Eu conheci uma garota e agora eu estou dopado por causa dela. Dizem que os bons escritores são bons em viver, mas algumas situações simplesmente te bloqueiam. Como escrever se cada letra me lembra o rosto dela? As silhuetas são poesias como a fumaça do meu cigarro sobre a chuva. Eu estou de boca aberta e minha vida parece um filme noir. Escuto Chet Baker, Charlie Parker, imaginando a rua uma grande Nova Iorque. Não, New York.
Começou quando eu tinha problemas, e ela também, e nossos problemas se gostaram. Tudo por causa de alguns olhares trocados num vagão frio do centro da cidade. Eu tava na merda. Não queria falar com ninguém. Mas ela me olhou, e isso me causou medo e arrepio e ao mesmo tempo uma esperança de que as coisas mudariam. Entreguei um de meus poemas eróticos para ela e a convidei para uma cerveja. Ela aceitou, e eu esbocei um sorriso de verdade.
Na chuva, dividimos a sombrinha dela. Eu odeio ter de desviar das pessoas na rua, odeio as pessoas na rua, mas ela começou a dançar com seu vestido florido e seus cabelos curtos alaranjados, e eu nem sequer pensei sobre o mal que nos habita. Babando em alguns cigarros, pedi um litrão. Ela não bebe. Só está alí porque eu a convidei e ela é uma boa louca. Uma criatura rara que você só encontra uma vez na vida (uma criatura rara e que existe, não essa merda virtual dos dias modernos).
Seus olhos mudavam à medida em que nos abríamos. É bom conversar sobre coisas tristes, sobre nossos pais e nossos medos. Sobre tudo o que odiamos, e o nosso ódio se combina majestosamente. Ó, minha rainha! Poderia ficar a noite inteira só olhando para seus lábios, desejando chupá-los até extrair o melhor de você. Poderia ficar uma vida escorado ao seu lado, vendendo meus poemas e ansiando nossa ansiedade. E suas pernas! Ah, suas pernas! Me dê um pouco delas! Seu vestido florido levanta às vezes, e eu não consigo desviar o olhar. Ela também não fuma e recusa meu cigarro. Estamos mais próximos agora, física e espiritualmente, embora não acreditemos em espírito. Mas há algo além, algo que nos faz olhar dentro de nossos olhos por um minuto, e os olhos delas adquirem um tom de mel, e eu lasco-lhe um beijo sedento. Seus lábios se encaixam perfeitamente aos meus, como um quebra-cabeças de 500 peças.
Nos escondemos num canto da cidade e, por algumas horas, nos amamos. Talvez não seja amor da forma que todos conheçam, mas na realidade ninguém conhece o amor. Só nós dois conhecíamos naquele instante, e somente naquele instante queimamos como todo ser humano deve queimar em sua vida. O fogo é tão grande que incendeia os prédios e os lençóis e o rosto murcho da depressão. Em pouco tempo, sabemos a cor da nossa alma.
Depois da chuva cessar um pouco, nos separamos. Cada um volta para o seu canto, e eu não consigo pensar em mais nada. O nariz dela, a orelha, a boca, o sorriso, os cílios, os joelhos, as mãos pequenas, as mãos dela analisando as minhas e todos os detalhes vividos entre um beijo e outro, entre uma pílula e outra engolidas à seco.
Me sinto dopado. E não só sinto; estou. Tenho pouco tempo de vida. A medicação já não faz mais efeito. Meu coração apodrece à cada segundo, e não há mais um poema para escrever. Bem que me disseram para maneirar, mas isso aconteceria de qualquer jeito mesmo. E ela vem, a doce morte, beijar meus lábios novamente, como os franceses chamam: La petite mort.