segunda-feira, 29 de março de 2021

DO LADO DE FORA DO PORTÃO

Lá fora é vida, morte e vento,
Aqui dentro só existe o tempo
pulando cada ponteiro.

Do lado de fora do portão
existe a possibilidade
e a tristeza, e o fim
e o começo.

Enferrujado, tão enferrujado
meu bem, meu coração
arranha nas batidas solitárias.

Um pombo perneta
come lixo
num asfalto de domingo.

Eu só bebo e bebo e bebo
e bebo e bebo e bebo
e bebo e bebo e beb...

EU ACREDITO NO CAOS

O humor alterado do céu paulista,
chorando e ardendo
ao mesmo tempo.
Antes de poder ter
alguma idéia decente,
o grande Negro Lu
se aproxima e fala
em dialeto enrolado
algum caso
impossível de compreender.
Cambaleia, finge que vai e
fica.
Sentados na calçada,
espumando cevada,
os insanos do
São Pedro carregam-se
em carrinhos de mão.
Vozes amplificadas
assustam gatos machucados e
cadelas no cio.
Enquanto a noite azul
vira sombra, as teias
de fios emaranhados
caçam as
últimas pipas azaradas
do dia.

Eu acredito no caos
como acreditei em
tudo o que não era.
Acredito no que é bagunçado,
no desalinho dos
detalhes imperfeitos.
Na lua cheia fatiada
por nuvens densas.
Nas pessoas bêbadas e
sem rumo algum,
sem nenhuma garantia,
que estendem a mão
quando necessário;
o dever mal cumprido
dos anjos.

Agora tudo ficou quente e
distorcido,
desarmonia impura
limpando a sujeira
das expectativas ingênuas.
Carros empoeirados que
viram lama depois da chuva.
Barro que vira gente.
Gente que vira lixo.
Os deuses estão todos
entorpecidos,
jogando dados
e apostando nossas
vidas numa partida
de dominó.
Eu acredito no caos,
no simples caos,
no complexo c a o s
n     o           pu R o

                  C      a       O  S

FERIDAS ABERTAS

A gritaria das paredes
de quartos alheios
ecoam pelo asfalto
até o alto do meu travesseiro.

Tem sido dias difíceis.
Feridas abertas expostas
ao marasmo das mesmas horas.

Estas vozes riem como
se o mundo não estivesse
em colapso e
talvez não esteja mesmo,
é mente delicada
ardendo em paranoia.

Levanto, tomo um
copo d'água e fixo meus olhos
numa rabiola morta
no emaranhado de
cabos telefônicos.
Tintas queimadas pelo
sol poluído.

Às vezes todos estão
normais. Apenas eu
existo neste meio-estado
de vida.
E às vezes só eu
estou bem,
dissincronizado com
o planeta.

A gritaria finalmente acaba.
A última moto é empinada.
O último copo de uísque
com energético é jogado
na boca de lobo.
Então confiro se realmente
tranquei o portão.

O BEM-TE-VI NA ANTENA

A tarde tava em miúdos
como o resto do dia.
Seu gosto era de
plástico queimado.
As sonecas foram pra ver se
tudo acabava mais rápido.
Lá do telhado vi gente na rua,
distantes igual a lua.
Parecia que a vida só ocorria
à eles.
Meti-me num vácuo sádico
que roía a alma aos poucos.
Já não havia quase nada
dentro de mim, e as notícias
pairando nas ondas sonoras
em nada ajudavam.
Pessoas morrendo e
eu expirando ingratidão.

Foi quando o bem-te-vi
pousou na antena do vizinho.
E então houve só o bem-te-vi.
Só seu bico coçando suas
penas amarelas.
E as suas patas no ferro,
e o céu no fundo.
O bem e o mal sumiram.
A dor e o prazer sumiram.
Um vento de chuva pincelava
minha pele.

E por um momento, silêncio.
Não no mundo; em mim.
Aí o bem-te-vi voou.

quarta-feira, 10 de março de 2021

MATEI O RESTO DO GORÓ

Chapei no cantin,
mandei no cantinho,
final de amargo,
gostin de fim.

Poema incompleto,
complexo imperfeito
do pretérito não feito.

Futuro cobrando,
Tá tirando mano?
Tá tiran dos mano
o tempo
pra pagar seus engano.
Nada rima 
na ferida sangrando.

Cabeça na mesa, repensa
e pesa na pressa que estressa
em ofensa a caneta
grita, maluco!
GRITA, doidão!
Cê tá brabo
na comida de rabo
dos versos disparados.

Click, carrega o ferro,
atira no teto,
deixa Deus te ver.

Click, carrega o cano,
atira no crânio,
deixa a mente morrer.
Carai, que tinha nesse goró
que eu tô chapan?

GARRAFA CHEIA

    _______
   |va z io|
   |_______|
    |     |
    |     |
    |     |
    |     |
    |_____|
 |Beba comigo|
 |enquanto   |
 |posso viver|
 |bebendo.   |
|A garrafa,   |
|mesmo cheia, |
|não é nada   |
|pra gente.   |
|Porque quando|
|o último gole|
|molhar o     |
|             |
| v a z i o   |
|             |
|os olhos irão|
|ver o que já |
|viram por    |
|todo este    |
|tempo perdido|
|.____________|

VEJO

Eu vejo a cidade vazia e
os olhos fissurados, repetidos
pelos espelhos da janelas de
trens malditos.
Galhos secos mordendo e assoprando
a morte, flerte inútil
de falas mal pensadas.
Goiabas esmagadas, abandonadas
por um pé deprimido
de um conjunto habitacional
esquecido,
sangrando rosa e moscas
na calçada blasé.

Eu vejo o túmulo dos anjos,
o palco dos demônios.
Vejo anjos e demônios
polarizados.
Dez mil à direita,
Cem mil à esquerda,
e todos são atingidos
por balas cegas.

Vejo o ar de mentira
em cilindros faltosos,
silhuetas assombradas
pelos erros gigantes
de pessoas pequenas
com poder imenso.

Vejo o fim e o começo
misturados na mesma 
ração.
Gente que morre de fome.
Gente cagando e andando.

Gostaria de não ver mais,
mas o que se vê é o que
se sente.
E o que se sente
marca pra sempre.
Um corpo apodrecendo
nas próprias cicatrizes.

sexta-feira, 5 de março de 2021

SEXTOU

Pobre espermatozoide vencedor;
perdeu a semana inteira.
Agora tenta lucrar
na sexta
como se um dia
pagasse todo o resto.
O rastro de merda,
olhares pro relógio
e mãos na testa.
Advertências, suspensões,
humilhações, abusos.

SEXTOU!

Cadê o goró?
Vamos beber até
que o amargo da melancolia e
o pesar do fermentado sumam.
Vamos lembrar que
a vida é boa
no fim-de-semana.
Apenas agora, e
se bater a brisa,
se rolar alguma coisa,
se voltarmos pra casa,
se não fingirmos sorrisos.

SEXtou...

terça-feira, 2 de março de 2021

ME DÁ UM CIGARRO QUE TE DOU UM BEIJO

Me dá um cigarro.
Ô, me arranja um pigas.
Dá um aí.
Ei, tem cigarro?
Dá uma piroca do capeta aí.
Me vê um maço de
autodestruição.
Me dá um beijo.
Um selinho.
Lambe minha língua
só na amizade.
Cabô o cigarro?
Quem vai lá comprar?
Ah, porra.
Ô, me arranja outro pigas.
Tô na dois.
Divide comigo
a bituca da desesperança.
Baba comigo 
no filtro de algodão.
Morre comigo, morre comigo
bem aos poucos,
perdendo tempo
como deuses.
Xô dá um trago aí, na moral.