Ele era um cara interessante.
Cansou-se da mesmice, pôs os pés na estrada. Sem passagem de ida e muito menos de
volta. Passou por aí, por lá, por aqui e por onde fosse. Viu gente, viu tantas
coisas que enciclopédias sentiam inveja dele.
Voltou numa sexta-feira. Bebemos
em um barzinho, em um centro qualquer de uma cidade qualquer.
- Eu vivi, meu amigo – ele começou.
– eu acho que aproveitei tudo o que tinha pra aproveitar nessa vida. Poderia
morrer agora!
- Sério?
- Nunca estive tão certo disso.
Eu vi o sol nascer na neve, no deserto, nas praias e nos prédios. Vi vulcões,
tornados, tempestades e terremotos. Conheci todas as religiões, todas as culturas. Não há mais nada para
ver aqui.
Pedimos outra garrafa de
cerveja. Custava sete reais.
- Eu queria ter sua coragem,
cara – eu disse.
- Não é questão de coragem; é de
necessidade. Eu aproveitei a vida.
- Parabéns, amigo. Estou
orgulhoso.
Bebemos mais um pouco. Ele pediu
um cigarro meu. Custava sete reais o maço.
- Eu vi tanta coisa, amigo – ele
confessou – mas ainda não entendi o propósito da vida. Tantas religiões
diferentes, pregando coisas diferentes, motivações diferentes... Não sei se
tenho que lutar, se tenho que orar, se tenho que amadurecer o espírito...
- Você tem que me passar o
isqueiro...
Ele passou. Acendi meu cigarro.
- Tantas coisas eu vi. Vi a
morte, o amor, a escravidão, a fome, compaixão. O que é certo? O que é errado?
- Errado é você acender o
cigarro do lado contrário...
Olhou para o filtro que queimava
e soltava um cheiro de papel higiênico queimado.
- É tudo tão complexo, tudo tão
complicado e tão vasto. Acho que a vida não cabe em mim. E quando eu paro para
pensar na minha viagem, sinto que, no fundo, ainda não estou completo.
Não prestei atenção no que ele
estava dizendo porque uma ruiva bunduda e tatuada passou olhando para mim.
Essas oportunidades de flerte JAMAIS devem ser desperdiçadas.
- O que você disse? – perguntei.
Ele ficou me olhando com cara de
bosta. Era tão infinito, mas ainda assim era um homem, que morreria (com sorte)
aos oitenta anos. Ele mijava, cagava, andava e falava. Tinha dedos, unhas,
pelos no nariz e na bunda. Era tão humano quanto eu, não importava o que ele
fizesse. Estava vulnerável às mesmas coisas que eu. Os outros o viam como uma
divindade; eu o via como um cara interessante, que viajou o mundo e viu coisas.
- Sinto inveja de você – ele contou
– você é tão simples.
- A vida é simples. Você vive e
morre e faz coisas no meio. Pronto. Quer mais uma cerveja?
Pedimos mais uma garrafa. Essa
ele pagou; custava sete reais.