terça-feira, 19 de novembro de 2024

PRA ENCERRAR A NOITE

acendo mais um
numa desculpa de ser mais
um pouco menos eu

e peço mais uma
num gasto intragável
bebendo minhas dívidas
pra ser mais legal
menos normal
como todos

levanto deixando minha alma
sentada na cadeira
esperando que meu corpo
não brinque a brincadeira
de esquecer
o que nos cabe
o número da nossa mesa

e quando volto
foi todo mundo embora
cada um no seu mundo
gritando e chorando
palavras que não entendo
meios-sentimentos
funcionando num emendo
tão perigoso quanto
tudo o que está sendo
ao nosso redor

fico indo embora
e quando vou ainda fico
ensaiando as frases já ditas
na vergonha da ressaca
no nunca mais que daqui a pouco
quando o fundo do poço
estiver à beira
das conversas rasas.

pra encerrar a noite
eu me despeço
fecho a conta
e abro a porta
do quarto
com certa dificuldade.

ME SINTO UMA DROGA

numa eternidade passageira
vão me carreirar
e perguntar
"e aí, quem cheira?"

vão me lamber numa seda
me babar e me enrolar
me tragar e depois
sou fumaça

vão me beber
vão me gorfar
e apenas
apertar a descarga

vão fingir que faço bem
que sou a única coisa que tem
ninguém sendo ninguém
e todo mundo no além
de suas desilusões

como se suas visões cegas
enxergassem o que não veem
mas o que eu vejo
se estou no escuro também?

vão me empacotar
me botar
debaixo de suas línguas
dizendo meu nome
como se eu fosse
a pior droga
de suas vidas
enquanto lambem suas feridas
com o veneno de suas salivas
babando e espumando
anjos que não voam 
com asas corroídas.

PEQUENO PALHAÇO

eu não sei o que é
um relacionamento
desde que
me relacionei com espinhos

eu os puxo
da minha pele
todos os dias
e ainda mais
quando uma rosa me aparece
dizendo que seu perfume
valerá a pena

eu sei o preço
e todos sabem meu sorriso
o quão difícil
foi mantê-lo

vai ver eu deveria chorar
minhas margaridas secas
ou o boldo magro
ou a grama morta
que comprei na biqueira

você fez uma brincadeira
com meus estilhaços
montou uma imagem
de pequeno palhaço
só que eu não ri
eu realmente não achei graça

e talvez seja isso
não passe de uma piada
eu me isolando de todos
e todo mundo dando risada.

VOCÊ TEM FOGO?

fogo para estar vivo
fogo para esquentar
minha comida de ontem
e o cigarro de agora
no horário de almoço
na pausa do relógio
no flerte do minuto com as horas

isqueiro roubado
roubando minha vida
um maço de cada vez

quanto de mim
deixei no cinzeiro
porque fumei as palavras
que não disse?

e o filtro deixa sujo
todo o resto do mundo
eu me confundo
sou o que sou hoje
ou o que me preocupo
no futuro?

marca barata
que deixo no corpo
ferida mal cicatrizada
fazendo sombra no peito
deixando o coração no escuro
do seu próprio esquecimento
já que bateu a vida toda
menos nas pessoas certas
menos para as pessoas certas

você tem fogo
para queimar meus pensamentos?
eles fluem em cachoeira
toda vez que dou bobeira
achando que nado num lago
de tempo parado
um tempo separado
da minha correria

mas tudo corre pro seu fim
e talvez seja assim
tão simples quanto se eu fumar
se você me acender
se você tiver fogo para mim.

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

POEMA DE UM BÊBADO ÀS DUAS DA MANHÃ

eu tô bem
tão bem quanto posso estar
nessa armadilha que me criei
em tentar ser
sempre melhor
do que o meu melhor

eu tô nessa armadilha
de me exigir o que não posso
e ser algo que ainda não sou
mas seria
se eu fosse
mais livre de mim

é por isso que bebo
bebo para te esquecer
bebo para ser
apenas ser
essa luz que tem dificuldade
de transparecer
lúcida

e eu me descontrolo
para me controlar
os passos que devo dar
caminhando para um abismo
desconhecido

e eu bebo, bebo, bebo
até me engolir por inteiro
um gole seco
um trago de desespero
eu ainda não sou
o que quero que seja
a minha pessoa
sóbria
embriagada de vida
dividindo meu tempo
com a realidade
e a merda
da minha fantasia.

EU SUPEREI MEUS PIORES DIAS

abri a janela pro meu escuro
sobrevivi todos os dias que morri
que precisei de você
e você não estava ali
 
um cigarro me fuma de vez em quando
e dou passos à lugar algum
superei meus piores dias
um por um
hoje o acaso não é diferente

e se ando sorrindo minhas dores
e se você me quer uma parte
eu posso te dar uma metade
de um eu por inteiro

bebendo seco
numa mesa de estranhos conhecidos
a gente sabe quem somos
só quando enlouquecemos
quando deixamos nossas chamas
se alastrarem por nós

queimei meus dedos
tocando sua frieza
agora deixo de buscar aí fora
o que tenho em abundância
dentro de mim

abri a porta para respirar
sou expressão da criação
um constante rascunho
de uma obra de arte
exposta pra quem quiser ignorar
eu já não ligo
tenho olhos para mim mesmo
olhos que aprenderam 
a me enxergar.

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

NÃO PRECISO DE CARIDADE


com a alma esfarelada
na mesa do bar
eu peço mais uma dose
de você
pra ver se lembro
que superei
todos os piores dias
que te precisei
e você não estava.

com as calças no joelho
jogo no esgoto meus sentimentos
um banquete para bactérias
solitárias

na pia eu vejo o espelho
e uma fila de gente apertada
segurando seus desesperos
na bexiga inchada
no fígado marinado

volto pra mesa desapegado
como se já não importasse
quem alí sentasse
e dissesse
"eu também passei por isso"

e minhas mãos alcançam o copo
o copo que está cheio novamente
e que transbordará esta noite
com os meus desejos

meus pés esfregam a calçada
no ritmo da ansiedade
já te disse:
não preciso de você
não preciso de caridade.

EU SOU MAIS QUE MINHA ROTINA(?)


pés descalços no quarto
pele nua sobre o frio
de uma manhã inconstante.

dedos viciados
alcançam o maço.
nada como começar o dia
morrendo um pouco.

hoje a programação é ficar
preso no mesmo lugar.
hábitos apertados na canela.
suas marcas me trazem um conforto
desconfortável.

tenho mesa mas como na pia.
tenho cadeiras mas engulo
sapos de pé
com a cabeça erguida
todas as vezes
que consigo.

botar a mão na maçaneta
é fácil.
difícil é girar o pulso.

pés calçados na rua
à procura de um ônibus
que me entenda.
tenho contas à pagar
e bolsos meus à esvaziar.
lutar na arena do trabalho.
matar um leão por dia.

e meu cansaço dorme
no chão do trem
no nível mais baixo
do poço
onde o escuro faz cafuné
e o silêncio consola.

quando chego em casa
já não existo.
se é que existi.
se é que
estando vivo
eu vivi.

POEMA FODA PRA CARALHO

meus dedos maltratam as teclas
tentando escrever
um poema foda pra caralho

enquanto minha cabeça
está em você
que não existe mais
no meu "nós"

você tá bem, eu sei
meus olhos espionaram
suas fotos
na praia

você tá bem, como todo mundo
todos menos eu
que discuto
com a página em branco
que me deve
um poema foda pra caralho

eu vou chegar aí
um dia
agora eu tô aqui
no meu dia
coçando meu corpo
numa alergia
de esquecer isso tudo

a bunda na cadeira
pega o formato da madeira
vou vestir calças quadradas
deste jeito

meus pulmões fumam
outro Rothmans Global
como se não respirassem
toda vez que perco o fôlego
nas ironias da vida

e minha boca beija
uma caipirinha
de suco Tang e Corote
patrocinada
pelos meus vícios
e pelos meus traumas

meus dedos salvam um poema
bêbado e demasiado alcoólatra
com tons ásperos
tão verdadeiros
quanto a língua de um gato
pedindo pra você abrir a porta
assim como você pediu
na última vez que você me viu

não sei se tenho
um poema foda
só tenho palavras
eu sempre só tive
palavras
pra dizer
o que sinto.

terça-feira, 5 de novembro de 2024

PERDOAI-ME (AUTOCOBRANÇA POR GRATIDÃO)

como você não consegue enxergar
este amanhecer que te queima
estes olhos inúteis
que só veem
passado e ansiedade?

sinto que não merecemos
este presente
já que o descartamos
pela próxima dose

uma pedra
está mais aqui
do que você

um poste
que apaga sua luz
está mais aqui
do que você

aonde você vai
com estas tuas células ingratas?
vai buscar outro prazer líquido
esfarelado e branco
vazio e inexistente
como o que você fez da sua vida?

a beleza grita cada detalhe
para um bando de surdos
incompetentes
em serem vivos

tudo vai pro lixo
pro ralo
pro esgoto
o milagre da existência
boiando feito merda
banquete pra bactéria
contente apenas por ser
algo sem cérebro
mais sábio do que a gente

ninguém vê
e eu também não vi
o dia virando suas costas
sem se despedir.

O QUE ESCREVI SOBRE MIM BÊBADO

eu estou bem agora porque

tudo parece mais simples
e eu não ligo mais para as coisas
eu to mais leve
não tô pensando tanto na minha imagem
foda-se a minha imagem
foda-se a minha imagem
e a noite está gostosa
e tenho mais goró pra fazer
tô achando meus poemas maravilhosos
estou prometendo favores que eu não gostaria
tô fumando mais do que o normal
quero mais álcool
meu corpo está mais solto
tô rindo sozinho / por coisas bobas
eu quero ver / interagir com pessoas
tô esperançoso
dinheiro não é problema
tô repetindo minhas músicas favoritas
tô aumentando o volume, fodam-se os vizinhos
estou mais emotivo (chorando por querer mudar)
mais vontade de escrever
rolê
quero dançar e ser feliz
eu já tô feliz
não quero que acabe
tô mais impulsivo / agindo sem pensar
não tô pensando muito nas consequências
mais coragem para andar na rua (pra comprar álcool)
vou gastar dinheiro impulsivamente (com bebida)
mais vontade de entregar poemas para qualquer pessoa independente do retorno financeiro
tô falando mais sozinho em voz alta
mais vontade de fazer tarefas de casa e em geral
tô mais esquecido
eu sou muito foda
mais ímpeto em ter conversas difíceis / desabafar meus traumas
mandei mensagem para ------
imagino conflitos e ensaio discussões
COMO É BOM ME DEIXAR SER
estou cantando as músicas em voz alta, bem alta
tenho sede de viver, de experimentar
estou puto com os números do instagram
fumei um maço e meio
sentindo nostalgia com legião (vamos fazer um filme)
tô cantando legião com todas as minhas forças
chorei (DE SOLUÇAR) de alegria com black hole sun
agora estou questionando minhas escolhas, quem eu sou
tô querendo resolver todas as questões "erradas"
quando fecho os olhos o espaço parece maior
picos de humor
sono
me sinto invencível
agora perdi o controle

A PONTA

sobrou uma faísca
de algo que ninguém precisa
e estão todos desesperados
para ter

ficou o passado de escanteio
do lado do medo, de joelhos
tentando se autoesquecer

chamou os seus amigos mais baratos
pra verem de graça o amanhecer
e os companheiros desamparados
preparam-se pra deixarem de ser

e eu sei
não é sua culpa
ser você
nem a minha

a ponta aponta o incerto
se gritar deixar de ser correto
mas se falar baixo
ninguém escuta
e nada muda

sobraram trocados suados
bolsos vazios copos calibrados
e almas no meio-fio

é assim que me enxergam
pelo vidro do copo
será que eu posso
me fumar aqui?

chamou os pesadelos mais pesados
como se o sonho fosse sorrir
enquanto dão risada por nada
segurando o choro para não cair

e eu sei
não é sua culpa
viver
nem a minha

a ponta aponta o incerto
uma piada levada à sério
ele subiu no palco
e ninguém aplaudiu
e nada muda
nunca muda
nada muda

nunca muda.