sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

UM CONTO DAS COISAS

  Ele era um cara interessante. Cansou-se da mesmice, pôs os pés na estrada. Sem passagem de ida e muito menos de volta. Passou por aí, por lá, por aqui e por onde fosse. Viu gente, viu tantas coisas que enciclopédias sentiam inveja dele.
  Voltou numa sexta-feira. Bebemos em um barzinho, em um centro qualquer de uma cidade qualquer.
  - Eu vivi, meu amigo – ele começou. – eu acho que aproveitei tudo o que tinha pra aproveitar nessa vida. Poderia morrer agora!
  - Sério?
  - Nunca estive tão certo disso. Eu vi o sol nascer na neve, no deserto, nas praias e nos prédios. Vi vulcões, tornados, tempestades e terremotos. Conheci todas as religiões, todas as culturas. Não há mais nada para ver aqui.
  Pedimos outra garrafa de cerveja. Custava sete reais.
  - Eu queria ter sua coragem, cara – eu disse.
  - Não é questão de coragem; é de necessidade. Eu aproveitei a vida.
  - Parabéns, amigo. Estou orgulhoso.
  Bebemos mais um pouco. Ele pediu um cigarro meu. Custava sete reais o maço.
  - Eu vi tanta coisa, amigo – ele confessou – mas ainda não entendi o propósito da vida. Tantas religiões diferentes, pregando coisas diferentes, motivações diferentes... Não sei se tenho que lutar, se tenho que orar, se tenho que amadurecer o espírito...
  - Você tem que me passar o isqueiro...
  Ele passou. Acendi meu cigarro.
  - Tantas coisas eu vi. Vi a morte, o amor, a escravidão, a fome, compaixão. O que é certo? O que é errado?
  - Errado é você acender o cigarro do lado contrário...
  Olhou para o filtro que queimava e soltava um cheiro de papel higiênico queimado.
  - É tudo tão complexo, tudo tão complicado e tão vasto. Acho que a vida não cabe em mim. E quando eu paro para pensar na minha viagem, sinto que, no fundo, ainda não estou completo.
  Não prestei atenção no que ele estava dizendo porque uma ruiva bunduda e tatuada passou olhando para mim. Essas oportunidades de flerte JAMAIS devem ser desperdiçadas.
  - O que você disse? – perguntei.
  Ele ficou me olhando com cara de bosta. Era tão infinito, mas ainda assim era um homem, que morreria (com sorte) aos oitenta anos. Ele mijava, cagava, andava e falava. Tinha dedos, unhas, pelos no nariz e na bunda. Era tão humano quanto eu, não importava o que ele fizesse. Estava vulnerável às mesmas coisas que eu. Os outros o viam como uma divindade; eu o via como um cara interessante, que viajou o mundo e viu coisas.
  - Sinto inveja de você – ele contou – você é tão simples.
  - A vida é simples. Você vive e morre e faz coisas no meio. Pronto. Quer mais uma cerveja?
  Pedimos mais uma garrafa. Essa ele pagou; custava sete reais.