segunda-feira, 25 de agosto de 2025

NÃO HÁ CERTEZAS NESSA VIDA

talvez eu precise me defender
dos meus gostos
eu gosto
de estar com quem
tem gosto de destruição

talvez eu precise pensar mais
sobre como pensar menos
me faria ter pensamentos
melhores

talvez eu precise beber menos
pra poder ficar bêbado
com menos bebida
e ser a coisa extrovertida
que todos os introvertidos
desejam ser

talvez eu devesse andar mais
na minha quebrada
pra poder ficar parado
numa mesa gourmet do centro
e bater com orgulho no peito
"eu sou de onde ninguém veio"
enquanto me esqueço
de todos os trens e ônibus
de volta pra casa

talvez eu volte pra casa
talvez sóbrio mas sempre bêbado
talvez eu lembre de hoje
talvez eu me esqueça

até que "talvez" soe tão estranho
quanto suas certezas
tão incertas
que eu preferi apostar tudo
no acaso

até que o incerto 
seja o papel correto
de quem já abraçou
a própria loucura
e a loucura residente das ruas
e a loucura que vem
quando ser normal
é uma sentença

talvez
até a próxima
talvez

POEMA SEM TÍTULO 1

alguém que sonhe 
o que acordo
pra sonhar

ruas tão desertas
cheias de gente
eu converso seus vazios
como se me completasse

num escuro
que talvez consuma
toda noite
há o clarão do isqueiro
e mais um copo
para mergulhar
pensamentos que nem processei
eu sei
errei na onde acertei

não sei se vou parar
mesmo com o vendaval
talvez eu flua
pra onde te encontro
teu sorriso e pronto
tudo se mexe
pra alguma coisa boa
que me faça uma pessoa
poucas porcentagens melhor.

IDEOLOGIA QUÂNTICA

é sempre a merda mais simples
que me faz sorrir
quando todas as nuvens do dia
forçam a gravidade dos meus lábios
para baixo

levantei da cama
e arrumei minha casa

passei pano
em todo canto
colunas e mente
a sujeira grudando
nos fiapos do que sou
a água no balde fica turva
quase que não me vejo
só enxergo pó
e traumas
mas o brilho da superfície
é o artífice
olha a arte limpa que faço
com minha podridão

e se a gente pudesse
sair por aí
como se existir
fosse a única missão
dos nossos átomos

eu existiria

pra caralho.

CARDÍACO SENTIMENTO

meu coração tá embalado
meu coração tá pronto pro churrasco
te prometo
que só estou podre por dentro
se você for me devorar
minha casquinha tá crocante
seca como qualquer outra solidão

não tenha dúvida
a gente pode correr contra
a correnteza
e se arrebentar nas nossas ondas
só espero que tenha alguém
olhando nossas mochilas

vamos para lugares do lado de fora
além das nossas mentes derretidas

eu não tenho mais idade
e nem mais fé
mas vamos ficar bem
eu acredito
eu te prometo

meu coração tá embalado
é no vácuo das ausências
que eu pulso minhas feridas

e o pulso ainda pulsa.

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

BOA VISTA


poucos veem o céu quando olham para cima
veem o que vem à mente
não aos olhos

se são realmente poucos
não posso confirmar
com a mesma certeza
do que sinto
mas são muitos
os que vejo
olhando para cima
sem sorrirem

isso quando olham
para qualquer outro lugar
que não o chão
ou o próprio reflexo
nas poses da autoimagem
como se outros bilhões
também não se espelhassem
para ninguém se importar

toda vez que vejo um bem-te-vi
eu assobio
quase nunca tenho resposta
ele continua bem-nos-vendo
e eu o vejo

eu realmente o vejo

VELHO POETA LAMBENDO A PRÓPRIA FERIDA

os tragos tem o mesmo gosto
daquela sua depedida
nada muda quando está enterrado
nada errado 
nas proporções de um coração
dilacerado
queimo o dedo fumando bitucas
corroídas de frieza
é sobre o que quero que desapareça
quando te lembro
não cabe nos pulmões
nas arestas mofadas
do que me tornei

já fui rei
do meu domínio
não significo
nenhuma etiqueta
caminho para aquilo que pareça
apenas um dia melhor que ontem
um pouco mais pobre
um pouco mais velho
tudo o que sinto
é mero acaso
caso ainda não tenha percebido

terça-feira, 15 de julho de 2025

33

esse ano eu mudo
tudo o que tenho
três passos de cada vez

obrigo a mente a não se pensar
fecho os olhos para enxergar
o que não via no escuro
e se for pra entrar no escuro
entro pelas portas do fundo
buscando a primeira luz de adega
que me cegar

mas esse ano eu mudo
aquilo e meu outro
carregando conosco
passados ultrapassados
pelo mesmo minuto
atrasado

rasgo o dedo no lacre da cerveja
burrice de não iniciante
eu sigo adiante
goles que se tornarão esgoto
o que me servem é pouco
sempre pouco
até ser demais

descobri que tristeza é só amor
desidratado
mal regado
secando no próprio caule
folhas mortas que já amei
todas fazem parte de mim
até que não mais

mas esse ano eu mudo
tudo tudo tudo
trinta e três passos
de uma vez.

quinta-feira, 10 de julho de 2025

FOME DE VIDA

eu bebo a noite num copo
de sei lá
viajo calçadas e mesas
na busca
de não sei o quê
esperando alguém
que nunca chega

calo meus pensamentos com cerveja
eles nadam no vazio que nos habita
segue minha escrita e minha bebida
em horas apressadas infinitas

eu sou aquilo que meu acaso
me rabisca
poderia viver nessas conversas
na nossa língua
guardo a tristeza míngua
num abraço que me abriga

eu caminho a noite num passo
eu faço ser humanices
no traço descompassado
tá tudo bem 
quando o passado fica no passado

eu tô tão presente que estou te dando
uma parte minha em encanto
talvez hoje você seja
o que estou buscando
mas se não for
eu te canto em poesia

eu fumo a noite num trago
o maço noturno não dura até o dia
sua fumaça alcança a alegria
em tons respiratórios de despedida
a seda tá babada 
viva a fantasia
da juventude esquecida
verde claro vira cinza
nos pés que dançam a melodia

estou tão seu que sua vida
parece ser a minha
mas não é, eu sei que não é
cada qual sabe a estrada que caminha
poema, poema
a arte de ser é via infinda

eu ressaco o dia
o soro pinga sobre a pinga
valeu a pena?
sou pescador de ilusões 
e as frito na larica 
minha alma bate na barriga
fome de vida?
quase sempre
meu paladar não tem saída.

BITUCAS

fumo bitucas dos amores que sobraram
quase todos já foram descartados
reutilizados
um maço novo
não cabe no meu orçamento
é por isso que você está vendo
meu cinzeiro
cheio de vento

eu sei que amor não se compra
mas já vi muita gente vendendo
o meu eu não vendo
pra ninguém nesse mundo
(ele é só um rascunho)

eu fumo o que dá
o que sobra
o que vem lá de cima
e está pra baixo agora

eu te fumo deliciosamente
te transformo em fumaça
e pelas arestas da janela
transparente
você vai embora.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

RASCUNHOS

minha calçada é um rascunho
onde pisam pés descalços
minha vida cinza imundo
minhas paredes tom de fundo
do poço

se eu pagasse pra pintarem
a fumaça colada na minha sala
o mofo infiltrado no meu quarto
talvez eu acordasse
um pouco mais
de bom humor
eu sinceramente não sei
quanto você pagou por esse sorriso

na minha rua tudo é fosco
construída com o troco
do cotidiano invisível
eu já havia percebido
o abismo
entre nós

meus sonhos voam até você
meus pés se distanciam
pago caro pra poder te ver
meu corpo amassa no horário de pico
e eu fico
indo e vindo
enforcado nos ponteiros do relógio
mas é claro, a culpa é minha
de ter só um pouco de sorte
de poder erguer a clava forte
aos boletos atrasados e infinitos

no meu rascunho tá escrito
letras tortas em linhas tortas
quantas portas se fecham
a cada dia que sobrevivo

mas a sua vida
é uma obra de arte
da qual, se eu fizesse parte
seria apenas a poeira
que suja a sua moldura

meu tempo é um rascunho
tinta usada, de próprio punho
nas folgas eu me divirto
eu vivo
eu sinto
ah... eu sinto muito.

TEIMOSIA

não me pergunte 
porquê eu continuo
pois uma pedra é pedra
até que alguém a mude
e um poeta é poeta
até que apertem a tecla "mute"

esse céu é tão teimoso
que continua azul
de norte à sul
vai toma no cu
é por isso que vivo
sempre nas nuvens
recebendo nudes
do cosmos

pois aqui na terra
a vida é árida
tão seca que parece ressaca
daquelas que não valeram
as contas esvaziadas

e ninguém acredita
e ninguém precisa acreditar
você teve a idéia
seu papel é continuar
entre trancos e barrancos lá vou eu
seguindo em frente
com que o meu espelho
me prometeu

deu errado
eu vou
deu certo
eu vou
deu em nada
eu vou
sempre teimoso
se for pra experimentar essa vida
que pelo menos eu sinta seu gosto.

MEU POEMA NÃO PAGA SUA CERVEJA

eu pago meus passos
por um espaço 
que não é meu

pago pelo começo do dia
onde a maioria
ainda nem acordou

eu pago ansiedade
com o presente
que ela me roubou

agora vejo essa sua cara
essa sua garganta molhada
de vícios luxuosos
que meu corre não poupou

meu poema não paga sua cerveja
sua piada não tem graça
quando é você quem está
sentado do outro lado da mesa
de barriga cheia
falando besteira
minha arte é uma droga
que você não cheira

meu poema não paga sua cerveja
nem teus erros
tua falha
o que te falta
na persona rasa

e a noite se emenda
colada com os foras
dentro da minha presença
e me dizem
"a gente não quer comprar nada"
mas em nenhum momento
eu disse
que eu estava à venda

meu poema não paga sua cerveja
mal paga a minha existência
mas eu penso, logo insisto
cada verso um passo de resistência
e eu espero sua decência
de ao menos
me desejar
nessa infinita madrugada da alma
uma boa caminhada.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

CONTINUO (TEIMOSIA)

mesmo respirando parado
fazendo charme pro mofo
do meu quarto
e de todos os meus sonhos

*eu continuo*

[fazendo certo do errado
com passos desacreditados
eu subo a escada
de degraus incertos]

*eu continuo*

uma noite de toda vez
como se viver fosse sobre
saber morrer
mais de trezentos dias por mês

*eu continuo*

[só escuto uma voz
no meio do barulho do mundo
que me diz que ainda
tenho que evoluir
pra ser gente
pra ter uma história diferente
no conto do mesmo final
igual para tudo, tudo]

*eu continuo*

porque escolhi caminhar 
alternando erros e acertos
pra frente e pra trás
como uma onda no mar
sem saber nadar
buscando ar no meio da arte
me afogando só quando é preciso
me afogar
e nas outras vezes também

*eu continuo*

[eu ainda não sei
e não saber é a primeira fase
do aprender
eu me conheço todo dia
me apresento pro espelho
"eis alguém que ontem não era"
o desconhecido ainda me espera
é só a jornada que dá bons conselhos]

eu vivo minha vida
e chegarei aonde tenho que chegar
aonde quer que seja
a resposta é sempre a mesma
vou fincar minha bandeira
e gritar de alma inteira

*eu continuo*

O CAMINHAR

meus pulmões eram fumaça
quando o abrir da latinha
ecoou mais alto pela
noite sedenta

lá estava um corpo quase meu
caminhando os meios da rotina
num chão que já me conhecia
pelo nome

essa vida ainda
guarda segredos
que eu talvez já conheça
mas gosto de sussurá-los
de pertinho, no ouvido do vento
"quem não vai me conhecer hoje?"

apago a bituca esgarçada
na ponta da bota cansada
meus colares pesam no peito
não mais do que
tudo o que tem me feito
eu fico leve na gravidade do luar
desejando um eclipse
desejando minha cama
e qualquer boca
que saiba dar
um beijo de verdade.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

É DISSO QUE ESTOU FUGINDO

alguma coisa me tirou a vida
antes de eu morrer
e botou no lugar uma bebida
que fez parecer
alegria
onde antes era verdade

sem isso
a piada fica sem graça
a tarde se alastra
e eu sou um nada
significando sentido
daquilo que sinto
como se sentir
fosse calculável

é disso que estou fugindo
de uma cidade brutalmente ausente
presente apenas nos anseios
comparando meus degraus
com elevadores

é disso, é este vazio
na cara
de gente farta
eu viro a lata
abanando o rabo pras migalhas
de outros traumas 
que não os meus

e ninguém fala
e todo mundo vai embora
na mesma hora
que eu queria que ficassem

é disso que estou fugindo
e cada trago é um passo
para trás
porque antes era tão bonito
você tinha que ver
você tinha que ver...

domingo, 20 de abril de 2025

SEGUNDA MÃE

nos dias em que meus pais
se ocupavam de trabalho
para serem bons pais
e minha mãe não tinha
onde me colocar
a não ser no coração
eu ficava contigo

quando os presentes eram poucos
quando não tinha almoço
quando eu ficava rouco
de saudade
você me botava na sua mesa
com toda tranquilidade
arroz, mistura, que beleza!

quando eu não tinha irmãos
você me deu dois
e depois da escola
a gente brincava de teatro
quintal de palco
cada peça uma história
que hoje me foge à memória
mas não ao que sou

esse meu caminho que trilho
tem como direção o seu carinho
é pelo seu amor que eu sigo
até por tempestades sorrindo
e se me falta o sorriso
no frio das escolhas solitárias
lembro do seu abrigo
e me fortaleço
porque você foi 
segunda mãe comigo.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

ODE À UM BOM AMIGO

se eu te sonhar
é como se
você não fosse embora

se eu te sonhar
mesmo quando a tela
escurece
você ainda esteve alí
alguns quadros pra sorrir
uma risada bela
daquelas
que plantam saudade

se eu não passar
por onde passamos
não dói tanto
não te acompanhar
pelos mesmos caminhos

eu me sinto
um pouco sozinho
quando procuro seu sorriso
nas piadas mortas
nas portas que não se abrem
trancadas com a sua ausência

se eu sonhar
toda noite com você
talvez nem dê pra perceber
seu adeus
este, que sem tempo
você não deu

obrigado, amigo meu.
muito obrigado mesmo.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

EU SINTO SUA FALTA MAIS DO QUE ME FALTA

algumas vezes lembro que estou vivo
sentindo de tudo mais um pouco
cada passo me imagina
numa noite estrelada

algumas vezes lembro que vivi
seus toques macios
no meu cérebro
cafuné nos cabelos da alma

da minha massa cinzenta
você fez um jarro
e se jorrou
até transbordá-lo

algumas vezes lembro que viverei
algo que não sei
quem sabe não é um encontro
daquilo que não se encaixa
que forma
as melhores silhuetas
ou pelo menos
as mais interessantes?

porque todos são perfeitos
só lhes falta
meu interesse
todos sorriem
e eu só sei
voltar aos meus vícios
e lembrar de você
quando acendo um cigarro.

segunda-feira, 7 de abril de 2025

EU SEI QUE NÃO SOU O QUE QUEREM QUE EU SEJA

beleza, bota as cartas na mesa
tenho duas na mão
a do "foda-se"
e a da "sua opinião"

não sou meu pai, minha mãe
ou minha família
não sou os erros de quem me cria
não sou a merda da sua fantasia
sou a página em branco se preenchendo 
com a minha própria escrita

já não me reconheci
de tanto tentar ser reconhecido
eu me remendei de personagens
sem sentir o menor vínculo
lamentando meus vícios
"apenas é o que tem sido"

eu sei que não sou
o que querem que eu seja
mas veja: 
no meu espelho há sorrisos
onde cantam as gargalhadas
mesmo sangrando as farpas
ser eu, ridículo eu 
dói menos que manter a palhaçada
de jogar as suas jogadas
neste jogo de falhas disfarçadas

beleza, tira as cartas da mesa
se for pra me encher
que seja de cerveja
se esqueça, nos esqueça
desapareça um pouco
em você mesmo
nunca é tarde e nunca é cedo
aproveite: ainda há tempo.

segunda-feira, 31 de março de 2025

IMPACIÊNCIA NUM DIA DE CHUVA

a sombra de tudo dança em círculos
me cansa os dedos contar o infinito
quantas gotas cabem nas goteiras?
minha gata mata uma barata na brincadeira
que canseira este cinza molhado
e guarda-chuvas aglomerados
bueiros entupidos de passados
a boca de lobo engasgado
com a saliva das nuvens

pego meu violão e maltrato
suas quatro cordas
pego meu coração e distrato
suas boas memórias
é, sonhei contigo de novo
a gente dançava de novo
a gente se abraçava de novo
a gente um dia amou
um ao outro...

preparo qualquer coisa pro almoço
(arroz mexido com ovo)
e assisto a chuva com a mão no queixo
usando um óculos que comprei na feira
esperando alguma coisa
que não é mais.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

VOCÊ NÃO SABE MINHA FORÇA (ver. 4.0)

para eu estar aqui
com todos os meus átomos
vibrando o som
até suas orelhas
você não sabe quantas olheiras
tive de maquiar.
 
andar por aí indivisível
fazer possível o impossível
prevendo o imprevisível
às vezes calmaria
noutras pensamentos impulsivos

você não sabe minha força
dentro da minha alma há uma coisa
gritando: ainda estou aqui
eu sangrei e sobrevivi
ao que não pude.

meu espelho quer que eu mude
aquilo que ele não reflete
os rabiscos presentes da vida
cicatrizando debaixo da pele
traçando depois de toda derrota
degraus improvisados à vitória

para eu estar aqui
com todo o tempo-espaço que existi
tive de seguir adiante
não se engane:
continuar é a mais corajosa
demonstração de força

e eu espero 
que você continue.

FODA-SE SE EU SOBREVIVER

poemas pra quem?
todos chegam mas ninguém vem
todos se lêem sem se conhecer
eu tento me convencer
num gole de cada vez

mais uma vez
vem verso vasto visto
no vazio
por que insisto?
isso é tudo o que eu sinto
e nem um pouco
o pulmão cheio de frases
fica oco
a mente nas piores fases
eu fico louco
a garganta arranhada
dos gritos não ouvidos
eu fico rouco

poemas pra quem?
se prefiro ficar sozinho
mesmo na companhia do infinito?
mar de gente mar de passos
presas por fugir do abismo
escute o que digo:
nada faz sentido

poesia pra quê?
se de todas as cores vemos cinza
e nada realmente é pra se ver?

poesia pra quê?
eu sei lá
eu não sei
escrevo poemas
e foda-se se eu sobreviver.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

VOLTA

eu parei de fumar.
a bebida acabou e
rasgando as paredes sinto
saudade do mofo.

não sei o que faço de almoço.
não sei com qual cor eu pinto
o fundo do poço.

um moço gritou no meu portão
tentando vender agulhas.
eu disse que não.
já sou parte da minha bagunça.

ele nem se despediu.
acho que educação é um luxo
ou sorte.
não que eu me importe mas
vou pensar sobre isso
enquanto morro em compromisso
de uma sede molhada
ou da minha pele abandonada.

eu parei de fumar.
não sei se volto a beber
se volto a foder
ou se paro de pensar em você
toda vez que lembro
dos meus vícios.

na minha casa não tem TV
eu assisto as janelas
as linhas paralelas
os segredos das vielas...
fecho a cortina.
acho que a vida ficaria mais bela
se eu ainda tivesse ela;

a merda da nicotina.

EU PENSO DEMAIS

pensei tanto 
que muito da vida só vi com os olhos
nem escutei seus passos;
os relógios giram tão depressa
que parecem parados.

de qualquer jeito o mundo acaba
frases-nada serpenteiam o cérebro
comem a própria cauda

eu penso demais
entro em guerra com a minha paz
eu vejo de novo e de novo
velhos desaforos
reflexos intrusivos
falas do espelho que convivo
nada rima quando todo som
parece um grito

o ruído é imenso, coça o ouvido
o meu pedido é manso, que eu possa
ser silêncio
ou ser a voz que vem do fundo
a chama que mora em todo mundo
que agora seja a hora
aurora dos minutos investidos
num futuro já esquecido

eu penso demais
pensar é só uma ferramenta
para montar destroços
mas agora eu sei que posso
esperar a pressa dos relógios
no tempo de um humano tentando 
continuar melhorando
o fio de mente que lhe pertence.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

A CURA É DOLOROSA

olhos fechados à feiura do dia
garrafa que se esvazia
em demasia limpa a rachadura
a queimadura por chamas alheias
as cicatrizes mais felizes
são invisíveis
por mais estranho que pareça

acho que não gosto de você
mas gosto do jeito que você me vê
vendo assim sou cego comigo
ou talvez eu tenha me visto
o bastante pra ser discrepante
o que sinto que mereço
e o pouco que me deixo

olhos abertos às ranhuras do disco
a canção se repete no pior verso
naquele que escolho estar só
sem ter ninguém por perto
tenho um cérebro linguarudo
e um coração surdo
uma alma esfarelada
um corpo com vontade de tudo

a verdade é rara e fácil de esquecer
a cura é dolorosa
mas tudo nessa vida vai doer
e agora, fazer o quê?
vou aceitar ser o ouriço
que pra se esquentar
se machuca em outros espinhos.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

NÃO TENHO RESPOSTAS

eu não sei o que fazer
não tenho respostas
só perguntas
só dúvidas e dívidas
um grande montante de pequenos problemas
que se acumulam
e me enlouquecem aos poucos
como uma infiltração
numa parede morta

não sei se bebo
se volto a fumar
se volto a foder
ou se tento mais uma vez
esquecer você

não, não tenho jeito algum
tô tão perdido 
perdendo meus ganhos
pro tempo
pras minhas preocupações
e minha juventude
descendo pelo ralo junto
da cerveja

mas eu tô aqui
e me recuso a sair
enquanto o meu rosto não sorrir
aquele mesmo riso
de quando eu sabia
que o meu mundo era meu.

QUE NÃO FALTE CORAGEM (PRA SER QUEM SE É)

eu queria te encorajar
e ao mesmo tempo ter coragem
mas sou medroso quando encaro
minha ansiedade

queria tranformar tudo o que sinto
numa resposta
mas talvez eu nem saiba
qual é a pergunta

eu sigo em frente
porque adiante
é sempre a direção correta
(disse o tempo)

mas e se eu quiser errar um pouco?

a vida é bela mas
a minha beleza se compara
aos fios dos postes
e a miséria das calçadas
sufocadas por um céu azul de verão

talvez eu queira que minha história
seja sobre mim
e não sobre o que querem que eu seja
sobre qual corpo nasci
sobre meus pais ou
quem levou algum pedaço cardíaco
do meu peito

eu queria te encorajar
mas tô perdido também
talvez este "também"
te traga acolhimento
te faça algum bem

no mais
desejo que não falte coragem
para sermos quem realmente somos.

UM BRINDE À PORRA DA SOLITUDE

um gole por você
desce mais doído
do que vidro

um gole por mim
é só mais um gole
quem bebe comigo
se bebe e me esquece
um pouco antes da ressaca

eu vou pra esses lugares
pra ver essas pessoas
meio que existindo
meio que cumprindo um papel
não sei quem é ator
e quem é personagem
eu piso no teatro
sozinho novamente
num monólogo fantástico
ecoando no palco
do meu crânio

até que as estrelas flutuem
no esquecimento coletivo
quem somos nós?
quem é você?
foda-se você.

um gole por mim
é o que mereço
sozinho novamente
sozinho
sozinho como meus espelhos
sozinho de novo

NÃO SE ESQUEÇA DE VOCÊ

me disseram e agora digo
repito ao infinito
para você
criatura ante o abismo:

não se esqueça de você

sua mão se estende
você mente
tem de ser forte de repente
uma alma sem músculos
carregando o peso do mundo

te precisaram mas na prática
poucos escutaram
o peso salgado de suas lágrimas
vê se daqui em diante

não se esqueça de você

pois dessa sua vida
você é a única via
a parte mais vital da maquinaria
olhe a menina dos seus olhos
e veja! veja! 
quem esteve ali para sofrer
todas as suas dores?
faça-te mil favores!
levante-se
pegue suas coisas e
pelo amor

não se esqueça de você

JORNADA CINZA

um dia acordou e era só.
o mundo era mais cor de asfalto.
seu corpo estava mais pesado.
tinha de se livrar
de partes de si
para continuar.
livrou-se primeiro da inocência.

o ar era duro, pontiagudo,
cortava a garganta do âmago.
começou a suar nicotina
e se hidratar com álcool.
e com o álcool ficou
na saúde e na doença.
mas seu corpo ainda era pesado;
livrou-se de sua presença.

nada era igual ao que via
refletido nas poças de óleo.
todos eram melhores.
todos os outros seres demonstravam
sucesso.
e com o corpo já desfigurado,
livrou-se de sua estima.

desperançosa e podre,
a criatura rola uma pedra
morro acima
todos os dias.
lá no topo outra criatura melhor posta
lhe dá migalhas do lixo e
empurra a pedra morro abaixo.
isso se repetia enquanto o sol
murchava atrás da fumaça.
para facilitar o ritual,
livrou-se de sua liberdade.

em certo ponto 
a criatura desapareceu.
alguns disseram vê-la
dando nó numa corda.
outras a viram sorrindo 
pela primeira vez.
já alguns raros encontraram
rabiscos em papéis amassados
onde a criatura costumava dormir.

mas a verdade é que
poucos se importaram.
continuaram suas caminhadas
como tinha de ser.
sem olhar pra trás
ou, 
mais importante,
pros lados.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

EU ODEIO POESIA

eu odeio
poesia pra quê?
pra quê?
inútil como eu
eu odeio poesia
inútil inútil
não dá dinheiro
não dá respeito
não dá um jeito no mundo

bosta bosta bosta
eu odeio poesia
foda-se a arte
a arte que morra
e que leve consigo
tudo que nela grudar
como amor alma humanidade

eu odeio poesia
eu detesto
tenho nojo
poesia que sou
odeio
inútil que sou
odeio
esqueço 
apago estilhaço
poesia merda
merece esgoto o ralo da vida
poesia de merda
odeio poesia
tanto quanto você
seu cárcere de liberdade
poeta livre pra odiar poesia
eu odeio à nós
tanto quanto você
e a sua arte sua parte
o que nos faz
eu odeio e volto a amar
tanto quanto você

AGORA ACABOU-SE

agora acabou-se.
já passou.
a coisa tá feita.
feia verdade
corre na veia do tempo.
é com tinta
que escrevemos
nossa história.
guarde a borracha
para as solas
do seu calçado.
ainda há de se gastá-lo
no áspero caminho
que te for empurrado.
se não quer este,
mudar para o outro 
exige mais esforço.
e se for teimoso,
parar como uma bigorna
ao lado da pedra
é só um desperdício bobo
uma pausa separada
pra quem chora
mais por dentro
do que por fora.

eu choro os dois,
mas prefiro fazê-lo
silenciosamente
molhando os ácaros 
no meu travesseiro.

mas agora acabou-se.
passou depressa
como todos os anos
que não lembro.

A VERDADE É FÁCIL DE ESQUECER


sobrevivo ao que não posso
costuro meus destroços
com arame e 
colo meus pedaços com ouro
as cicatrizes mais felizes
são invisíveis

eu poderia ser como você
e ter uma vida de mentira
mas eu sangro quando o gato me arranha
ou quando não gosto de mim

tenho um cérebro linguarudo
e um coração surdo
uma alma de pele rasgada
um corpo com vontade de tudo

escute o que grita no fundo de você
a verdade é rara e fácil de esquecer
a cura é dolorosa
mas tudo nessa vida vai doer
fazer o quê?
o jeito é caminhar e aprender

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

QUERER NÃO É ESCOLHA

alguns queriam me destruir e eu também
o dia renasce melhor pra quem faz o bem
mas o que seria o bem se não fôssemos egoístas?
só entende da vida quem já viveu
me entendo aos poucos e esqueço
levanto às três pra não ser ninguém

queriam que eu fosse embora e eu também
partes de mim que estão com você
por favor me devolva
não aguento mais me dividir por zero
se quiserem meu corpo eu também quero
e se fingem interesse eu vou pra cima
mas nada nessa rima se alinha

queriam meu sorriso e eu chorei
levanto às duas não sei por quê
acho que nunca mais dormi depois que acordei
dizem isso e aquilo e eu prefiro ficar calado
é meu direito sumir no silêncio
só fala quem quer ser escutado
venha me ver sou bom ouvinte
escuto músicas que ninguém conhece
nem mesmo quem às fez

queriam me ouvir e eu queria alguém
mas todos querem os outros
e agora eu já tô bem
quem sabe ano que vem?