Eu pensei que seria bom me ver destruído aos quarenta anos, morando num quarto do tamanho de uma caixa de papelão. Esse é o meu futuro como poeta. Os rendimentos são miseráveis. Não dá nem pra ser triste direito; os bolsos vazios não te dão trégua.
Sobrevivo hoje porque tenho pessoas maravilhosas ao meu redor. Pura sorte. Elas ainda acreditam que eu vou dar a volta por cima. Muitos artistas não têm essa sorte, e morrem no meio do caminho enforcados num uniforme ou numa gravata. Assassinados por diplomas de contabilidade, administração, publicidade e outros.
Nem a chuva ajuda. Ela limpa o ar e as calçadas, fechando as portas de quem trabalha na rua. Você olha pro céu e pensa "porra, Deus, por que hoje?". Então você acende um cigarro e caminha sem guarda-chuva por aí, pensando em que tipo de emprego você se daria bem.
Nessas horas a Arte está correndo risco de vida. Ser artista é uma constante fragilidade. Até a fama pode destruir um dos bons. E eu vejo nos grupos os iniciantes, ainda com aquela chama, aquela esperança de que viver bem é viver artista.
Um dia, eu sonho, os poemas serão moedas de troca. Uma cerveja custará um poema e meio. Uma casa custará um livro. E não só os poemas, mas como qualquer expressão verdadeira. As pessoas finalmente entenderão que a vida sem Arte não vale a pena. Onde encontrar beleza numa barata despedaçada num bueiro? Ou no limo de uma escada velha? Ou no seu amor, tirando a roupa na sua frente, enquanto você escuta a garoa caindo lá fora?
Os artistas são abridores de mente. O papel deles é dizer "olha, isso aqui é belo, é profundo, é um sentimento". O ser humano vê a vida cinza por natureza, e toda cor é uma poesia.
Não defendo arte ruim. Há várias por aí. Existem os pilantras, os falsos poetas. Se fantasiam de "artistas" e jogam qualquer merda na cara das pessoas. Que se foda este tipo de lixo. Se não há sangue em cada letra,
em cada passo,
em cada traço,
em cada acorde,
em cada pedaço,
então não é verdade.
Algumas pessoas conseguem até viver de mentira. É mais fácil do que parece. Basta você julgar sua vida baseando-se nos padrões que você vê por aí. Ter medo do ridículo é viver de mentira. Ter medo de ser você é viver de mentira. Viver sem arte é viver de mentira.
Eu pensei que seria bom me ver na merda com sessenta anos. Mas, talvez, se pequenas coisas mudarem, isso não será necessário. E enquanto meu corpo não apodrece, eu continuo gritando.
Parabéns para nós.