quarta-feira, 27 de abril de 2022

AR SECO

Olhos grudados que mal abrem
de manhã.
Pigarro de cigarro,
mas o cigarro já foi largado
há tempos.

Tem areia no ar,
não é possível.
O ar está tão seco
que me lembrou
seu amor.

SEM PACIÊNCIA

Pra cara feia;
chega.
Dá um sorrisão,
uma esticada na coluna.
Balança a bunda.


O meu saco tá cheio de nada.
Esse nada que habita a gente
não consegue
sentir o cheiro das folhas.
Fica se remoendo à toa,
a vida parada
estancada
nas paredes da cabeça.

Só não desisti
porque desisti
de desistir.

É como se houvesse luz.
E há, mesmo fraquejando.
Pois ainda vejo
os olhos brilharem
algumas vezes por ano.

Não precisa acabar agora.
Não forcemos o inevitável.
Deixemos que a vida
faça seu trabalho.

Mas aí: tô sem paciência
para a morte.
Bora dar um pinote
e deixar a sorte
decidir se valeu a pena.
Certeza que já valeu.

quarta-feira, 13 de abril de 2022

SR. BRÓCOLIS E OS VEGETAIS SATANISTAS

Eu fiz o que eu quis
e agora tô numa ressaca
com gosto de ferrugem.

Ontem eu andei de breja em breja
recebendo elogios
por causa do meu
brinco de brócolis.
A sorte não se escolhe.
Você faz seu corre
sem interferir no corre alheio.

"Amei seu brinco!"

Você é sua própria força
e a força de quem tá do seu lado.
Sem sacrifícios.
Pode ser difícil
mas é pra isso
que temos amigos.

"É um brócolis?"

Uma pessoa linda
andando com o cachorro.
Deu vontade de lamber a cara dos dois.
Já estava andando em
linha diagonal.
Fui sentido a República
passei na Roosevelt.
Energia densa, única.
E quanto mais eu descia,
mais dementes e insanos
ficavam os transeuntes.
Eu era um deles.

"Que incrível seu brinco!"

É MUITO AMOR

Tenho tanto amor dentro de mim
que não cabe
apenas à uma pessoa.

Eu te amo
sem prazo de validade.
Você pode até vacilar
(um dia você vai).
Meu amor não tem ego.
Meu amor não é de seda.

Amo meus amigos.
Amo meus corres e quem corre comigo.
Amo seu corpo (e minha língua nele).
Amo os bichos.
Amo o perigo da rua
a segurança de um teto
o amarelo da lua.
Sair de mim.
Aprofundar meus pensamentos.
Nós.

Tenho tanto amor
que muita gente nem aguenta.
Ficam com medo.
Acham que não merecem.
Fogem para quem não ama.
Mas amor não é troco.
É doação.
É como respirar
bater o coração
toque de pele.

Tenho tanto amor, meu bem.
Aceite pelo menos
um pouco dele.
E não se esqueça de compartilhar.

A BEBIDA MAIS AMARGA

É uma pena que
a cerveja não encaixe
no espaço que você deixou.
Outro litro de solidão
despejado no copo entediado.
Não tenho mais o que dizer.
Só beber e beber e mijar.
Um Sísifo embriagado.
Escutando canções do passado.
Daquele que você fez parte.

Acho que não existe isso de
sinceridade carinhosa.

Quando não fazemos nada,
percebemos que não há muito
o que se fazer
numa segunda de asfalto.
E olhar pro espelho dói.
Dói porque falta um sorriso.
Dói porque o reflexo esqueceu quem sou.

É uma pena que
só me restou
a bebida mais amarga,
aquela que se bebe sozinho.

NÃO POSSO MAIS ME IMPORTAR

Já me importei demais.
Entulhos no crânio.
Que roupa vestir?
O que dizer?
O que ser?

Não posso mais me importar.
Não dá mais.
Cada milésimo de segundo
escoa pelo vão
entre o que penso e
o que vivo.

Hoje eu sonhei que morria.
Olhos que se abriram contentes.
De repente a gente
sabe das coisas,
entende como seguir em frente.

Só não posso me importar mais
porque minha pressão tá alta,
porque o ar me falta,
porque estresse mata.

(viver também mata,
mas com harmonia).

E olha quanto já se foi
enquanto cerrei os dentes
na preocupação alheia,
absorvendo traumas
que não são meus
como papel toalha
chupando café da mesa.

Não dá, me desculpe.
Ou não, deixa a culpa em mim.
Eu deixei de ligar.
Não posso mais me importar.

ANTES DO SONO

Na madrugada se pensa o dia
a vida
aquilo que se esvazia
enchendo a mente
de soluções inúteis.

É na madrugada que se dorme e
que não se dorme.
É nela que está
o que penso dos outros,
o que desejo dos outros e
a cobrança em mim.

Já tive crises de ansiedade,
crises de amor,
de embriaguez,
de tempo.

Na rua ela dura
duas vezes mais
do que na insônia.
Na véspera do compromisso
basta piscar o olho
para perder mais uma hora
de sono.

E é no espaço do silêncio
e no conforto mortal do escuro
(tão assustador mas ainda familiar)
que os olhos começam a pesar.
Um pixo na parede:
"Morfeu esteve aqui".