segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

É NATURAL

Às vezes não sai. Igual sentar na privada e apertar a barriga. Não vai, não funciona. Cavucando lá no fundo. Escrevendo letras desconexas. Frases soltas sem sal, açúcar. Cruas como a carne do seu braço.

Às vezes sai. Como diarreia. No meio da rua, manchando roupa íntima, calça, calçada e algum infeliz que passou na hora.

O importante é lembrar pra quê. Se esquecer do pra quê, jogue tudo no lixo. Se ele ainda persiste, dá pra contar até a história da pomba manca.

Aliás, a pomba manca pousou despreparada na minha frente. Não tinha uma pata, mas uma linha que guardava como troféu. Caminhou até a poça de água suja formada na cratera da rua. Banhou-se, embebedou-se e gargarejou. Caiu fora.

Às vezes sai, e às vezes não. É natural.

QUANTOS CIGARROS CUSTA UMA MENTE TRANQUILA?

Cacei bitucas pela casa, no quarto e
tudo estava terrivelmente normal.
Achei três bitucas que dariam
um cigarro e meio somadas,
pois eram de uma marca que
não me agradava o paladar.
Com essa quantia, mal dava para
o pós-almoço.
Seria um dia longo demais.
Tentei fumar uma bituca a cada duas horas,
mas 6 horas é pouco tempo
numa segunda feira nublada.
E quando o carrinho
do catador de latinha,
a lâmpada queimada do poste,
os cacos de vidro
no chão do boteco,
a fofoca na esquina,
todos os seus amores,
tudo em você e em mim
coexistem,
três bitucas não são suficientes.

SALADA DE BATATA

Corto quatro batatas médias em
pequenos pedaços.
Mais ou menos do tamanho
entre um pino de cocaína e
uma paranga de 20 bem servida.
Os pedaços não precisam
ser iguais se só você vai
comê-los, mas quanto menor for,
mais rápido vai cozinhar.
Coloco água na panela
pra cobrir as batatas e aí sim
eu ligo o fogo.
Tudo Isso garante um cozimento
mais feminista.
Boto sal na água. Aí vai depender
da sua pressão arterial no momento.
Espero ferver e aí conto
uns dez minutos.
Fico encarando o abismo e
então espeto o garfo pra ver
o ponto
(da comida, e não do abismo).
O ponto certo é você que decide
porque você já é adulto e
pode muito bem experimentar
a porra da batata
pra ver se tá legal.
Jogo a água fora,
tempero com aquele orégano
que você fumou no papel de pão
quando era adolescente.
Pode botar mais coisa;
vinagre, limão, cebola,
crise de ansiedade.
Espero esfriar um pouco,
mando pra geladeira e
deixo lá por 50 anos ou até
eu ter saúde emocional.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

ODE AO SANTO CAOS

Ele vai chegar
como bomba de pimenta e
purpurina.
Vai destruir quem fugir dele.
Destruir de dentro pra fora.
Vai queimar a rua,
apagar os postes e
acender os neons.
Vai quebrar o silêncio
com as ondas mais pesadas
que você imaginar.
Ó, Santo Caos!
Sacrifico uma dose do
meu goró pra ti.
Ó, Santo Caos!
Proteja meu cigarro,
minha paranga,
meu rolê.
Prometo ser a ti
o que as nuvens são pro céu,
o que o escuro é pra noite,
o que a mudança é pra vida.
Que Você seja minha chama.
Que derreta minha ansiedade,
mesmo que meu coração
bata rápido demais e eu
sinta gosto de morte
na língua.
E que derreta também
quem tentar cortar minha briza.
Santo Caos, proteja quem
corre comigo.
E mesmo que Você não escute
ou ignore estas palavras
(como sei que vai, pois
a ti ninguém controla),
fica aqui a minha entrega
aos Teus braços.
O resto que se foda.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

TUDO BEM POR MIM

Se eu deixei você entrar,
sentar no meu sofá
e por os pés na mesa de centro,
é porque eu não quero,
não, eu não quero
que você vá.
Se tranquei a porta,
joguei a chave,
joguei meu corpo sobre o seu,
é porque eu quero.
Ah, como eu quero!
Quero que a noite
esqueça de acabar!
E não venha mentir.
Dizer que já tá tarde,
que tá na hora de dormir.
Pois a minha cama
tá sedenta
esperando seu despir.
Não vá! Não vá!
Não vá me iludir!
Mas se for ilusão,
eu mando a verdade
pra puta que pariu!
Não vá! Não vá!
Não vá me iludir!
Se precisar eu esqueço,
finjo desapego.
Tudo bem por mim.

PERSONA

Prefiro tirar a máscara
do que a roupa de alguém.
Não há surpresas na nudez.
Uma cicatriz, ou
algo que não deveria
estar ali, talvez.
Nada mais.
As máscaras escondem
a história boa,
o que interessa,
o suco.
E eu me pergunto
o que há atrás dessas
tatuagens?
Destes cigarros acesos
freneticamente?
O que seu quarto
já viu nas
piores noites?
Seus dentes expostos
não me enganam.
A mentira tá
descolando da sua
face.
Tudo bem.
Não vou impedir se
você for lá no banheiro
retocar com o pó branco
seu desânimo com essa
ladainha.

ARROZ E OVO

Você me deu nada
e eu consegui o resto.
Agora você quer comer
meu arroz com ovo.
Antes eu não era nada e
você não presta.
Agora inventa história
pra me deixar louco.
E o pior é que ainda divido.
É, pois é, eu ainda divido.
Pouco ainda é alguma coisa.
Uma semana comendo
a mesma refeição,
e a vida inteira
intoxicado por você.
Traga uma cartela
no próximo abandono.
E um pacote de sal.
Eu ainda tenho arroz.
Você me deu raiva e
eu comi o resto.
Engoli seco todos os
cacos de mim.
E o pior é que ainda divido.
É, pois é, eu ainda duvido.

VAGANDO PELA QUEBRADA

Se meu bairro chorasse,
todo dia seria de chuva.
Sobe e desce calçadas de rascunho.
Vou andar por aí e
você tenta achar meus rastros.
Cada migalha e bituca.
Pense num desabrigo.
Pense que no centro
eles se acham iguais.
Duvido que eles pulem
poças de esgoto.
Pense que eles são
desconstruídos.
Aqui nem construíram ainda.
A quebrada parada come
seus próprios destroços.
Quando seu ônibus chegar,
não olhe pra trás.
Estarei procurando algo pra fazer
além de visitar a biqueira.
As pipas caíram por causa
da chuva.
Sobe e desce calçadas de rascunho.
Vou andar como se
houvesse pra onde ir.
E você apaga os
meus rastros.

QUANDO O GORÓ ACABAR

Sem álcool fica difícil
brincar de ser feliz.
Um brinde aos erros!
Noites de mentira,
risadas de faz de conta.
Ninguém liga.
Estão ocupados mascarando
o que pensam ser um erro.
É tarde demais.
Quando o goró acabar,
olhe nos olhos dela.
Veja se o vazio ainda
tá lá.
Veja se o abismo
olha de volta.
As pontes caíram e
os barcos queimaram.
É tarde demais.
Sua carteira tá cheia de espaço.
Copos sujos lambidos por ratos.
A hora não passa.
Diga sim, queira não.
Os pontos incertos de uma obrigação.
E o goró acaba.
Acaba em vão.
Não para.

O CIGARRO E A BOMBA ATÔMICA

Entre cigarro e bomba atômica,
o amor já devorou a gente
primeiro.
Não sei com quantos cigarros
ou com quanto amor
se faz uma bomba atômica.
Também não sei
qual deles é o
favorito da morte.
Sempre imagino
um cigarro
entre os caninos
de seu crânio pálido.
A foice é superestimada.
Acho que
a morte
ama
antes de tudo.
Faz você amar.
Amor é pior que
os dois.
Pode fazer
você fumar o maço
antes de apertar
o botão vermelho.

domingo, 2 de fevereiro de 2020

FEBRIL

Quente como mil bocas na Augusta.
O suor molha a cama, a pele, meus tremores.
Todos os pensamentos congestionados
nos nervos do cérebro, repetindo
o efeito estufa da ansiedade.
E eles não param de me julgar.
PAREM DE ME JULGAR!
PAREM DE ME JULGAR!
Eles nunca irão parar.
O jeito é deixar que a febre tome conta.
Quente como cem cigarros acesos
num quarto sem janelas.
Não sou mais dono dos poucos trocos
que a vida me dá.
Tá tudo investido em medicação,
em meditação, em mediação.
Eles nunca vão parar de nos julgar,
você consegue entender isso?
Você realmente entende isso?
É hora de ferver e borbulhar
a gota d'água.
E no estado mais febril possível,
contagiar a doente censura
com espirros de auto-expressão.
Lembrar que normal não é saudável.
E que julguem e julguem e julguem
até seus
cus
explodirem.

QUE ACABE SEM EU PERCEBER

Que até lá, eu não sinta mais nada.
Que seja como
fim de férias.
Aviso prévio de um
trampo qualquer.
Um dia depois do pagamento.
Primeiro cigarro do maço.
Que acabe sem eu perceber.
Como injeção de febre-amarela.
Beijo de carnaval,
música de balada.
Pôr do sol numa segunda.
Juventude.
Que vá embora sem dizer
"tchau"
numa festa de 300 convidados.
Como a primeira latinha do fardo.
Um banho morno de outono.
Uma folha da
árvore do vizinho.
Que eu não perceba, não sinta,
não diga pra você ficar.
Não me faça perceber, sentir
ou dizer que tudo vai mudar.
Que até lá, eu esteja acostumado,
embriagado, longe das bombas.
Que já tenha acabado e
passado como o
último ano.
Caso contrário,
que nem comece.

CONVERSAS QUANDO FLUEM

Quando me sinto confortável
com alguém, eu simplesmente
deixo transparente
os defeitos de fábrica e
os defeitos adquiridos,
os desgastes do tempo
e mau uso da ferramenta.
Conversas, quando fluem,
são como aquela brisa que
encosta suavemente na pele
numa tarde de outono.
Quando não precisa pensar
no que dizer, as palavras
saindo da boca, dos dedos,
uma correnteza amena
de pensamentos e sentimentos.
É raro isso acontecer comigo
porque eu penso demais e
me preocupo demais
com o que as pessoas
pensam de mim.
É por isso que amo os loucos,
os que não temem o ridículo.
Os que ficam fazendo
barulho de peido com a boca.
Os que arrotam e gritam "Auê"
e dão um tapa na testa
dos desavisados.
Os que choram quando bebem.
Que dizem "Eu te amo", sem medo
do silêncio como resposta.
Quando a conversa flui,
eu apenas vou junto,
desbravando as águas do próximo,
equipado com o
melhor riso que possuo.
Agora senta aqui e
conversa comigo.
Tô precisando...

O CASAL

Algumas flores nascem no meio
do caos e
são as mais belas flores
que você poderá ver
num rolê.
Pra mim, as chances de
presenciar isso eram quase nulas.
Como encontrar vida
num planeta morto.
Mas vida e amor
(se não são a mesma coisa)
sempre dão um jeito
de florescer pelas arestas
do tempo.
Seja no asfalto da Augusta,
no coração da cidade de pedra,
no olho calmo do furacão.
Eu vejo esse casal hoje e
sinto um sorriso nascer
de dentro do meu estômago
até os confins dos músculos
da minha face.
É inevitável. Raro.
Eles se olham.
O mundo só deles.
Os dois sorriem ao mesmo tempo.
O poeta observa.
Cenas assim dão esperança pra
velhos cachorros
que desaprenderam os truques
do amor.
Regaram seus sentimentos aos poucos,
quase sem perceber.
E quando ele percebeu,
ela disse primeiro.
Hoje a rua tá mais bela.
Ela o abraça por trás,
ele dá um corte no Corote e
passa pra mim.
Joga o cigarro fora e
entrega a caixinha de som
pra outra pessoa da roda.
Precisa estar com as mãos livres
pra retribuir o abraço.
Eu dou um trago.
Disseram que choveria
esta noite.
Disseram que o mundo iria
acabar.
Mas o casal não liga.
Há algo mais importante
rolando ali.
Algo que deixei com alguém
em algum momento
da minha vida.
Alguém sempre fica com
boa parte disso. Uma piada
de mau gosto.
Não importa no final.
Vejo o casal e a chama se
reacende.
A mais bela flor que já vi.

CARALHO

É tanta coisa.
Não sei por onde começar.
Talvez pelo sentimento de que
é o fim do mundo
todo dia.
Já acabou. As rosas e
os girassóis morreram
de sede.
Eu fico sedento por mudanças,
mas a vida é maior
do que poemas,
sorrisos e lutas.
Caralho!
É tanta coisa.
Morrem queridos, morrem
do nada. Morrem e morrem
e continuarão morrendo.
Vida ausente do caralho.
Não paga a pensão,
abusa do corpo e
soca a cara dos frágeis.
Mas a culpa é de quem fica.
Fica de boas no seu
palácio central.
Assistindo de camarote o grito
da periferia em chamas.
Cidades inteiras na lama.
Doentes tomando centavos
nas veias.
Caralho!
Estão se matando!
CARALHO!
Eu nem sei por onde começar.
É tanta coisa acontecendo
de uma vez, e o mundo já acabou.
Estamos lutando pelos destroços
do futuro do país que nunca veio.
Ao invés de muros,
guilhotinas pra cortar
o mal pela cabeça.
Tá na hora dos reis caírem,
ou os peões continuarão
sendo executados
pelos bispos.

A NOVA OBSESSÃO

Acorda, pesquisa no cérebro
o primeiro pensamento do dia.
VOCÊ.
Levanta e toma banho porque
talvez veja VOCÊ hoje.
O que será que VOCÊ
vai fazer de noite?
O que vai almoçar?
Com quais pessoas irá interagir?
Faça uma canção
com os melhores acordes
que puder roubar.
VOCÊ merece só
o melhor.
VOCÊ poderia me ver hoje?
VOCÊ me ama?
O que VOCÊ tá pensando agora?
VOCÊ não me ama mais?
Quem é ELE?
Quem é ELA?
VOCÊ ama ELE e ELA?
E eu?
VOCÊ tá bem?
Não morra. Jamais.
Fique comigo pra sempre.
SEMPRE VOCÊ.
SEMPRE VOCÊ e eu.
Só com VOCÊ.
Só VOCÊ.
Só. Cadê VOCÊ?
Por que VOCÊ não responde?
Cadê sua foto?
Quem são ELES?
Não fuja. VOCÊ não pode.
Minha linda OBSESSÃO.
MINHA. MINHA. MINHA.
MINHA. MINHA. MINHA.

A DANÇA DAS PALAVRAS NÃO DITAS

Eu só queria dizer que eu te...
considero muito.
E eu sinto... que tá tudo bem.
Gostaria de te chamar
pra dançar a dança das
palavras não ditas.
Eu seguro suas mãos
e você finge estar gostando
do silêncio.
É que você sabe muito bem
que eu te...
admiro como pessoa.
Tem um nó na garganta,
um acúmulo de pó,
da sujeira que o tapete cobre e
ninguém vê.
Ninguém nunca verá.
Lavo tudo com cerveja
pois se você ver
a bagunça dentro de mim,
você não vai querer ficar.
Quando eu estiver quieto,
é melhor me deixar lá
antes que tudo se estrague.
Só vamos continuar
na mesma dança
até que mudem de canção,
até que acabe o ano.
Pois eu te...
Eu te...

COMPARTILHE ESSE VAZIO

Fiquei uma semana lutando
contra uma gripe.
A maldita me arrancou
todos os poemas e
toda minha autenticidade e
toda minha vontade
de alguma coisa.
Fiquei tanto tempo
encarando a parede,
a janela e o travesseiro
que esqueci completamente
quem sou, o que faço e
como interagir com humanos.
Tanto tempo
isolado
enlouquece até a
mais sã das mentes.
Eu perdi o toque.
Estes versos sofríveis...
Tudo culpa de uma gripe.