terça-feira, 31 de março de 2020

CARTAS PARA O FIM DE TUDO 2 - ELA PARTIU

Para se fazer uma caipirinha boa mesmo, você primeiro aperta e rola o limão contra a mesa pra soltar o suco. Corta as tampas, divide em quatro e tira o gomo branco que fica no meio. Ele tem um gosto amargo. Então o gelo, o açúcar por cima e aí a cachaça.
Você pode ter um jeito melhor. Qualquer um pode. É especial pra mim, porque foi ensinado por uma pessoa especial. Ou era sorriso, ou uma calma. Ondas no anoitecer do litoral. Ela era lua cheia, sem nuvens no céu. Só o espaço infinito. Com certeza ela é uma das estrelas agora.
Uma vez ela fez um omeletão recheado com tudo o que tinha na geladeira. A gente tava bêbado e qualquer coisa serviria. Mas havia amor ali, nos ovos que fritavam e endureciam. Não precisava daquele carinho todo. Ela caprichou mesmo assim, como se fosse uma ocasião especial. Talvez fosse. Na cabeça dela, toda ocasião era especial. Só fui entender isso agora. E quão especial foi aquela noite, agora que não há outras para se repetir? Quando alguém querido morre, você desespera pra que, pelo menos, isso não seja em vão.
Bem, eu tô desesperado, e a única coisa que posso fazer é celebrá-la. Um novo jeito de viver, como ela vivia uma situação, os poucos momentos, a noite aconchegante e o dia alérgico. Suas fotos, o sorriso, a caipirinha. Tudo isso gritando na minha cabeça como mil vozes estridentes "VOCÊ RECLAMA DEMAIS DE TUDO".
Ela, daqui em diante, será a serenidade do meu corpo. Agradeço por ela ter sido exemplo, prova de que a vida tem gosto bom. Foi sorte demais ter cruzado com ela por essa jornada, mesmo que por alguns passos. Mãos dadas até a estrada bifurcar. Chegou em seu destino mais cedo do que prevíamos. Mais cedo do que queríamos.
Sabe de uma coisa? Mesmo se você não souber de quem estou falando, tá tudo bem. Ela era tímida, afinal. Ninguém é o próprio nome.
E que ela viva eternamente em nossos corações.

CARTAS PARA O FIM DE TUDO

O jeito é botar a MÚSICA no último volume, fugir pro abrigo do conforto. Abrir a janela, fechar os olhos, beber os últimos trocados. Comprei um Corote e um suco e quase me sinto bem. Só que falta algo essencial: alguém para dividir. Beber sozinho é como engolir veneno lentamente. Bem, não importa agora. Já que é o fim do mundo, deixa eu dizer algumas coisas:
1 - Foi tudo uma grande besteira. Tantas mesquinharias, fofocas, intrigas desnecessárias. E agora eu sinto falta de simplesmente sentar na praça. Pegar um trem. Sentar na calçada da Peixoto Gomide. Dar moedas para um morador de rua. Recusar um beck. Aceitar um beck. DAR A PORRA DE UM ABRAÇO. E toda aquela ansiedade na minha cabeça, o medo de morrer, de ser ridículo, de ser quem sou realmente. A inveja que senti dos outros, dos que eram ricos, famosos. A vitimização... Estamos perto do fim, e de que tudo isso adiantou?
2 - Me desculpa. Eu fui um total fracasso no que diz respeito a ser um bom amigo. Estava ocupado demais com o meu próprio cu. Preocupado em ficar bem. Ficar bem, ficar bem, ficar bem e agora tá todo mundo mal, incluindo o otário aqui. Então me desculpa por ter sido tóxico, por não querer que você tenha vivido sua vida sem mim. Por ter contado seus segredos, ter me intrometido no seu relacionamento, por ter te agredido verbalmente. Quando tudo explodir, não quero que minha poeira carregue este peso.
3 - Escrever me faz mal. Sério. Depois de escrever, ou até mesmo tentar escrever, meu corpo dói. Meu espírito fica fragmentado como copos lançados na parede. Além disso, não consigo fazer isto sóbrio. No mínimo uma lata para me acompanhar pelo processo tortuoso que é botar algumas palavras numa página em branco. Ser o que sou tem me destruído aos poucos, mas graças a Deus o mundo vai acabar antes de mim.
Escreverei mais cartas para o fim de tudo conforme a quarentena se estender. Lave as mãos, fique em casa. Se todo mundo fizer sua parte, a gente escapa dessa sem muitos danos. Ou então será o fim. De qualquer jeito a gente ganha.
Te vejo do outro lado.

sexta-feira, 27 de março de 2020

DUZENTOS

Eu postei duzentos textos no meu blog durante 5 anos. E são tantos números e pensamentos e situações. Duzentos dias de gesso. Duzentos amores. Não sei o que fazer com isso. Talvez um pdf de graça. Os textos estão seguros, pelo menos. O que se desfez foi essa coisa que fui durante quase 28 anos. Essa carcaça foi mudando e agora tá perdida. Normal. É com isso que eu não sei o que fazer. Vão acabar decidindo por mim, meu pior pesadelo.

Sou um esquisitão negativo, mas só em palavras e doenças. Tô escrevendo isso num pico de alegria. Tô feliz com o resultado: duzentos textos em 5 anos, sem contar os que não publiquei ou os que não estão no blog.

Jamais me imaginei escritor, mas até que essa porra tá combinando comigo. Parabéns para mim. Se eu fizer uma coletânea gratuita, trate de ler pelo menos uma página.

Obrigado por estar aí.

Agora devolve meu álcool,
devolve meu álcool,
devolve.

ACABOU

Você é uma ótima saída
que eu gostaria de usar
pra fugir de mim.
Mas aonde quer que eu vá,
lá estou.
Você é uma ótima perda
que eu odiaria ter.
Eu poderia fazer
qualquer coisa
pra esquecer.
Você é uma péssima escolha
que eu já fiz
antes de perceber.
Agora tá tarde.
Decepções dormem cedo.
Você disse que
era uma boa idéia
nos isolarmos
dos outros.
Não há ponto de referência.
Trancado num quarto
com o veneno
dizendo que me ama.
Correr pra saída de emergência
com pedras no sapato.
Você já foi algo.
Cicatriz de infância.

O MÁGICO E A REALIDADE

Vendo as formas concretas
pelos buracos de um
muro de abstrações.
Vejo-o cantando sozinho
e mijando na parede
do banco.
Cuspindo no chão e
blasfemando o
deus noite.
Como se aquele modo de vida
fosse um truque de mágica.
Mas era só realidade.
Suas roupas rasgadas
como dilacerações
na própria alma.
Sinto inveja de sua liberdade,
mas sinto inveja
de qualquer um.
Há uma admiração
quase que inabalável.
E um ranço.
Uma pena.
Um desprezo.
Um louco na rua,
mijando e gritando.
Eu, normal, tentando ignorar.
Insanidade é subjetiva.


SINTOMAS

Juro, eu juro pra você
que eu queria botar
boas palavras aqui.
Coisas de amor e esperança.
Mas há duas semanas
que não fumo um cigarrinho
e a única coisa que sinto
é um ódio teimoso
como as chuvas de fevereiro.
E agora eu não sei se
posso confiar nos meus
sentimentos.
Estou percebendo detalhes
nas pessoas que só
servem de lenha pra
esse inferno.
As qualidades sumiram;
só vejo defeitos.
Em mim, em você, em todos.
Como aqueles velhos
ranzinzas que só
reclamam da vida.
Fico imaginando situações
de conflito.
Meu coração fica explodindo
200 vezes por minuto.
Um simples cigarro
resolveria todos os problemas
do mundo.

terça-feira, 10 de março de 2020

VAMO FUMAR UM POEMA

Gostaria de ler nicotina.
Que escrever fosse
como riscar um fósforo.
Que beijar fosse uma cópia
do ato de lamber uma seda.
Amaria ver fumaça
saindo dos meus versos,
fumegando forças falsas
feito o ar.
As cinzas escuras da tinta
preta que pinta a letra
da última sílaba.
Que você fosse meu cinzeiro
ou meus pulmões.
Silêncio.
O trago.
Te trago pra dentro do verso.
Depois te solto.
Foi embora.
Se misturou com o mundo e
ficou invisível.

SOZINHO NUM SÁBADO À NOITE

Os pisos amarelados com
o divino mijo dos
felinos, sem cheiro ou
amor.
Só o reflexo por baixo da
porta da sala.
Não chamem meu nome,
porque eu sei que
nada é por mim realmente,
e nenhum abraço é
em mim realmente.
Não sou bateria pro seu ego.
O diabólico mijo
escurece como o
pôr do sol
de um sábado.
As costas grudadas no
azulejo do chão e mãos e
ossos e temores e
adrenalina. Cheiro de nada.
Cheiro da própria pele.
Não me convidem pra sair.
Não sou aquecedor de solidão.
O mortal mijo
evapora de manhã
junto da água
que sai pelos meus olhos e
meu nariz.

TANTO FAZ (E ESSA É A MELHOR PARTE)

A gente pode caminhar
do ponto A ao ponto B
com pés insanos ou
cravar os mesmos pés
na areia e esperar
o sal do mar
entupir nossas veias.
A gente pode carregar
milhares de corações
ao meio, entregues pelos
ingênuos que ainda
creem no amor romântico.
Ou podemos guardar o
nosso num cofre dourado.
A gente pode trabalhar
até virarmos pó e então
ração canina.
Ou podemos lamber o céu
todos os dias equanto
nos jogam tomates podres e
gritam "PARASITAS!"
e nossos colchões são
queimados por gasolina e ódio.
Não importa o que façamos;
a punch line é sempre a mesma.
E, com sorte, quem ficar vai rir
de tanto chorar.

segunda-feira, 2 de março de 2020

DESABAFO DE UMA MENTE CANSADA (E INSTÁVEL)

Toda vez que eu acordo mal
sem motivo algum
é porque eu sei
que preciso escrever.
Ou fazer alguma merda
que me destrua lentamente.
Na realidade eu só faço merda
porque sou dependente
de me sentir bem.
Mesmo que custe aos
que estão próximos de mim.
Porra, quantas amizades
eu queimei junto
de uns tragos?
Mas não resta em mim
muito além disto.
Meio que já tô cansado dessa
obrigação de ser feliz
o tempo inteiro.
Ou de me esconder
na boa educação que
meus pais me deram.
Só tenho uma chance
de valer a pena.
Uma bala no revólver e
três alvos:
meu crânio,
seu peito ou
o céu, pra dar a largada.
Prefiro a terceira opção,
mas não descarto as
outras duas.