Olhos secos. Mais cinco minutos. A quebrada dá os primeiros bocejos da manhã. Meu teto solta um bom dia e minha rinite traz o café da manhã. Pão de vento e café desidratado descafeinado.
Prometi que acordaria cedo para tomar a dose de reforço. Menos fila. Menos gente. Quanto mais gente, pior. Poderíamos ter permanecido na água, dentro das estrelas, átomos soltos, livres e selvagens, mas teimamos em ser gente. E agora o mundo acende o cigarro com as próprias chamas. Ainda bem que parei de fumar.
O inseticida questiona se devo realmente tomar a dose de reforço. Diz que minha garganta anda estranha, que talvez eu esteja com a doença, que talvez o sol exploda às três da tarde. Dou de ombros. Ele insiste, diz que 2 x 0 já tá bom. Respondo que quero ganhar de goleada, que se outros tivessem a sorte de ainda estarem em campo, fariam quantos gols seus corpos aguentassem. "Vamo lá tomar essa porra", eu concluo.
Há três conjuntos de átomos teimosos na minha frente. Retiro "Crônicas de um amor louco" da bolsa. Não dá pra ler direito. Muito barulho, muita distração, muita ansiedade.
O saco de átomos da minha frente pede para que eu o filme tomando a vacina com o seu celular. As enfermeiras riem. Eu também dou risada, mas por motivos diferentes. Todo mundo ri da cara de palhaço um do outro. O caos é nosso circo e o universo nos assiste comendo pipoquinha no primeiro assento.
Tomo a dose, saio com o braço sangrando, a enfermeira me dá dois comprovantes por acidente, uma criança escorrega e derruba uma maca, um carro em alta velocidade atropela um pombo, um casal termina o namoro, outro casal mora na rua, garotas nuas dançam em volta de uma fogueira, Júpiter solta um peido, uma bomba explode na Ucrânia e o jogo continua rolando.
Ainda não sabemos quantos minutos teremos de acréscimos.