quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

ESPETÁCULO

As gotas amplificadas no último volume,
caindo no meu telhado e
solando uma melodia impossível, mas
tão comum e, mesmo assim, tão
doce que  você esquece que
está numa multidão.
Meus cigarros aplaudem a atração.
Há alguém comigo aqui,
alguém que um dia foi uma promessa.
Sua voz está distorcida e,
de algum modo,
percebo o quanto estamos distantes.
Pare de gritar no meu ouvido a
sua errônea concepção de
quem você queria que eu fosse.
Eu não sou suas expectativas e
nem mesmo sou as minhas.
Sou só um cara que procura a
felicidade
em todos os cantos possíveis,
em todos os shows e
em todos os erros.
A chuva abaixa o volume.
Agora eu posso escutar com clareza
o quanto estamos roucos de tanto
discutir algo que já está morto.
Acho que preciso sair, dar uma volta e
encontrar um pouco de esperança
nos olhos vermelhos que me
pedem um trocado.
Não tenho hora para voltar, e
isso pode até virar
algo produtivo.

DEVERES

Hoje eu levantei e
não quis conversar nem comigo mesmo.
O espelho me olhou e disse:
"Bem que você poderia melhorar essa cara".
Joguei água no meu rosto, desisti e
molhei meu corpo inteiro.
Hoje é dia de sair de casa e
encarar pessoas.
Abri meu armário de máscaras e
peguei qualquer uma que me servisse.
Acabei pegando a do poeta de sorriso fácil.
Não dá pra sair na rua sem uma máscara
porque o sol e as pessoas emitem
radiações perigosas para nossa
pele frágil.
Cumprimentei um vizinho, e o
céu estava parcialmente nublado.

sábado, 12 de novembro de 2016

METRALHANDO AS PESSOAS COM POEMAS

Porque são palavras escritas em qualquer lugar.
Elas representam sentimentos,
ou pelo menos tentam.
Elas são teimosas, e ficam saindo
da minha cabeça,
principalmente quando eu
tô na merda.
A questão é que eu sempre acho que
estou na merda, então as palavras
saem como balas e perfuram
o crânio de tudo aquilo que
tenta me destruir.
Eu tô armado.
Que venha o apocalípse.

TALVEZ O PROBLEMA SEJA A FALTA DE DOPAMINA

Oh, droga! O que eu devo fazer?
Todo dia é uma guerra para
simplesmente levantar da cama.
Só isso, e eu já levanto exausto.
Já busquei a porra da felicidade
em cada canto dessa cidade imunda,
e eu só vejo destruição.
Eu tento sorrir.
Eu juro que tento.
Contraio os músculos da face e
assisto vídeos de gatinhos.
Chego num ponto em que
nem sei mais qual é o problema.
Nada me satisfaz.
Não quero tomar remédios.
Não quero procurar ajuda.
Não quero mais nada além
de um cigarro.
Levo uns dois, três minutos para
fumar um.
Quantos cigarros terei de fumar
até que o dia acabe?

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

MANIFESTO EM DEFESA DA ARTE, DE QUALQUER EXPRESSÃO DAS CRIATURAS QUE POSSUEM CORAGEM SUFICIENTE PARA ENCARAR O ESCÁRNIO.

Eu pensei que seria bom me ver destruído aos quarenta anos, morando num quarto do tamanho de uma caixa de papelão. Esse é o meu futuro como poeta. Os rendimentos são miseráveis. Não dá nem pra ser triste direito; os bolsos vazios não te dão trégua.
Sobrevivo hoje porque tenho pessoas maravilhosas ao meu redor. Pura sorte. Elas ainda acreditam que eu vou dar a volta por cima. Muitos artistas não têm essa sorte, e morrem no meio do caminho enforcados num uniforme ou numa gravata. Assassinados por diplomas de contabilidade, administração, publicidade e outros.
Nem a chuva ajuda. Ela limpa o ar e as calçadas, fechando as portas de quem trabalha na rua. Você olha pro céu e pensa "porra, Deus, por que hoje?". Então você acende um cigarro e caminha sem guarda-chuva por aí, pensando em que tipo de emprego você se daria bem.
Nessas horas a Arte está correndo risco de vida. Ser artista é uma constante fragilidade. Até a fama pode destruir um dos bons. E eu vejo nos grupos os iniciantes, ainda com aquela chama, aquela esperança de que viver bem é viver artista.
Um dia, eu sonho, os poemas serão moedas de troca. Uma cerveja custará um poema e meio. Uma casa custará um livro. E não só os poemas, mas como qualquer expressão verdadeira. As pessoas finalmente entenderão que a vida sem Arte não vale a pena. Onde encontrar beleza numa barata despedaçada num bueiro? Ou no limo de uma escada velha? Ou no seu amor, tirando a roupa na sua frente, enquanto você escuta a garoa caindo lá fora?
Os artistas são abridores de mente. O papel deles é dizer "olha, isso aqui é belo, é profundo, é um sentimento". O ser humano vê a vida cinza por natureza, e toda cor é uma poesia.
Não defendo arte ruim. Há várias por aí. Existem os pilantras, os falsos poetas. Se fantasiam de "artistas" e jogam qualquer merda na cara das pessoas. Que se foda este tipo de lixo. Se não há sangue em cada letra,
em cada passo,
em cada traço,
em cada acorde,
em cada pedaço,
então não é verdade.
Algumas pessoas conseguem até viver de mentira. É mais fácil do que parece. Basta você julgar sua vida baseando-se nos padrões que você vê por aí. Ter medo do ridículo é viver de mentira. Ter medo de ser você é viver de mentira. Viver sem arte é viver de mentira.
Eu pensei que seria bom me ver na merda com sessenta anos. Mas, talvez, se pequenas coisas mudarem, isso não será necessário. E enquanto meu corpo não apodrece, eu continuo gritando.
Parabéns para nós.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

UNHAR

O amor dela arde toda vez que
eu tomo banho.
Minhas costas são feridas abertas.
Dizem que marcas de arranhões,
se muito profundas,
não cicatrizam nunca mais.
Meu corpo tá todo carimbado.
O gosto da sua boca tá
na minha.
Sua lubrificação grudou na garganta.
Um evento raro que só acontece
uma vez por ano.
Agora eu tô só, e ela também.
Amar e fazer amor são coisas
totalmente distintas,
mas ninguém sabe
diferenciar, afinal.
Não me culpem.

AMADURECIMENTO

Você não dança mais.
O bar tornou-se seu amigo.
Todo mundo te julga.
Estão te observando.
É melhor não passar vergonha.
O que vão pensar de você se
você vomitar numa lata de lixo ou
andar sem as calças por aí?
Quando você podia jogar
a culpa em alguém,
tudo era fácil.
Agora a culpa é sua.
É sua responsabilidade batendo na porta.
Você não vai atender?
Ela deixou um recado pra você.
Conta de luz.
Não dá mais para ir ao cinema
ou comprar um milkshake no
shopping.
Fique na sua casa.
Envelheça, amadureça e
apodreça.
Os fungos cuidarão de você.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

ANTES DA ABORDAGEM

Sei lá, pode ser uma mania ou
uma certa falta de comprometimento,
mas hoje eu decidi almoçar dois pães franceses.
É mais barato do que uma coxinha, e
quase tem o mesmo sabor se
você souber lidar com as merdas que te acontecem.
Pedi azeite numa mesa de um restaurante,
abri o pão no meio, reguei com oliva e
o casal me olhou como dois gatos
te olham enquanto você os aperta.
Eu podia ter comprado uma esfiha, ou um
pacote de amendoim, mas estas coisas
não te sustentam enquanto você aborda
estranhos, com seus problemas e suas
conversas e os beijos.
Caminhei então pelos vãos, pelo meio da
avenida, me desviando dos carros e
dos maus pensamentos, enquanto ácido
gástrico corroía 200g de fermento e farinha.
Eu podia ter comprado um maço de
Minister, fumá-lo de uma só vez e
rezar para que tudo passasse logo, mas
o tempo não nos escuta na sua correria.
"Olá, boa noite! Estou dando poemas
para as pessoas com quem eu vou
com a cara..."

domingo, 21 de agosto de 2016

DOPADO

Eu conheci uma garota e agora eu estou dopado por causa dela. Dizem que os bons escritores são bons em viver, mas algumas situações simplesmente te bloqueiam. Como escrever se cada letra me lembra o rosto dela? As silhuetas são poesias como a fumaça do meu cigarro sobre a chuva. Eu estou de boca aberta e minha vida parece um filme noir. Escuto Chet Baker, Charlie Parker, imaginando a rua uma grande Nova Iorque. Não, New York.

Começou quando eu tinha problemas, e ela também, e nossos problemas se gostaram. Tudo por causa de alguns olhares trocados num vagão frio do centro da cidade. Eu tava na merda. Não queria falar com ninguém. Mas ela me olhou, e isso me causou medo e arrepio e ao mesmo tempo uma esperança de que as coisas mudariam. Entreguei um de meus poemas eróticos para ela e a convidei para uma cerveja. Ela aceitou, e eu esbocei um sorriso de verdade.

Na chuva, dividimos a sombrinha dela. Eu odeio ter de desviar das pessoas na rua, odeio as pessoas na rua, mas ela começou a dançar com seu vestido florido e seus cabelos curtos alaranjados, e eu nem sequer pensei sobre o mal que nos habita. Babando em alguns cigarros, pedi um litrão. Ela não bebe. Só está alí porque eu a convidei e ela é uma boa louca. Uma criatura rara que você só encontra uma vez na vida (uma criatura rara e que existe, não essa merda virtual dos dias modernos).

Seus olhos mudavam à medida em que nos abríamos. É bom conversar sobre coisas tristes, sobre nossos pais e nossos medos. Sobre tudo o que odiamos, e o nosso ódio se combina majestosamente. Ó, minha rainha! Poderia ficar a noite inteira só olhando para seus lábios, desejando chupá-los até extrair o melhor de você. Poderia ficar uma vida escorado ao seu lado, vendendo meus poemas e ansiando nossa ansiedade. E suas pernas! Ah, suas pernas! Me dê um pouco delas! Seu vestido florido levanta às vezes, e eu não consigo desviar o olhar. Ela também não fuma e recusa meu cigarro. Estamos mais próximos agora, física e espiritualmente, embora não acreditemos em espírito. Mas há algo além, algo que nos faz olhar dentro de nossos olhos por um minuto, e os olhos delas adquirem um tom de mel, e eu lasco-lhe um beijo sedento. Seus lábios se encaixam perfeitamente aos meus, como um quebra-cabeças de 500 peças.

Nos escondemos num canto da cidade e, por algumas horas, nos amamos. Talvez não seja amor da forma que todos conheçam, mas na realidade ninguém conhece o amor. Só nós dois conhecíamos naquele instante, e somente naquele instante queimamos como todo ser humano deve queimar em sua vida. O fogo é tão grande que incendeia os prédios e os lençóis e o rosto murcho da depressão. Em pouco tempo, sabemos a cor da nossa alma.

Depois da chuva cessar um pouco, nos separamos. Cada um volta para o seu canto, e eu não consigo pensar em mais nada. O nariz dela, a orelha, a boca, o sorriso, os cílios, os joelhos, as mãos pequenas, as mãos dela analisando as minhas e todos os detalhes vividos entre um beijo e outro, entre uma pílula e outra engolidas à seco.

Me sinto dopado. E não só sinto; estou. Tenho pouco tempo de vida. A medicação já não faz mais efeito. Meu coração apodrece à cada segundo, e não há mais um poema para escrever. Bem que me disseram para maneirar, mas isso aconteceria de qualquer jeito mesmo. E ela vem, a doce morte, beijar meus lábios novamente, como os franceses chamam: La petite mort.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

MASTURBE-SE

Você não é um derrotado ou uma derrotada.
O que você quer fazer
(e já faz, mas diz que não),
é tão comum quanto ir ao shopping de domingo.
Cortar o cabelo é masturbação.
Vestir roupas novas é masturbação.
Autoestima é masturbação.
Mas tudo isso não faz você ficar
com as pernas bambas.
E nada disso te faz conhecer-se melhor.
Você aí, que não conhece sua própria buceta,
como você quer que um desconhecido, que
mal sabe quem você é realmente,
consiga te chupar direito?
Se nem você se ama, por que outra pessoa
deveria amar?
Tá entendendo como a coisa é profunda?
Não é "coisa de quem não transa".
Tudo bem, você pode se sentir só às vezes.
Mas quem aqui não vai morrer só?
Segure-se, massageie-se, enfie
dois ou três dedos, imagine aquela
sua ex que era boa de cama.
Só pare de proliferar tabus por aí.
Ninguém precisa disso.

SOBRE SER ONLINE

Não conversem comigo por aqui.
Não me mandem mensagens, a não ser que
você tenha um pouco de você
para me dar.
Ou se quiser me dizer onde você
estará daqui a duas horas.
Conheci pessoas maravilhosas por
estas ruas à noite, e essas mesmas
pessoas maravilhosas se preocupam
demais em:
- adicionar no Facebook;
- número de telefone;
- selfie.
Não! Não! Eu imploro!
Qual foi a última vez que você
conversou realmente com uma pessoa, e
não com uma máquina que responde
10,20,30 contatos ao mesmo tempo?
Sinto saudade do toque, do hálito de
cigarro e cerveja, dos abraços,
de quando alguém ia com a minha cara e
sentava no meu colo.
Não percam sua humanidade e o seu estilo.
Você não possui 100% de bateria e
algumas tomadas.
Se for pra conversar comigo neste
mundo que não existe,
pague-me um litrão no mercado do chinês.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

O PALCO

Somos todos personagens de um filme ruim. Não tem final feliz. Não tem música de fundo. Não há beijos ritmados e nem um vilão que vira mocinho. Fazemos nossa parte, falamos nossas falas e voltamos para nossos trailers sujos. Trailers feitos de todas as decepções pregadas com nossas feridas. Não tem como escapar; apenas dormir e atuar no dia seguinte.

Não existe um roteiro e nem um diretor. É tudo improvisado, no caótico set das calçadas sujas. Você vai conhecer um puto ou outro que até dá um parecer que as coisas mudarão. Mas você sabe qual o papel dele. E você aplaudirá todos os seus erros e vexames, olhando para seu reflexo mórbido no espelho sujo do seu quarto minúsculo.

E o show tem que continuar. Luz, câmera e um trago num cigarro de quinta. Agora tudo está claro; muita merda para todos. Nós não limpamos a frente dos nossos teatros e cinemas. Deixamos que o lixo se acumulasse. E as moscas...

Às vezes esquecemos nosso personagem. Quem devemos ser? O que temos de dizer? Então uma propaganda atrás das cortinas te sussurra: "beba Coca, use Nike, compre Samsung".

Bem, está tudo ok agora.

ESCREVER DE VERDADE

Bem, há uma semana que eu
estou feliz.
As coisas boas estão acontecendo e
eu não consigo evitar.
E há uma semana que eu não escrevo.
Quando tento, sai uma
bosta.
Vê, tô até tentando com este daqui,
mas você reparou que falta algo?
Falta sangue.
Falta dor.
Faltam as palavras certas.
A alegria é uma péssima poetiza.
É enfadonha, exagerada, cheia de
falsos lirismos para se engrandecer.
Se você quer escrever, esteja fodido.
Sozinho.
Só assim você escreverá de verdade.
Enquanto você estiver feliz, vá curtir.
Vá lamber a genitália de alguém.
Lá fora as pessoas precisam de
alegria para esquecerem
suas próprias agonias.
Aqui dentro só resta esperar
que essa euforia passe.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

DIA DE CÃO

Três cães de rua mordiam minha perna
enquanto a garota com quem eu estava
me perguntava:
"Você prefere ficar com aquela vadia
do que comigo?"
"Aaaaah!"
Um dos cães levou um pedaço de
jeans para a calçada.
"Responde!"
"Amor, eu tô meio ocupado aqui..."
"VOCÊ NUNCA TEM TEMPO PARA MIM!"
Outro cão me soltou, levando um bife meu
para o jantar.
A garota foi se afastando, batendo os pés com força
no asfalto, que não tinha culpa de nada.
O terceiro cão largou minha perna
(o que sobrou dela), e me disse:
"Cê tá ferrado", e foi embora.
"Volta aqui, amorzinho, vamos conversar".
Ela não me dava ouvidos.
Decidi voltar para os cães.

sábado, 2 de julho de 2016

SEM SABER

Lamba o nada, deixe-o babado.
Vão te dizer que está louco, e
apertarão as alças da sua
camisa-de-força.
Uma pílula por dia de qualquer coisa.
Engole quente, ao molho de pinga,
Quatro reais no boteco do alemão.
Tropece algumas vezes; as calçadas
esburacadas pelo desdém
dançam com seu equilíbrio.
Sem saber,
sem saber de nada,
você decora a terra com seus ossos.
O rastro de merda deixado para trás,
cada minuto gasto com
pessoas que você odeia para
conseguir coisas inúteis;
tudo passa.
Agora só falta esperar pelos
vermes.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

QUANDO O PERFEITO NÃO DÁ CERTO

Eu não te agüento mais,
mas eu te amo e vou amar
enquanto minhas vísceras estiverem
encaixotadas dentro de mim.
Suma da minha vida, mas por favor,
faça um café antes de ir e
me dê dois beijos.
Não me olhe assim, com essas
esferas úmidas de água e sal,
eu te imploro.
Vá, abra a porta, deixe-a aberta pra
quando você for voltar.
E você vai voltar.
Eu quero que você volte.
Mas antes evapore mais rápido do
que essa água que estou fervendo
para fazer a macarronada que você gosta.
Você me deixa todo lambuzado de
confissões e sentimentalismo clichê.
Você é a pior benção da minha jornada.
Te amo, e

um dia as coisas serão melhores do que isto.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

O HOMEM E A BICICLETA

Um homem pedalando na
chuva, as gotas pesadas sobre
o aro enferrujado de sua bicicleta
sem marchas.
E eu o vejo pela janela da sala
“O que esse cara tá fazendo?”
Percebo o esforço extraordinário
por uns 5 metros de asfalto d’água.
“O que esse cara tá pensando?
Talvez ele seja a persistência
em forma humana. É, talvez
seja isso mesmo.
Ele tá gritando para eu não desistir,
Ele tá gritando para eu continuar pedalando,
mesmo na chuva, mesmo quando
as coisas são difíceis. Apenas vá.”
Era uma tempestade, uma
rajada de vento cortava as poucas
árvores da rua.
E ele ali, em cima duma
bicicleta,
sumindo da minha vista.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

CARNAVALISMO

Os ossos exalando o perfume da rua
e o bloco dos desabrigados.
É a folia das multidões,
os foliões metidos em suor
cantando e agarrando e estuprando
e esfaqueando e
todo mundo dança a mesma música.
Mas deixe de ser ranzinza.
Deixe de reclamar, pelo menos hoje, e
venha com a gente!
Não, obrigado, meu carnaval é
toda vez que leio o Buk.
Não há nada de mais em curtir, eu sei
mas curtir não é lá uma das minhas
lutas preferidas.
E os banheiros lotam, as calçadas sujas e
todo mundo dança a mesma música.
Alguns dias ininterruptos, os ventos abraçando
os braços erguidos e aquela garotinha que
bebeu demais.
Perdeu a carteira e um pouco da dignidade,
mas ninguém aqui é realmente digno a ponto
de julgá-la.
É carnaval, e todo mundo diz para você
se divertir, e
todo mundo dança a mesma música.
Sei lá, prefiro primeiro arrumar minha casa,
que está toda em CRISE, e depois eu arranjo
uma boca.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

O QUE DEUS FALARIA PARA VOCÊ CASO FOSSE UM ESTRANHO NO ÔNIBUS

Vai, diz aí qualquer coisa.
Tô te dando a chance de um poema.
Vai, seja interessante, tire a gente
deste tédio infinito.
Quantas linhas são necessárias
para alguém se tornar herói?
Diga um número, pode ser qualquer um.
Te dou quantas linhas você quiser.
Apenas seja bom.
Apenas seja imprevisível, como
uma aranha no canto da janela com
suas teias bem-feitas, esperando as
moscas pousarem.
Ou a lata que acaba do nada
A arte do nada,
música clássica e
três loucos usando LSD,
lambendo o chão e olhando o espelho.
Vai, alguém aí se habilita?
Alguém se habilita a pensar mais,
a pensar menos,
a pensar na medida certa, tanto faz.
Raspar o cabelo, autenticidade,
fingindo ser areia entre os
vãos da mediocridade e do medo,
tão rara quanto ver o nascer do sol,
embora ele nasça todo dia, mais de
trezentas vezes por ano.
Quantas linhas são necessárias?
Quantos dias são necessários, para
você ser uma pessoa agradável?
Ou então pra você ser desagradável,
e sair da merda deste celular maldito
(antes disto curta este poema)?
Vai, vá escalar o Everest,
tropeçar nas escadas,
dizer "oi" para estranhos,
antes que os vermes suguem sua
juventude, morta em cada hora,
em cada tempo e espaço.
As cinzas não viram mais fênix,
tá tudo tão morto.
Quantas ressurreições são necessárias?
Vai, diz aí qualquer coisa.
Tô te dando a chance.
A única chance.
A última chance,
toda vez que você precisar.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

AUTORRETRATO

Sabe, eu escrevi essas palavras e
elas não são boas o suficiente pro
público.
Então essa minha voz interna diz:
“Nossa, assim você vai estragar tudo”
Pois bem, eu salvo o poema
num documento chamado
“NO ESCURO e outros poemas”.
Mas a arte é uma coisa interessante, não?
Porque eu sinto que estou dizendo
para alguém que nada vale a pena realmente.
É um niilismo meio suicida.
Eu releio o poema, e gosto dele.
Gosto da sonoridade dele,
gosto dos seus dentes amarelos e
da pança branca, e dos braços finos e
o nariz desproporcional, lotado de
cravos. Gosto de como este poema
largou a faculdade e o emprego.
Gosto de seus 24 anos e
nenhum livro publicado.
Gosto da forma como ele aborda
outras pessoas na rua.
Gosto do quarto deste poema, e
dos pais dele, e de toda a família.
Gosto da forma como ele pensa,
como ele trata seus amigos.
Eu gosto dele.
Gosto muito.
Talvez, quando este poema
“botar a cara no sol”,
Alguém seja louco 

domingo, 24 de janeiro de 2016

A FÓRMULA PARA SER HOMEM

Não deixe que a pobreza te subestime.
Um homem NUNCA, JAMAIS deve ser medido
Por dígitos.
Mas estão todos virando homens
Porque compraram um carro, ou uma casa.
São homens feitos de cheques, cartões, carteiras.
Eu posso parabenizar um homem por
Seus esforços.
Mas nunca por seus bens adquiridos.
Um homem pode carregar 60 quilos
De latas de alumínio
Para comprar pão.
Este homem eu parabenizo.
Um homem pode decidir não estuprar
Suas filhas.
Este homem eu parabenizo.
Um homem pode andar quilômetros
Em busca de água, e morrer no caminho.
Este homem eu parabenizo.
E existem outros, que passam no exame antidrogas
Depois de anos de reabilitação, que vivem
Sem nenhuma mulher, que enfrentam o mundo
Por gostar de outros homens.
Estes são feitos verdadeiros, que
Moldam o homem.
E não só homens; mulheres também.
Eu conheci algumas de muito valor.

R = f1 + f2 + f3...fn
O valor de um humano é igual à soma
De todos os seus feitos (f); deve-se expressar o resultado
Em RESPEITO (R).
Essa é a única fórmula capaz de
Te transformar em “homem”.
Todo o resto é porcaria, que as pessoas
De mais posses te fazem acreditar, pois
São incapazes de adquirir RESPEITO.

E eu me curvo diante de um homem que respeito.
Só não me faça ajoelhar diante de um homem
Que se acha alguém só porque tem algo que
Qualquer imbecil poderia comprar
Se tivesse sorte. 

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

DECISÕES

Eu penso em dinheiro e família
E vejo que os poemas
Não foram feitos para nenhum dos dois.
Imagino os livros nas prateleiras
Custando R$19,90.
Os intelectuais chamando-me de gênio
E os autógrafos
E as leituras
E uma cadeira na Academia.

Eu penso em desistir.
Mas o que eu faria?
Vendedor? Balconista?
Puta?

Não há saída fácil para as suas
Próprias decisões
Porque se você acha que
Decidiu algo, você na verdade
Não teve escolha.

Então eu penso no parágrafo seguinte,
No verso seguinte,
Na mulher seguinte,
Na conta seguinte e
O que tem pra comer na geladeira de
24 anos.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

VALE A PENA SE APAIXONAR?

A paixão é popular, não?
Você vai ler agora o que
Eu tenho a dizer sobre paixões.

Bom, elas te fodem. Isso se
Você tiver sorte.
Caso contrário você vai lamber
Uma pessoa tão neutra quanto um
Manequim. É gostoso, mas
Não faz sentido algum e não
Dá cócegas no pâncreas.
A paixão de verdade vai
Te afastar dos amigos.
Vai te afastar de qualquer coisa
Que não seja a pessoa que te cativou
(escravizou?).
É como uma pneumonia, só que
Quem fica de cama é o seu
Cérebro, e quem cuida da casa
É o coração.
Não esse, que bombeia sangue,
Mas aquele outro, o vermelhinho e
Fofinho <3
A paixão te deixará jumento, estúpido,
Aéreo, minhoca e pulsante.
“Vale a pena, John?”, você pergunta.
Bom, você só vive uma vez.
Mas se você se apaixonar, vai morrer e
Ressuscitar quantas vezes
For preciso.

Agora vá lá mandar uma mensagem
Pro crush. 

SOBRE ESTILO DE ESCRITA

     Eu não escrevo palavras. Isso qualquer criança mal-amada consegue escrever. Eu ponho nos seus olhos sentimentos. Se te agrada ou não, sei lá, foda-se.
     Descobri isso quando tentei sucesso em um livro. Só que o livro ainda não existia, apenas aquela página em branco (digital), e o ponteirinho do teclado. Aquela barrinha preta, sabe? Que fica piscando e te dizendo que você é um inútil sem talento algum. Pois então, eu não conseguia escrever nada. Eu tentava e tentava e a única coisa que conseguia fazer era martelar as teclas. Martelar às cegas, desarmado de raciocínio ou arte. Arte. ARTE, em caixa alta porque merece.
     Eu botei o computador pra dormir. Peguei um livro e comecei a ler. O cara tinha estilo. Dava pra senti-lo, cheirá-lo, tragá-lo em cada letra. Eu virei inveja; não tinha meu próprio estilo, apenas tentava copiar o dos outros, e o mundo está cheio de cópias por aí. E mesmo que as cópias das cópias das cópias façam algum sucesso, eu não queria isso. Pra que ser só mais uma bituca de cigarro no cinzeiro se você pode ser um cachimbo? Ou um poste? Ou qualquer coisa que ainda não exista?
     Larguei o livro, acordei o computador e prestei atenção no que gritava dentro de mim. Era tédio com um “T” bem grande pra você (sim, é Legião. Ou Aborto Elétrico, não sei direito). Botei o tédio na página em branco e pari um poema decente – eu sei quando o poema é decente quando eu gostaria de lê-lo em um livro comprado por 50 reais numa banca de jornal.
     Naquele momento eu me descobri, igual quando me masturbei a primeira vez, com a porra em minhas mãos. Só que a porra agora estava digitalizada naquele documento. Agora sim eu estava pronto para encarar a vida. Agora sim eu era um indivíduo com estilo...
     Podem vir, obstáculos, com seus dentes e tripas e armaduras e cassetetes bastardos, que eu derrubo um por um com meu grande sabre de ARTE! Eu virei o touro ascendente em sagitário; sou boi, homem, cavalo e arco-e-flecha ao mesmo tempo, dando coices no computador ou dentro da sua irmã.

domingo, 3 de janeiro de 2016

RESPEITE OS MAIS VELHOS

Buceta.
Se Allen Ginsberg fosse meu amigo,
Eu estaria preso agora.
É bom poder falar de
Cus
Abertamente.
Falar de maconha, de duas garotas
Que se transam.
Os beats tinham o mundo, mas
O que queriam era censurado.
Queriam botar os pés na estrada e
Falar sobre drogas, jazz e o resto você
Já sabe.

Os heróis se sacrificaram para você ler
E escrever sobre tudo.
Você pode cortar a cabeça do presidente,
Pode dar a bunda,
Pode vomitar nas seringas,
Pode ser obsceno, obscuro, observar o
Trem carregado de seios e
Vaginas.

Aqui, os brasileiros estavam
Assistindo um presidente atirar no
Próprio coração.
Depois um vai-e-vem, e então
Expulsaram a liberdade para o
Lado de lá do oceano.
Os artistas tinham colhões e
Janelas quadradas com
Barras de ferro.
Tudo só acabou por que
Faltava dinheiro.
Temos heróis em território nacional
Também, mas aqui as pessoas
Preferem a televisão.
E eu prefiro assistir Dostoievski
Nas puras páginas dos seus
Livros sujos.
Não gosto de Hemingway, me desculpem.
Gosto da sua espingarda.
Os Veríssimos são ok,
Machado fez sua parte,
Mas eu sou meio Drummond.
Voltemos aos EUA..
A matilha está pronta, Buk era um lobo
Solitário, mas todo lobo
Uiva para a lua.
Hoje ela não está na moda e os lobos
São castrados e viram vídeos para a
Internet.
Essa geração está livre,
Mas no beat errado.

A COISA

Dê uma folga pra você mesmo,
Principalmente quando as pálpebras
Pesam 100 toneladas.
Quando sua caixa do correio
Estiver entupida de
Cobranças,
Não se cobre; já estão
fazendo isso em
Algum banco desta cidade.
Acabou a água? Beba-se, você é 70%
Líquido.
Acabou a luz? Bem, você está mesmo
Fodido, heim companheiro?
Só há uma coisa que você NUNCA deve
Deixar que te levem.
E essa coisa é tudo o que você
Precisa buscar nesta vida.
Complete a lacuna com o nome da coisa:

______________

TRÊS

Eles fodiam todo dia.
Este é um belo jeito de
Celebrar o amor.
Mas ninguém podia dizer que
Se amavam realmente.
Ele não peidava na sua frente.
Escovava os dentes antes de beijá-la
Arrumava-se antes de vê-la.
Penteava os poucos cabelos grisalhos
Com gel e vaidade.
Ela não arrotava, não cagava,
Não passava fome ao seu lado.
Depilava-se. Lavava a xota toda vez.
Menstruada, então, nem pensar.
Não se abraçavam depois de foder.
Não dançavam, bêbados.
Não bebiam vinho barato, não ouviam
Músicas juntos.
Tudo isso ele fazia
Com a esposa dele.

Ela também.

QUANDO ALGO TE ABANDONA

“Eu me sinto abandonado”, ele disse.

Eu estava ali. Estava do
Lado dele quando ouvi isso.
Queria poder entender esse
Sentimento de abandono.
Abandonado por quê?
Por alguém que nunca esteve ali?

“Eu estou tão sozinho”, ele disse.

Solidão é o refúgio do
Eu Evoluído.

“Nunca serei feliz”, ele concluiu.

Estava certo; nunca seria mesmo.
Não merecia. Não se amava. Não o culpo.
A vida corrói os muros da estima e
A paixão maltratada é o
Golpe de misericórdia.

CRISE

Não há crise se
Você ainda tem as duas pernas.
Se você sabe falar, comer,
Cagar, mijar, foder.
Não há crise se o céu
Continua lá em cima.
Se seus pratos estão cheios.
Se seus copos estão cheios.
A verdadeira crise é a morte.
A falta de tudo.
O escuro eterno.
A morte é tão pobre.
Não há crise se
Você consegue ler este poema.
Pare de reclamar. Isso é
Coisa de gente fraca.
Os fortes moram na rua, se
Esquentam com a própria urina,
Comem do lixo e pedem trocados.
Não há crise, mesmo no desemprego.                        
A crise, se é que existe,
é de amor.

CORRERIA

Corre que ainda dá tempo.
O ônibus ainda não abriu
as portas e você poderá embarcar.
Eu sei, você já está atrasado
Dez minutos. Seu chefe te disse
Que te daria uma suspensão se
Você chegasse tarde.
Mas corre que ainda dá tempo.
Empurre o mendigo, ignore o cão.
Não compre as balas do menino.
Xingue o motorista, esse lerdo.
Corre que ainda dá tempo.
Suas filhas ainda têm 11 anos.
Seus pais ainda têm 70 anos.
Corre que ainda dá tempo.
Restam pessoas vivas para amar.
As que já foram, eu sei, dói.
Você pode deixar umas flores.
Corre que ainda dá tempo,
Desistir de tudo, pular do prédio.
A não ser que você aprenda
A caminhar.
Ainda dá tempo.

COPOS CORPOS

Vamos falar de bebida, que tal?
O que seríamos sem o álcool?
Como aguentaríamos as coisas?
Bom, tem gente que aguenta.
Estão na reabilitação, na igreja,
Do lado direito.
Beber não é qualidade para
Quem não bebe.
Muitas destas letras estão bêbadas.
Se o cara que te entregou este poema está sóbrio,
Pague uma cerveja pro coitado.
A cerveja é um grande amor.
A primeira vez que a vi foi
Com meu pai, num bar.
Não gostei do nosso primeiro beijo.
Foi amargo.
Hoje em dia eu acho as coisas
Muito doces.
Um dia ela pode matar. Já sei.
Mas toda mulher pode matar.
Um brinde às mulheres que
eu não como, mas bebo.