um dia acordou e era só.
o mundo era mais cor de asfalto.
seu corpo estava mais pesado.
tinha de se livrar
de partes de si
para continuar.
livrou-se primeiro da inocência.
o ar era duro, pontiagudo,
cortava a garganta do âmago.
começou a suar nicotina
e se hidratar com álcool.
e com o álcool ficou
na saúde e na doença.
mas seu corpo ainda era pesado;
livrou-se de sua presença.
nada era igual ao que via
refletido nas poças de óleo.
todos eram melhores.
todos os outros seres demonstravam
sucesso.
e com o corpo já desfigurado,
livrou-se de sua estima.
desperançosa e podre,
a criatura rola uma pedra
morro acima
todos os dias.
lá no topo outra criatura melhor posta
lhe dá migalhas do lixo e
empurra a pedra morro abaixo.
isso se repetia enquanto o sol
murchava atrás da fumaça.
para facilitar o ritual,
livrou-se de sua liberdade.
em certo ponto
a criatura desapareceu.
alguns disseram vê-la
dando nó numa corda.
outras a viram sorrindo
pela primeira vez.
já alguns raros encontraram
rabiscos em papéis amassados
onde a criatura costumava dormir.
mas a verdade é que
poucos se importaram.
continuaram suas caminhadas
como tinha de ser.
sem olhar pra trás
ou,
mais importante,
pros lados.