segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

GRADE

Tem algo de errado com a
grade da janela do meu quarto.
Visto que muitas coisas
deram errado, mas
muitas deram certo nos
últimos anos,
essa grade ainda me incomoda.
Sempre fumo minhas tristezas
do lado de dentro,
no cômodo de três décadas.
Quando olho pro quintal,
pro sol no piso de cacos de azulejos
ou pras moscas e vespas
voando como se nada existisse,
eu me sinto numa
jaula de contenção.
Parece que me botaram
ali, no quarto, pras lagartixas
me comerem.
Ou pras baratas tirarem
fotos do meu rosto.
Pros gatos rirem do meu
jeito desajeitado ou
pros outros humanos
não saberem que eu existo.
Mas agora eu sei que
é só uma grade.
E uma bem vagabunda.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

VIAJANDO E VOLTANDO

Garoa híbrida molhando a vida.
Gotas de sol nos raios da chuva.
Viajei quilômetros pra ver
a Terra pelada.
Cobrindo as partes com pastos,
com matos e verde-claro.
Ouvi vacas fofocando
sobre cavalos que pulam a cerca.
Ouvi galinhas comentando
sobre patos que nadam na seca.
Tucanos raros e honestos
sobre galhos públicos.
O horizonte se estreitando
por entre os montes distantes.
Aqui, onde o espaço não passa...
Aqui, onde viver já basta,
eu sinto falta de você.
Garoa límpida olhando saudade.

O tempo fecha.

Por que caralhos estamos
tão longe?
Por que eu fodo com todo
relacionamento que tento manter?
Será que eu sou um merda?
Por que tá todo mundo
se dando bem sendo escroto
pra cassete nessa porra? E...

O tempo abre.

Viajo quilômetros pra voltar
à Terra que veste asfalto.
Cobrindo tudo de cinza,
fumando cigarros de gás carbônico.

ESTAÇÕES, VÍCIOS E UMA CIDADE

Abrindo portas de metrô
com pensamentos, ventos, inventos,
sentimentos intensos
dores retrô.
Alicerce medíocre, base de algodão.
Eles vão dizer NÃO.
Eles vão dizer NÃO.
O apoio já tá vindo.
Só subir escadas no vinho
que pouco a pouco o sozinho
na multidão vira pinho.
São Paulo nem vem!
Que hoje tô de bem.
Hoje só quero o bem.
Hoje milagres, amém!
Abrindo portas do metrô
e com pressa ingressa na festa.
O que resta são trilhos
passando pela dor.
Coluna firme, abre o coração.
Podem até dizer NÃO.
Podem até dizer NÃO.
Que o apoio já tá vindo.
Vejo garrafa sorrindo.
Pois no infinito do limbo
qualquer copo é lindo.
São Paulo, nenem,
pode ir mais além
de cinza e desdém
no ano que vem.

NOVOS CAPÍTULOS DE UM LIVRO VELHO

Construindo torres das moedas
que peço e perco pelas
escadas quando caio
na noite, da noite, com a foice
esticada sobre o pescoço
no esforço de não perder a cabeça.
Colar de níquel, ferro enferrujado
poder de comprar
o que já tá pago.
E é nessas remessas,
nas vielas das arestas
que artista se distrai
contando com um pouco de amor.
Amor que cisma. Amor teimoso.
Amor que puxa até o esgoto.
Ele esgota as notas
mais caras das
canções mais baratas.
No fim, não vale nada.
Enfim, não quero nada.
Assim eu posso ter tudo
e em mim guardar todo um mundo.