domingo, 28 de novembro de 2021

DEVORADOR




Quero devorar cada filete da vida,
fazer dela churrasco,
no ponto,
sangrando como sangro
por dentro.
Temperar com sal grosso,
mandar ver
ao som de samba raiz,
rock, pagodão, batidão,
silêncio.

Liberdade para devorar a vida
e arrotar meus medos.
Anseio pelo gosto de 
cada 
átomo.

Consumir o tempo
como uso o tempo
para consumir.

Desejo muito da vida.
Desejo tudo da vida.
Você se surpreenderia.
Pois eu sei que acaba,
e acaba rápido.
Quando baterem na minha porta
de foice e capa preta,
de pente carregado e dedo no gatilho,
quero sorrir 
um sorriso mais belo que Deus.

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

NO ACOHOL




Sem álcool, sem palavras,
inspirações esparsas.
O som da cidade
tem gosto de jazz.
Asfalto nos pés.
Melancolia até
a boca pedir caridade
prum combo de uísque sem maldade.

Sem álcool e com problemas.
O problema vira poema,
mas aí nada foi feito.
Tem que tá chapado de algum jeito.
O jeito perfeito é ficar em êxtase
sóbrio com o próprio universo.

Fico o dia todo desejando
a boca aguando uma gelada,
vento e nada, disputa acirrada
entre suco ou cachaça.
A noite chega intimando.
Meu corpo inteiro ansiando.
Bora beber? Vamo!

Eu gostaria que as noites na rua fossem mais tranquilas.
Queria uma noite de brisa.
Calma, coração, calma.
E cabeça, vê se para de ladainha.
Um verso pra cada vontade.
Eu peço outra realidade
inquieto e à parte.
Estão todos bêbados e à mim
resta a arte e a poeira dos livros.
Estão todos bêbados e
não consigo entendê-los.
Talvez nem eles mesmos.
Estão todos bêbados e eu
no desassossego,
tentando me livrar do apego
do refresco do álcool.
Mas tem que tá chapado de algum jeito.
É, é preciso estar chapado de algum jeito.

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

ANDORINHAS (POEMA NATURAL)

É isso que eu quero.
Invejo as andorinhas.
Elas voam e 
não percebem sua ausência,
nem sabem de si mesmas.
É isso que eu quero;
um poema natural.
Um poema tão natural
quanto o vento
e os pés pelados na grama
e o cogumelo se enfartando
de árvore morta.
O cogumelo devora a morte
como devoramos a vida.
É isso que eu quero.
Azul do céu.
O pensamento de nuvens.
Um poema natural.
Eu sinto sua falta.
Sinto muita sua falta
e é como se eu não pudesse 
mais voar pra você.
As andorinhas ainda voam.
Seus filhotes almoçam os átomos
que pertencem à mim,
à você e à todos.
Invejo as andorinhas.
Invejo as flores.
Invejo a mata virgem
e o seu poema natural.
É isso que eu quero.
Um poema natural
e um abraço seu.
Bem apertado.
Me diz que tá tudo bem.
Me dá um abraço?

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

ODE AO CAFÉ

Um gole de café pra
vida acordar de mim.

Um xícara de coração palpitando
pupilas do mundo 
dilatando no horizonte.

Um gole de café pra ser gente.
Gente que vive,
que pulsa,
que é e que vai ser
enquanto puder.

Café pra levantar
pra escrever
ler sorrir mentir
rir.
Rir como se fosse
a última piada da história.
Rir com o corpo inteiro,
maravilhoso corpo sustentando
o peso intangível de uma
alma fresca.
Alma nova, alma sempre nova,
alma eterna passeando
pela terra de finitudes.

Bebo café e tenho ansiedade.
Bebo um pouco 
e me dá caganeira.
Não lembro o que almocei ontem.
A privada se lembra.

Dedos martelando as teclas
moldando poemas em frenesi.
O aroma do filtro, do pó,
da água.
O som dos pingos.

O café não para aqui,
não para ali,
não te deixa parado.

É energia de sobra vindo de uma fonte desconhecida,
do esconderijo do cérebro,
conexões egoístas que
somem quando preciso delas
(não com café).

Um gole de café
e a vida acorda pra mim.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

TIJOLO POR TIJOLO

Tijolo por tijolo
a gente se monta.
Construímos memórias
com a massa do agora.
Pois aquela dança desajeitada
fará diferença.
Aquela piada sem graça,
que de tão ruim
chupou risadas
do fundo da barriga...
essa piada fará diferença.
Uma lembrança pode
salvar um futuro, 
ser luz num desespero.

Tijolo por tijolo
erguemos nossa mente
pra ter uma vista melhor
da vida.
Há de se construir
até que todo o material acabe,
até que o maquinário
deprecie uma última vez.
Preservar o patrimônio visceral
de um coração que sentiu muito.
E sente sente sente
pra cada batida
no ritmo dos seus olhos
que dançam com os meus.
E que incinera, 
cospe a fumaça sentimental 
pelas chaminés dos gestos simples.
Simples, mas apaixonados
por tudo ao mesmo tempo.

E vou emprestar meus tijolos,
e vou precisar de alguns seus.
Tijolo por tijolo,
construirei em mim 
uma confortável sala de estar
para receber aqueles
que sabem meu endereço.

terça-feira, 2 de novembro de 2021

NIRVANA


Vou sentar debaixo duma árvore e
chapar o globo
até alcançar a iluminação.
Tô convocando meu Buda.
É tanta abstração que já
esqueci qual o problema,
mas o problema não me esqueceu.

Vou sentar debaixo duma árvore e
tomar um shot de sol
e outro de absinto.
Dois copão de vento,
três carreira de terra.
Quando foi que sorrir sozinho
ficou tão difícil?
Antes era mais barato ser feliz.

Tô há tanto tempo debaixo
da árvore que os pombos
perguntaram se estou bem.
O céu fechou, goró acabou e
alegria é o tempo de vida
de um girassol.
É tudo ilusão e sou
um iludido medindo sonhos
com prestações.
Mas chega;
tá na hora de levantar.

FINADOS

Havia sonhado 
com um conselho:

Quando for dia de finados,
lembre-se de que
você ainda não é um.

Acordou e abriu as janelas.
O sol, que há tempos
não dava as caras,
estava alimentando as
plantas do jardim. 

No canto do quarto,
formigas devoravam
uma barata.
Repartiram em partes iguais.

Quanta morte é necessária
para que se haja vida?

A casa estava uma zona
como pensamentos costumam ser
e a pia estava entupida
e a louça acumulada
e a vida continuava
independente de tudo.

Lembrando que cada segundo
é um segundo à menos
para ser feliz e
que fazer ou aceitar
um convite para 
dar uma volta 
num fim de tarde
pode tornar este dia
espetacularmente simples
em uma lembrança
magnificamente grandiosa.