sexta-feira, 30 de novembro de 2018

A MESMA EXPRESSÃO

Meu rosto na cama,
minha face estica
pelo banho apressado e o café amargo.
Meu rosto no trem,
minha face, preguiça.
Várias almas nessa barca
trocando moedas pela vida.
Meu corpo na rua,
minha face postiça.
Sorrio pra que não me perguntem
se realmente tá tudo bem.
Minha coluna no bar,
minha face embebida
de cervejas que esqueço
nas falas iguais da mentira.
Meu resto na balada,
minha face escurecida
pelo som abafado dos gritos,
dos beijos e da nossa saída.
Meu nada na sua cama,
minha face em dívida
com minha promessa de inovação.
Mas este jogo a minha mesma expressão
já cansou de jogar.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

EMPRÉSTIMO

Jonas e Orlando estavam sentados na sala de jantar. Orlando fumava um cigarro.
- Quer uma água, alguma coisa? - ele perguntou.
- Eu não sei... eu não sei...
- Peraí que eu vou buscar uma bebida pra você...
Orlando se levantou e foi até a sala para buscar uma garrafa de uísque. Atravessou a mesa, alcançou o armário da cozinha e arranjou dois copos. Ele os botou na mesa e serviu uma dose pra cada, dizendo:
- Bebe aí, amigão. É nóis!
Jonas agarrou o copo e deu uma degustada.
- Cara - ele disse, - eu precisava muito dessa grana. Por favor, mano! Me arranja essa grana!
Orlando bebeu quase o copo inteiro em silêncio. Olhou para o copo, para a mesa e suspirou lentamente, dizendo:
- Eu não posso, cara...
- É um dinheiro besta - Jonas retrucou. - É troco de pinga, mano! Me arranja essa grana aê, por favor!
- Eu não tenho nada, eu juro pra você! Se eu tivesse, você sabe que eu te daria, sem dúvida nenhuma! Eu entendo a situação e...
Jonas tomou mais uma dose do copo, sem tirar os olhos do rosto de Orlando. Deixou o copo sobre a mesa de madeira. Fez um barulho estranho com os lábios enquanto balançava a cabeça para cima e para baixo, como se estivesse engulindo os termos amargos da negociação.
Orlando começou a chorar desesperadamente. Bateu as duas palmas sobre a mesa e gritou:
-VOCÊ ME CONHECE! VOCÊ SABE QUE EU NÃO POSSO!
-Por favor, cara - Jonas disse, mantendo o contanto visual. - Pelo menos metade do que preciso. É só o que eu te peço...
- NÃO DÁ! NÃO DÁ! MINHA MULHER JÁ FOI EMBORA DAQUI, PORRA! LEVOU MEU FILHO E O CARRO! JÁ PEDI DINHEIRO EMPRESTADO PRA TODO MUNDO E...
Jonas passava o dedo indicador sobre a borda do seu copo em movimentos circulares. Suas pernas cruzadas não paravam de balançar. Ele olhou para Orlando. Encarou aquela face suja de lágrimas. Apertou os lábios e cerrou os olhos lentamente, como se dissesse "não tenho escolha". Virou sua cabeça para a janela da sala, onde dois homens o aguardavam. Fez um sinal para que entrassem. Orlando levantou abruptamente da cadeira e se atirou de joelhos à Jonas, implorando para que não fizesse aquilo. Os dois homens entraram, cada um armado de pistolas 9mm.
Os 8 tiros foram certeiros, atingindo somente a cabeça e o rosto de Orlando. Jonas levantou de sua cadeira, sujo de sangue. Olhou para os dois homens e disse:
- Da próxima vez, espera tá longe de mim, tá?
Os dois homens se desculparam.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

DOIS PÉS NA ESTRADA

Existe um tipo de insegurança
sobre as escolhas difíceis.
Saber se estamos no caminho certo
só vale se queremos chegar
a algum lugar.
Bebo feito um trouxa,
fumo feito um idiota
porque ainda não
sei dar a melhor resposta
quando a vida me pergunta
"é isso aí?"
Talvez eu nunca saiba responder.
O que não quero é deixar os dias
passarem sem eu perceber que
aqui o sangue ainda pulsa.
Quero beijar sua boca
(ou não).
Quero tirar minha roupa
(ou não).
Quero que o medo se rompa
(tanto faz).
Viajar até LÁ
abraçando tudo o que vem
DAQUI.
É via única e
nossa ré tá quebrada.
O jeito é seguir em frente,
pedir direções pra quem já
estudou a estrada.
E parar, às vezes,
pra dar aquela mijada.

INTERNAÇÃO GALÁCTICA

Eu compro a latinha e enfio
meus fones dentro da minha cabeça
pelos meus ouvidos,
pra não ouvir o que
os nãos têm a dizer.
Me interno no meu universo,
me vomito pelos versos.
O desafio é manter o sorriso
de uma forma saudável.
Aprendi que sorrir o tempo inteiro
não é meta palpável.
Gente sofre, sente, e eu sinto muito
por não ter a melhor resposta.
Minha lata esquentando
parece estar de boa.
Às vezes eu queria ser o alumínio
pra me esfriar à toa.
Mas há contas pra pagar,
culpas pra negar, corpos pra beijar.
Gosto do que sou agora;
o resto de uma estrela morta.
Só não sou fã da ressaca
que vem depois.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

O BEAT CERTO

Tem a força pra bater
no seu peito e
encostar na sua pele.
Os pelos arrepiados
escutam a fumaça, a
leve brisa beijando sua nuca e
atrás da sua orelha.
O beat certo,
minhas palavras dentro da
sua cabeça, a voz soltando
cada... pequena... l e t r a .
As teclas ressoando algo
que só o corpo explica.
A gota do sereno
umedecendo seu rosto.
E o anoitecer gozando
o repouso do sol sobre
o vidro, o horizonte, as
nuvens tímidas.
O dedo na boca,
  As pernas amolecendo,
   Uma despedida com abraço...

A sensação
não podia
ser melhor.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

DÁ UM MALBORO AÍ (MARLBORO*)

Balançando um cigarro no
corredor escuro enquanto
suspiro pra mim:
"fica calmo".
Meu isqueiro explode como
gritos no espaço.
A leve fumaça envenena
meu cérebro...
Tô atrasado! Tô atrasado
pra conhecer novos abraços e
queimar um pouco de
vitamina D sobre
minha pele
(o Sol só nos visita por
algumas horas, não é?).
Olho o dia fugir pela janela.
Olho a noite em nado-borboleta
sobre o copo de cerveja.
"Como foi que cheguei aqui?"
Tá tudo meio confuso e
alguém gargalha do meu lado e
o agora é o único momento
que realmente existe.
O resto é bobagem, ok?

NO ESCURO

Eu estava cansado das lâmpadas
mas não sabia disto.
Num dia, minha vida acordou chata.
Procurei nos livros, no café, na
televisão, nos bueiros e em todo
canto um quê para deschatear tudo.
Saí de casa e começou a chuva.
Chuva com vento.
Molhei-me pra sentir algo.
Tédio.
Fui até uma amiga e a luz
havia acabado.
“Eu adoro ficar no escuro com as
pessoas”, eu disse.
“Oshe”, ela disse.
Olhávamos a vela queimar, e era
chato.
O fogo era chato, a cera era chata,
ela e eu éramos chatos.
Voltei para casa e havia luz.
Entrei no meu quarto, tranquei a
porta, quebrei a lâmpada.
No escuro você (só) existe.
E existir é legal pra caralho.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

ÀS VEZES NEM CONSIGO SAIR DE CASA

É a força que força
mentiras pra si mesma.
É a forca que enforca o
enforcador.
Estou ficando meio sozinho
nessas multidões e
aí eu sonho sua companhia.
É só adrenalina correndo
livre pelo meu corpo escravo.
Fico impressionado
com a forma que ela chega.
Isso me deixa meio sonolento,
mas meus pés não param de
tremer e minha mente
cai fora da estrada.
Ninguém tá rindo,
meu coração continua batendo.
Agora toda vez que eu digo
que esse mundo não é pra nós,
algo me acelera em lágrimas.
A noite ainda não acabou e
todo mundo começa a rir
como um lago em chamas.
E eu nem tento mais entender;
o cigarro apagou sozinho.

NÃO DEU CERTO, CERTO?

Estamos nos mudando.
Não era o que eu imaginava.
A casa virou nossa dona,
e a vida sempre arranja um
sentimento novo pra
atrapalhar o velho.
Abrigamo-nos, apesar
de amanhecer depressa
quando estamos no verão.
Mas agora você busca
a segurança de um pai.
Você pode ficar com
todo o meu amor.
Por muitas horas e dias
eu duvidei se isso
era o fim ou o começo.
Agora eu sei que estamos
em círculos.
Você pega o volante porque
eu ainda não sei dirigir.
Me larga na casa dos meus primos
e a lanterna dos freios
some na próxima esquina.

SEJA A MUDANÇA E BLÁ, BLÁ, BLÁ

É melhor isso funcionar agora;
vamos começar algo que
não seja tão ruim.
Que venham os abraços que
ganham o mundo.
A gente tem que caminhar
em frente pra mostrar
que há algo pra se fazer.
Você sabe, só pra melhorar
um pouco as coisas.
Você sabe que vai...
É normal sentir medo,
pois medo é bússola nas
mãos dos audaciosos.
Há muito pra mudar,
pois eu nunca vi o
conformismo
vencer uma batalha.
Você acende mais um;
tem gente que não gosta dessa
merda toda.
Fazer o quê?
Há muito pra mudar,
e a liberdade
sempre tem que dar
o primeiro trago.

FÉRIAS DE PESSOAS

O tempo me testa e
eu continuo no escuro
só pra ter uma boa vida.
Evitando o sol durante
semanas
só pra ter uma boa noite.
Não, não, não deixe meu
rosto seguro nessa gaiola
de sonhos mal-realizados.
Sou só uma pessoa que
se cansa fácil de outras.
Desculpa.
Sou só um pedaço da Terra,
me estufando nas ruas
enquanto a meia-noite
permanece doce.
As mãos me puxam pra pressão.
Me visto de carne e movimento
pra calar minha mente.
Deitado sobre vinho,
eu continuo no escuro
só pra cobrir o tempo que resta.

UMA JORNADA FÁCIL

Me estressando por fora.
Mas nada é real.
Me diga o que são pequenas coisas e
o que você sente quando as perde.
Tudo o que quero é
pegar leve e
dar um abraço apertado nas
nossas preocupações.
E na metade do tempo,
a beleza morde a isca
e tudo desmorona mais uma vez.
Tudo o que quero é
pegar leve e
sentar do seu lado enquanto
esvaziamos nossas garrafas.
Prometo não falar mal dos
nossos erros e
dos erros dos outros.
Talvez seja um sonho bobo
na vitrine da ingenuidade.
Vamos apenas jogar
mais uma rodada
de sinuca, ok?

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

RISADA MINÚSCULA

tô cortando a barra da calça que
comprei no brechó.
de cinco conto foi pra três;
culpa do meu sorriso.
consegui mais coisas na vida
sorrindo feito um idiota
do que brigando feito um imbecil.
gritei tanto comigo que
acabei sangrando algumas vezes.
eu achava que já conhecia as pessoas,
que não havia nada para mim ali
no meio delas.
eu me levei a sério demais
apesar de ser minúsculo
diante de tudo
(um cara mimado pela sorte).
resolvi cortar a calça agora porque eu li minhas anotações
suicidas do ano passado,
e eu juro que
senti medo de voltar no tempo.
tô bem agora; mudei demais pra
sentir as mesmas dores de ontem.
porém me sinto frágil pras de amanhã.
melhor não pensar a respeito.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

REFORMAS

Eu tô tentando ser uma pessoa melhor.
Tô me esforçando todo dia
pra não cair nos bueiros cagados
da negatividade.
Tô comendo coisas saudáveis,
tô sendo devorado por pessoas doentes.
Eu não ligo tanto assim pra isso.
Gosto de dormir de lado,
cabeça quieta,
escutando o guarda-noturno
e as baratas num culto dentro
do forro.
A jornada tá boa.
Caso eu esbarre em você durante isso,
eu sinceramente espero
ter deixado algo não tão ruim
pra suas memórias.
Beijo beijo.

terça-feira, 8 de maio de 2018

LINGUAGEM CORPORAL

Lambendo seu corpo do pescoço
até a virilha.
Está calor e nosso amor é frio.
Tento esquentá-lo te botando
de quatro ou te pegando no
colo, metendo no ato.
O suor derretendo o gelo
das nossa falta de diálogo.
Alguns relacionamentos são
assim mesmo; linguagem corporal.
Na minha língua digo que
seu gozo está doce.
Talvez tenha sido aqueles bolinhos
que compramos na Peixoto.
Você se prende aos meus cabelos,
nossos mamilos roçando lubrificados
pelo atrito.
A foda é boa, o foda é depois.
"Sobre o que iremos conversar?"
"Nada".
Você pega suas coisas, penteia os
cabelos, vai embora.
Adorei conversar contigo.
Até a próxima...

BLUE MONDAY

Não tem porra nenhuma pra fazer.
Copo d'água, café gelado,
cigarro escasso.
Fazer alguma coisa quando
nada tá acontecendo.
Eles me chamam, demandam
algo que hoje não posso oferecer.
A outra opção é uma
segunda-feira de trabalho, volta
pra repetição.
Pro trampo, a raiva,
pagamento custa maldição.
E é sempre a mesma coisa,
nada muda, tudo assusta,
vida entulha, bar acena, peço uma
pra fugir dessa merda
onde me enfiei.
O pior dia da semana é também
sua primeira chance.
Vida que segue, olho no lance.
Sua história é estatística ou
é seu próprio romance?

segunda-feira, 19 de março de 2018

RECICLÁVEL

Uma vez eu quis me espalhar
em pequenos pedaços de papel.
Larguei muitos futuros pra
fazer as pazes com o agora.
E eu larguei até

meus erros, meu jeito,
esboço frio da agonia.
Preto refletindo o escuro,
alastrando na retina
a convivência entre os planos
e os anos que vão passando.
No abismo eu encaro a carne,
poço cheio transbordando
o alarde dessas vozes
dizendo que é tudo engano.
Se não posso mais ser eu,
o que sobra disso tudo?
Sobra o mundo, o fundo,
o prato abandonado.
Bênção de ser humano,
Maldição de ser sagrado.
Covardia, despreparo,
amarrado ao agrado
de um outro ser humano
cheio de medo do palco.

Posso ser eu. Assim tá bom?
E você pode ser o que você é.
Desse jeito mesmo.
Nossas diferenças nos completam.
Posso me colar pelas ruas,
dizer o que penso e propagar
minha essência como um vírus.
Mostrar minha imperfeição e
o reflexo do que é sentido.
Larguei muitos futuros pra gente
poder se ver.
Agora basta abrir os olhos e
deixar fluir.

quinta-feira, 15 de março de 2018

UMA CONVERSA

Daqui a pouco a gente fala.
Deixa eu acender um antes...
Frase solta que me empala:
"Não consigo ir adiante"
Problemas vão aparecer.
caneta grita
a vida
em folhas de sulfite
acima de palpite.
Conquistas vai merecer
aquele que sobreviver
ao ódio mascarado.
Bom samaritano? Ha! Meu rabo!
Fujo no fumo num canto inseguro
porque não assumo minha voz
no tumulto.
Sem precisar sangrar numa letra
Sem descartar aquilo que tenta
derrubar.
Rasteira carinhosa, mente quadrada.
Rasteira bem formosa, liberdade enquadrada.
Me vê uma dose. Me arranja um doce.
Como tiro de doze, mente derrete o controle.
Pra que realidade se o que ganha é maldade? Prefiro minha imagem nos braços de uma miragem.
Até eu acordar com ressaca maldita.
Notícia que dita
mortes desmerecidas.
O choro do anjos caem sobre os demônios torturando como insanos nossos planos, nossos enganos.
Entretanto tem saída;
poema que gira
o mundo de uma vez
e faz formar a fila
dos que não aguentam e sentam na
mesa de um bar
pra encher o copo e o corpo
e a alma esquentar.
Já chega, vamos conversar:
fugir não adianta quando tudo
tem que mudar.
- E o que vamos fazer?
- Não sei. Talvez fazer do que somos um rei. E esfregar o respeito na cara do medo.
- E se der errado?
- O importante é não morrer calado.

E o beck se apagou na chuva.

terça-feira, 6 de março de 2018

FRESCURA

Eu ainda te amo,
mas só os mais fortes sobrevivem e
não se tornam insanos.
Vou enfiar esse amor
no cu de outra pessoa,
com toda força.
Pois eu não posso ser vulnerável;
você não acha isso atraente.
Vou deixar essa frescura de lado,
passar por cima de
qualquer palavra que
soe decente.
Eu tô cansado de ter de beber
para ter coragem de ser
quem eu sou.
Deitar toda noite com desgosto
de mim mesmo, com vontade
de chorar e nunca mais encarar
a rua.
Tô cansado de pensar em suicídio,
de ter que fumar um
só pra relaxar do
estresse de engolir meus sentimentos,
meus instintos,
meu desejo de subir em cima
de você.
Achou ofensivo?
FODA-SE!
Achou defeituoso?
FODA-SE!
Achou ridículo? Inútil? Vai deixar
de gostar de mim?
FODA-SE!
Esse sou eu, pondo um
sorriso na merda do meu rosto
depois de tirar essa máscara de
alguém sensível.
Esse sou eu me adaptando a
guerra, ao caos, à miséria e
aos erros que você não assume e
que deixam tudo pior.
Esse sou eu tendo coragem de
dizer não ao jogo.
Sempre.
Me chupa.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

FODE

Já estávamos sozinhos há
muito tempo e
isso ajudou um pouco.
Comecei pelos beijos,
tirei a parte de cima,
encostei meus lábios no pescoço,
passei pro peito e deslizei até
um pouco abaixo do umbigo.
Senti seu corpo tremer.
Abaixei as calças, tirei a
roupa íntima e
chupei carinhosamente
tudo o que havia alí embaixo.
Os dedos se entrelaçavam
pelos meus cabelos enquanto
eu trabalhava.
Noite cinza, o véu solitário
preso no medo de se soltar.
Mas se soltou (culpa da minha língua quente, mole e úmida), num orgasmo que
lavou tudo pela frente.
Tento não me apaixonar pelo seu
rosto cansado e macio;
é isso o que me fode.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

SOBRE ESCREVER ESTANDO BEM

    Algumas vezes eu tenho uma crise ou outra. Não importa muito do quê; só perceba que eu sou um cara normal, num planeta normal, numa existência normal. Geralmente quando eu travo, alguém aparece pra eu me apaixonar. Então surgem alguns poemas românticos, uns pensamentos bestas sobre sexo e aí eu espero até me decepcionar novamente. Vou pra rua, começo a observar mais as pessoas. Tento reparar no que elas têm que eu ainda não tenho. A primeira resposta é dinheiro. Entretanto ela se contradiz na maioria das vezes. Não, eu já tive muita grana (pelo menos pro que eu quero da vida), mas mesmo assim as pessoas sorriam de uma forma diferente da minha. E era sobre isso a nova leva de poemas: nossas diferenças.
   
    Se você busca uma fórmula mágica pra escrever, então aqui está uma: sofra. O máximo que você puder. Depois ultrapasse isso. Geralmente não é muito difícil. Os sentimentos sairão verdadeiros, rasgando sua cabeça como estiletes enferrujados.

    Só preciso te avisar que tudo passa. Uma hora não haverá motivos para escrever. Quando você não precisar dos poemas, você descobrirá se é esse o seu caminho. Pois se você consegue digitar um verso ostentando um sorriso, e mesmo assim esse verso presta pra alguma coisa, então pode seguir em frente sem pestanejar. É que tem muito viciado por aí. Viciado em costumes, em modas, no passageiro. Falam e escrevem como os mortos respiram. E há pouca vida na nossa cena, no nosso filme de rua.

    Não seja só mais um. Tenha as suas crises. Supere-as e sinta orgulho disso. Ou sinta o que for; não importa enquanto você se expressar. 

EU FAÇO O MEU CAFÉ

Café está na pausa do costume
de tentar arrancar energia da
continuidade.
Nunca paramos.
Nunca dormimos.
Nem respiramos.
Nem nos abrimos
pro que dá pra ser
sendo você, e
pro que dá pra ver
sem entender.
Preciso fazer a barba e cortar o sal.
Também preciso de um trabalho
que me faça mal.
E enquanto eu penso num jeito de vender fé
eu faço
o meu
café.
Mas não se guarda mais amor como
antigamente.
Você só cola o que te cabe
e pinta a parede
pra reformar o cemitério
de expectativas.
Um caso sério com alguém que iluda
perfeitamente
pra não precisar
seguir em frente.
E enquanto eu penso num jeito de vender fé
eu faço
o meu
café.

DIÁLOGO ENTRE CORPOS

Meus dedos são ótimos em
puxar assunto com seu corpo.
Eles conversam com
cada centímetro seu,
passando dos seus cabelos
para os seus pelos.
Gosto que eles ainda estejam
em seus devidos lugares.
Nós não estamos.
Pelo menos a minha
língua
ainda sabe abraçar a sua.
Você desaprendeu.
É tempo demais entre
nossos lábios e
é vazio demais entre
seus gemidos.
Você está fria e, ao mesmo tempo,
molhada.
Quente por dentro, eu sei.
Sua lubrificação não mente que
ainda há algo acontecendo aqui.
Mas nós mal conversamos.
Você não me disse bom dia e
nem perguntou se eu senti a
sua falta.
E mesmo assim, aqui estamos:
meu dedo médio massageando seu clitóris
suavemente.
Suas pernas tremendo e mudando de posição.
Sua respiração ofegante, seus olhos
olhando para minha boca, o desejo
da mordida, do "eu te amo", do
que já passou e persistiu...
Pronto!
O silêncio, o teto do quarto, o lençol bagunçado,
as palavras que não foram ditas.
Meu corpo ainda sabe
conversar com o seu.
Só que isso não basta.

BLOCO

Vazio é o escape da agonia.
Mas não quero ser mórbido num
carnaval.
Prefiro tentar ser normal
enquanto ainda é verão.
É difícil dizer qual a diferença
entre momentos ruins
e alguma bênção.
Pois o pior eu já
chamei de "amor", e
o melhor me trancou
no quarto por um ano.
Eu nunca liguei muito pro que eu dizia
enquanto a véspera não chegava.
Mas não quero ser feliz
dentro do outono.
Prefiro tentar ser anormal
no mundo recatado da euforia.
Vazio é o santo das multidões
usando coroa falsa na terapia.
Só não se deixe engolir
pelo raso estreito da perfeição,
porque somos o que erramos
e o que conquistamos sempre
em vão.
Mas já chega de depressões que rimam.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

CHORO FORÇADO

Eu tô chorando de propósito.
Sem motivo algum.
Só pra equilibrar as coisas.
Melhor eu chorar agora que tô bem
do que soluçar compulsivamente
quando algo acontecer.
E eu sei que vai.
Não sou bobo.
Já passei por carnavais o suficiente
pra aprender que nada é eterno,
que situações desagradáveis me
esperam em algumas dessas
365 páginas.
Só tenho medo de uma coisa nesse
mundo inteiro:
andar pra trás.
Desaprender.
Voltar a ser o que eu era.
Mas eu nem tô pensando nisso.
Botei uma música bem triste,
uma que me lembra que
você é meu tipo de mulher,
que eu não me importo tanto assim comigo,
que eu sempre dou TUDO de mim
para quem eu gosto, embora
meu tudo não pague nem uma
porção de batata.
E que, conforme as pessoas
vão saindo da minha vida,
eu sempre acabo no meu quarto,
pensando se não fui o suficiente,
se vou aguentar até meu aniversário
em Maio, se eu
sigo o baile ou não.
Tô chorando de propósito pra
você não me achar um besta
quando nos encontrarmos de novo.
Porque eu não quero ser desagradável.
Quero apenas ser aceito, como se
eu fosse alguém que importa de verdade.
Mas eu sei que a gente deseja
aquilo que tá todo mundo desejando.
Eu sei que somos egoístas demais,
fúteis demais, temporários demais
para que qualquer "eu te amo" tenha
algum valor real.
E ultimamente tá sendo muito fácil chorar de propósito.
Talvez porque, no fundo, ainda há
alguma tristeza mal curada.
É isto.

ABERTO

"É claro que eu sinto ciúmes.
Eu sou o mestre em sentir
as coisas.
E eu sinto muito", Jorge disse.
Abraçada com um outro cara
totalmente diferente (de olhos claros,
músculos definidos, dentes,  barba, pâncreas),
Viviane deu de ombros e o beijou.
Havia outras bocas lá naquela
balada, mas Jorge preferiu
voltar pra casa;
o problema era dele.
E a dívida das alianças
recém compradas também.