amar.

Bagaço de energia.
Cansaço eremita. 
Moleza do vento levando
sem perspectiva
todo o resto do dia.

Molenga, molengudo
como o pau de
um avô viúvo.
Mole, 
alma no cofre.
Que o fumo bole,
que a brisa console,
as lombras controle.
Partiu então,
próxima estrofe.

Sem vitalidade, 
folha murcha,
cuspe na boca de lobo.
Encosto querendo o troco
e o pouco que sobra
não dura pro almoço.

Peso do mundo pra tudo.
Sentimento sujo.
O sujo falando do imundo;
O melhor escudo é
a TV no mudo.

Peso do mundo pra nós
perdendo a nossa voz
numa gritaria coletiva
(e quem tá errado mais atira).
Peso do mundo em nós.
Deixaram a gente à sós
na solidão feroz
de uma rotina cinza.

QUERO GENTE PRA MIM

Carbure como palheiro, sem filtros imaginários. Queime o mundo, fogo no mundo, chamas na hipocrisia. Depois me traga alguém.

Qualquer pessoa para dizer
olá
até logo
e
como você está
e ouvir mesmo,
de duas orelhas e tudo.

Não aguento mais me masturbar para as paredes sádicas de uma casa quarentenada pelo vírus do overthinking; o som da pele da bochecha ecoa até as traças.

Uma mulher e um homem
e vice-e-versa
para fumarmos
mato,
plantas,
dias.
Um ser humano e outro
praticando
humanidades.

( )

Nadica. 
Precisa ter,
mas tem não.
A fonte secou,
o sol arregou.
Para quem e
para quê?
Ah, abre a lata.
Vira a lata.
Sarjeta dos dias.

sábado, 13 de fevereiro de 2021

DESVANEIOS DESTRUTIVOS

Outro dia do apocalipse,
no fim das eras de rolê.
No fim do incerto caos externo,
para o começo do caos completo.
Corpo, mente e mundo numa massa
uniforme de sonhos estilhaçados.
O corpo mente o mundo.
A aniquilação espreitando
em cada esquina, em cada sina.
Cada frasco de desespero 
borbulhando colarinhos,
gastando todos os auxílios
da enorme e impotente
mão controladora.
Serenata em mil janelas
e dez mil panelas
no silencioso.
Sereno de ruas vazias,
bailes cheios,
guerra fria civil.

Outro dia do apocalipse,
a história teima em continuar,
sofrendo e sangrando tosses,
viroses. 
Caixões de papelão
sendo reciclados no
ferro-velho à sete palmos
do abismo.
Atuação vendendo mentira,
impondo verdades que
nunca aconteceram.
Reproduções tolas, estúpidas.
Programações igualmente pútridas.

O dia passa quieto. 
Formiga de canto, singelo.
Passa sem dizer que passou,
enquanto corroemos tudo,
tudo, tudo, tudo, tudo!

APRUMANDO-SE PARA NINGUÉM

Sangrei meu rosto na tentativa
de aparar os fios teimosos
que saem dos poros obstruídos
do meu rosto.

Quero ser mais bonito
(sim, eu sei que é exagero;
sou lindo de nascença,
segundo mamãe).

Quero estar no naipe,
três de paus,
para quando a solidão me
oferecer uma lata de Malta
(apenas um real e setenta
centavos, fato histórico
para vocês do futuro. 
Quanto é a breja aí?).

Aprumar-se como pombo desnutrido,
e manco, e cheio de piolhos,
e catarrento.
Já disse que sou lindo.
Tô só porque é só que se escreve.
Tô só só, ("so so" em francês).
Mas eu deixo chuvas babarem
em meu corpo frequentemente,
quando a mente quer descanso
ou implodir.
Caso sério, relacionamento
à céu aberto. 

Amo a chuva,
mas ela é adepta do poliamor.
Bem... vida que segue.

MOLHADO

Ei, 
viu 
a chuva
começando
bem devagar 
e então ficando forte do nada como se fosse a última chuva do universo enquanto eu me despeço de todos os meus amigos e queridos que jazem na terra molhada molhada molhada e fértil para os vermes e plantas e fungos Gaia com tesão querendo a língua do céu em sua gruta para parir novos e insanos gênios que irão enlouquecer aos 20 e perder tudo aos 30 e esquecer aos 40 se tiverem sorte e a chuva não para fica MAIS FORTE PEDRAS DE GELO LÁGRIMAS DE CRISTAL ARREBENTANDO O AMIANTO DAS TELHAS SOCORRO SOCORRO AS CASAS DESLIZAM NO BARRO EM QUE ADÃO FOI CRIADO E A EVA GULOSA BOTANDO A MAÇÃ PRA DENTRO MALDITA SERPENTE VENENOSA E INVEJOSA DÊ UM JEITO NELA JORGE DEIXA EU MORAR NA LUA PORQUE NA LUA NÃO CHOVE ASSIM SOCORRO SOCORRO SOCORRO EU TÔ TODO MOLHADO COMPLETAMENTE AFOGADO EM seus olhos que me acalmam e a chuva vai
ficando mais amena, pequeno choro tímido.
Chuva ficando mais dócil,
céu mais limpo,
até acabar.
Você viu?
Ei... 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

DESEJOS QUARENTENADOS

Entre uma falta e outra, o pedaço perdido mais valioso ficou no que é simples. Quero ver meus amigos e reuni-los junto à novas pessoas. E dentre os rostos dos novatos, chupar alguns lábios. Apaixonar-se é lucro, embora paixão faça falta em meus bolsos. 

Às vezes sinto cheiro de cloro e álcool. Logo uma piscina, bem grande, e a carne em todos os pontos. Apenas roupas de banho; nada de máscaras abafando o som do coral naquela canção marota dos anos 90. 

Abraços. Cumprimentar de coração com coração. Apertar forte até sentir batimentos da alma. Saber pressão e pulso. Encostar nariz e testa, fincar olhos um no outro e dizer "você é uma pessoa incrível, me dá um selinho".

Litrões na Augusta, na Peixoto Gomide, em qualquer boca de mosca. E dessa vez acompanhado; bebidas amargam mais na solidão. Despejar breja em copos de 500 ml e virá-los de uma vez se estiverem na mão esquerda. Misturar todos os sabores de Corote e alcançar as verdadeiras cores do universo.

Amigos em casa, na tarde chuvosa do tédio. Risos aleatórios sobre palavras soltas ao acaso. Nada de brigas. Mas, se houver, que todas acabem em vínculos fortalecidos (e se o desejo estiver presente, em fodas de reconciliação).

Muita foda pra gente; tá foda, mano. É de foder a mente.

Dinheiro e a oportunidade de obtê-lo. Nada de exagero; apenas nas doses cavalares de álcool no carnaval. Ah, um carnaval também não seria ruim. Exageros também no ridículo, pois este nem existe, é construção fútil de mentes preocupadas. Nos tropeços bêbados, nos atos apaixonados, na auto expressão do fantástico ser que nos habita: sejamos os mais ridículos, os mais tolos possíveis.

Entre uma falta e outra, o mundo inteiro é ausente. Sem a simplicidade, sem os caminhos até ela, perdemos o rumo da graça. Enlouquecemos sóbrios, trancados nos mesmos círculos. 

Aguardo ansiosamente o que desejo, como o único lugar aberto numa noite de feriado. Até lá, bebo uma latinha na sala.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

AÍ NÃO ADIANTA

Meu cérebro tá uma sopa
e as palavras vão se apoiando
em filetes de borracha
enquanto escapam
para linhas tortas.

Eu vejo o segredo
mas ele não me vê.
Aí não adianta.

Passei tanta noite
de olho aberto
e tanto dia
de olho fechado
que eu nem sei mais
a data das minhas crenças.
Nem a diferença entre
dor de espírito murcho,
que se sente sem sentir,
e dor de trairagem,
que impala o corpo como
corno de touro.

Aí não adianta.

Não sei se sou o canteiro
da avenida, um dos
pedestres na caminhada,
papel no bueiro ou
uma mistura brava
disso tudo e mais um pouco.
Não sei se estou cheio
ou se sou oco.
Meio sério, meio doido.
Desperto, tinindo no coma.
Como disse,
meu cérebro tá uma sopa.

Aí não adianta.

A VIDA TE ACONTECE

Você sabe,
a vida te acontece
você estando ciente ou não.
E hoje eu sai de casa
apenas por sair.
Não precisa ficar aqui
nem puxar assunto se
não quiser.
Tudo o que acontece
é lucro quando
não se espera nada
do nada.
Sempre há alguma coisa.
Você não será
a ultima pessoa.
Não que seja pouco,
mas o que não é à toa?
Até mesmo as abelhas
nos doces da vendedora.

Você sabe,
a vida te acontece
sem consentimento.
E hoje eu saí só
pra usar meu bloco de notas 
e paquerar uma rosa.
Só pra parecer um artista
de boa.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

NÃO QUERO SER MELHOR

A maior habilidade do humano é adaptar-se. E jogamos isto fora quando buscamos uma "personalidade", limitando-nos em três palavras: "eu sou assim". Prefiro mudar entre um minuto e outro. Como uma playlist no aleatório, dançando o que vier a estourar as caixas de som paralelas. Ou como um livro de poesia, onde, em algumas palavras, uma vida termina e outra começa. Metamorfoses ambulantes, já diziam há cinquenta anos atrás. 

A única peça comum que nos define é a arte, a expressão do ser. Ser, ser e ser até o talo, até o caroço. E aí lamber e chupar este caroço até desfazer-se em átomos. Eis um bom propósito para as almas perdidas, caminhando cinzas no império incolor dos colossos de concreto. 

Não quero ser melhor, me aperfeiçoar, se isto significar ter de deixar em cativeiro alguma asa minha. Quero apenas aprender a voar mais graciosamente. Autoajuda soa como adestração. Aprender o que dizer, o que pensar, quando e com quem. Se jogássemos fora nossos velhos conceitos, e apenas focássemos neste amor, nesta chama que em todos habita... Sim, esta força que nos faz sorrir quando um neném sorri pra gente, ou quando nossas mães faziam cafuné em nós, ou quando nos apaixonamos a primeira vez, querendo o bem do próximo como a nós mesmos; bem, o mundo seria mais escasso em problemas. E não que seja o planeta, mas o mundo humano, a odisseia infinita de miséria e insanidade. 

Larguemos o que nos prende! A cobiça! O abandono! A história que fizemos ser! Toda podridão que agarramos forte no colo e que carregamos por aí como se fizesse parte do nosso corpo! Não é mais, já foi. Todo agora é uma chance de adaptação, de ser parte de tudo. Não há você nem eu se não houver o resto, o imensurável resto do universo. Somos tão estrelas quanto quasares, buracos negros, supernovas. Quatro dimensões de vida. E eu não quero ser melhor, porque ser melhor do que isto é vaidade.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

UM CAFÉ, UM OMELETE E O RESTO

Um bem forte.
O dia é duro conosco.
Só o trem já
atiça aquele sono
mal dormido de
ontem pra hoje.

Um omelete sem recheio.
A geladeira quase 
tão vazia quanto
as promessas feitas.
Batatas que germinam
no fundo da gaveta.
O carro do ovo passou ontem.
Você, nunca mais.

Ração pros bichos.
Água pras plantas.
São vivos também.

E o resto pro acaso.
Ele protege os distraídos,
ouvi dizer.

BOM DIA PARA QUEM?

Não é porque estou de olhos abertos
que também estou desperto.

Não olhe para mim,
nem pro café que derramei
ou a torrada que,
bem,
torrei.

Não me pergunte nada.
O cérebro mais burro
do planeta no
corpo mais mole
da galáxia.
Um encontro raro.
Talvez seja por isso
que você ainda 
não me mandou
pra puta que pariu.
Mas se mandar
eu vou.

Espera minhas vistas
se acostumarem à luz,
a minha sanidade voltar
pro posto e
minha razão entender que
os deuses me deram
mais uma chance.

Aí a gente conversa.

CAMINHADA

Aplausos ao vão entre um
escuro e o outro.
Caminhada vespertina,
seguindo o sol cansado
após um chuvisco de verão.
As poças não mentem,
entregam a gente,
o de repente,
o rosto que sente.
Espelhos naturais como
os olhos da rua.
Tanta pessoa
numa esfera meio oval
e ainda assim tropeço
em você.

"Olha, não tá funcionando.
Melhor pararmos por aqui."

Palavras que a brisa trouxe.
Por que agora? 
Logo AGORA?

Palavras que cimentaram
toda a beleza. 
Acinzentaram todas as 
ondas do espectro.

Só restou a caminhada.
Sempre em frente.

PÓS-ROLÊ

Uma fina lâmina de luz 
cortando pálpebra e
cérebro seco. 
O bom-dia do dia 
amarga no corpo.
Estridente no crânio,
arenoso na língua,
grudento nos olhos.
Há uma cueca e
uma calcinha
no meu rosto
que não são minhas,
mas há mais pessoas
nuas aqui do que 
roupas íntimas.
Comida no teto.
Copos incertos.
Líquidos perigosos.
Cheguei, bebi e
em branco.
Nada.
Agora o fígado reclama,
fazendo o que pode,
sugando as forças nunca vistas.
O rosto verde musgo e...
onde deixei minha calça?

O MUNDO LÁ FORA

Com o maxilar meio dolorido
depois das preliminares,
eu me esfrego na entrada.
Pra cima e pra baixo.
Finjo que vou entrar.
Dou pauladas úmidas.

Ver você se contorcendo
em prazer, esticada
na minha cama como 
Deus deveria ser;
eu enlouqueço.

Enfio-me, segurando
sua cintura com uma mão
e o seus cabelos
com a outra.
Não consigo deixar
de beijar estes 
lábios meio-abertos que
expiram tesão.

Trabalho com força.
A cama faz um "nhec"
a cada meio segundo
enquanto o mundo
continua o mesmo
lá fora.

ACREDITANDO NO AMOR

Meu corpo e o seu
dançando juntos
sem tropeçar em
roupas.
Apenas pele, pelo, suor.
Apenas as paredes
e o eco dos
nossos gemidos.
Seu hálito quente
e ofegante 
sobre meu rosto e
pescoço e
peito.
Depois a língua
molhando a barriga
até chegar ao ponto.
A saliva que arrepia
até a nuca.
Pequenos beijos 
em grandes lábios.
Suaves, contracenando
com lambidas gulosas.
Deste jeito, dá até
para acreditar no amor.
Sim, nós amamos
foder um com o outro.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

EU ME CANCELO

Quando tinha 11, eu gostava de uma vizinha minha. Estudávamos juntos, na mesma sala. Marcamos um "encontro" depois da aula. Ela apareceu, mas no dia seguinte me deu um fora. Gritei com ela e fiz um escândalo. Todos os alunos pararam pra assistir. Ela entrou no ônibus escolar e eu fiquei batendo no vidro até ela gritar que me odiava. Na volta pra casa, o meu condutor puxou meu pai de canto e disse "Seu filho fez mó barraco lá hoje, conversa com ele". Engraçado que eu não lembro da conversa que meu pai teve comigo. 

Ultimamente tenho pisado na bola com muitas pessoas. Achei que fosse por causa do abuso de álcool, dos poemas, carência, ansiedade. Só que eu lembrei que nunca bati bem da cabeça. São brigas, decepções, guerras e frustrações. Sempre envolvendo uma dessas quatro coisas: 

1 - MELODRAMA

Uma vez briguei com meu primo porque ele contou uma coisa para todos os meus amigos, menos para mim. Falei que ele não confiava em mim, e que não poderíamos mais ser amigos. Quando cheguei em casa, arrebentei o violão que ele me deu de presente na parede do meu quarto. Meu pai teve que me imobilizar. Depois eu descobri que meu primo só estava com medo da minha reação. 

2 - INSEGURANÇA

Na adolescência, meus pais, meu outro primo, sua namorada e eu costumávamos sair todo domingo para passear no shopping. O casal ia se comendo do meu lado no banco de trás do carro enquanto meus pais me cobravam: "quando você vai arranjar uma namorada?". Muitas vezes eu começava a chorar do nada, sem poder dizer que eu me sentia um merda comparado ao meu primo e sua namorada perfeita. Até que, um dia, enquanto eles transavam na minha sala, eu sai do meu quarto com um copo de água gelada e joguei neles. Meu pai brigou comigo, minha mãe só consentiu e a minha insegurança só cresceu. "Meu pai sente mais orgulho do meu primo do que de mim". Um sentimento que, quase 20 anos depois, eu ainda possuo de vez em quando.

3 - INVEJA

Minha amiga estava passando por uns problemas pessoais. Eu fui lá, e dei alguns conselhos. Depois mais alguns. E então comecei a jogar um monte de "verdades" na cara dela. Tudo isso porque eu me sentia inferior à ela e queria botá-la pra baixo. Assim eu estaria acima dela, o "mestre dando conselhos pro pupilo". Só agindo dessa forma que eu me sentia um pouco melhor comigo mesmo. E não, ela não foi a única pessoa com quem fiz isto. Ninguém escapava dos meus "conselhos" pois, de alguma forma, todo mundo era melhor do que eu. A inveja era a bicicleta que eu usava para atravessar a vida. As bicicletas dos outros sempre eram mais sofisticadas que a minha Então eu furava os pneus, roubava, derrubava.

4 - RAIVA

Eu sempre achei que meu valor estava no bom funcionamento das coisas. Nos resultados positivos. Jamais desisti de um problema sem solução. Jamais assumi que eu não sabia ou não podia resolver um empecilho. Isso me faz sentir raiva até quando erro o padrão da senha do meu celular. Não posso errar nem posso estar errado. NUNCA. Se eu falhei, a culpa é sua. Isto é, SE eu falhasse. Aliás, por que você sempre tá agindo errado? Por que você não faz o que eu quero que você faça? Hein, seu filho da puta? (Foi mais ou menos assim que briguei com meu padrasto recentemente).

Há outros erros cometidos além destes, mas eles sempre estão ligados à um destes quatro aspectos. Se sou ausente, é por insegurança. Se falei mal de você pelas costas, foi por inveja. Se gritei contigo, falei que nunca gostei de você ou que você nunca fez nada por mim, foi por raiva (de nós). É por isso que eu me cancelo. Cancelo este cara que comete os erros sem saber ou se perguntar o porquê. Cancelo um cara que nunca se entendeu, nunca soube dizer como foi parar naquele lugar. Cancelo um moleque escroto, mimado, invejoso, inseguro, para dar espaço à um novo homem. Um homem que sabe que seu valor nunca esteve na comparação, na manipulação, nos objetivos alcançados. Um homem que irá aplaudir pessoas em situações melhores que a dele, sem se sentir inferior. Trocará inveja e competição por admiração e inspiração. Abandonará esta síndrome de protagonismo aguda. 

Eu cancelo esta terra infértil, este poço escuro, o espírito perdido e deprimido, vítima de sí, para cultivar boas energias. Espalhar luz, arte, sorrisos. Mesmo que algo não funcione, que meu coração seja partido, que alguém aja de má fé. Tudo estará bem. Serei seguro na minha essência, e farei o melhor que puder agora, no presente. 

Muito obrigado à todos que me aguentaram até hoje.