quarta-feira, 27 de março de 2024

MESMO NA ANSIEDADE

parceira inseparável
tira meu ar pra respirar o dela
exposta alma até às costelas
corrente enferrujada na minha mente
eu lubrifico com algo
que me deixe inconsciente

a gente não se entende
papo de muitas ideias
desconexas
pensamentos invasivos
eu não sei como tô vivo
se eu sinto
que minha vida não é minha

mas meu corpo ainda caminha
rumo à direção desconhecida
se soubessem a guerra interna
me davam medalhas e honrarias

peito batuca arritmia
dia após dia todo dia
minha amiga inimiga ansiedade
trouxe lembranças que quero esquecer
trouxe entulhos que não quero ter
trouxe todos os erros
que tive de cometer
um chá, ligo a TV
barulho de fundo para entreter
as paredes e o meu ser
já não tão presente

respiro fundo (é o que restou)
eu ainda luto neste absurdo
sou o cúmulo; no meio do tumúlto
boto um sorriso no rosto
e se hoje não conseguimos
amanhã a gente tenta de novo.

segunda-feira, 25 de março de 2024

NA SOLITÁRIA (EU NÃO PRECISO DE NÓS)

fecho a janela para que não olhem dentro da minha casa
pra que não vejam o que tem dentro da minha casca
fecho a porta guardo as asas
dou meu peito para as traças

eu não preciso de ninguém
eu já sou alguém
que não precisa de ninguém
pois eu já fui refém
de precisar de alguém
e eu não preciso de ninguém
nem vem com esse "meu bem"
não comece se não for pra ir além

a gente tinha química
mas ela era física
não sei se isso explica
minha alma evasíva
o seu cheiro que me habita
me envenena me excita
me assombra me irrita
cê é o passado que limita
o futuro da minha vida
a teimosia da ferida
a brisa das minhas brisas
a fúria das minhas brigas
a corrente da minha cina
o silêncio da campainha
o motivo de todas as minhas 
vozes serem cínicas

já amei muita farsa
perdi de vista minha vista vasta
por isso me entrego ao meu nada
não há janelas na solitária

tampo as frestas, não dou mais trela
é só balela essa idéia
que a sua presença (ou parte dela) me completa
eu sou completo 
eu tô repleto de donzelas
de ferro

eu não preciso de você
(não mais)
eu não preciso de você
(jamais)
eu não preciso de você
(capaz)
eu não preciso de nós

sábado, 23 de março de 2024

NA FILA DO POSTO

tô suando tô morrendo tô pingando tô esperando
tô contando quanta gente tem na minha frente
quanta emergência aparece de repente
um louco convulcionando
por pouco
de doido não vira morto
o outro se tremendo todo
todo torto 
segurando o telefone
dizendo pra filha
o tamanho da fila
e que agora piorou
é horário de almoço.

meu número não é chamado
o corredor tá vomitado
o banheiro tá todo cagado
um senhor orando desesperado
não é possível
os anjos estão atrasados
a menina chorando o estômago apertado
a impaciência febril de quem não foi vacinado
"a culpa não é nossa" 
diz a enfermeira com o rosto suado
"é muita gente pra pouco contratado"

o médico que me atende, visivelmente, tá nervoso
não olha no meu rosto
o mal exposto
o corpo ardendo como fogo
eu sou só um número
depois de mim tem outro

uma receita, um minuto e pouco
saio do posto
sigo em frente
rezando como sempre
pra não precisar pisar lá de novo
 

quinta-feira, 21 de março de 2024

INFECTADO

eu tô suando
tô suando
tô morrendo

não sei se é dengue
ou coração partido
não sei se é febre
se é ódio
se foi tudo o que eu disse
eu não mereço
e o que eu mereço
quem decide?

tô pingando tô criando
tô me desfazendo em prantos
pintando panos
com a cor dos meus ossos

eu não sei porque ficamos
não sei pra onde vamos
eu tô suando 
tô suando
termômetro no ânus

não ria
a vida é séria
tudo é sério
tá tudo o tempo inteiro te cobrando

soro na veia rachada
convulsões que dançam
vômitos de amor

eu não te espero 
esperar é luxo 
pra quem tem pouca calma
e um redemoinho no bucho

doente, eu tô doente de vida
é muita vida e pouca vida
eu tô vivo, tô queimando
estado febril tremendo 
em todos os cantos.

quinta-feira, 7 de março de 2024

VIELAS SECRETAS

tô me assistindo no repeat
são sempre os mesmos anúncios
armadilha feliz fazendo barulho no mudo
algo em mim morreu e eu não fiquei de luto.

meus bolsos ficam vazios
tô mais leve pra fugir
desse tempo que restou para mim
é por isso que o copo tá cheio de novo
é por isso que o copo eu seco de novo
tranfiro a culpa pro pensamento oco
esquece, já era, tô louco

tô me assistindo no repeat
não se preocupe, quero decorar meu script
o papel que eu faço na minha história
deixa eu ver até onde vão os limites
antes que meu agora vire memória

e vem o sussurro de novo
é por isso que o copo eu quebro de novo
é por isso que eu não tenho mais troco
gastei tudo nas vielas secretas
pra não cair na boca do povo.

sábado, 2 de março de 2024

CORRENDO

sempre correndo pro abraço
de laços líquidos e pés descalços
sujando as solas
com um pouco da Terra
e o resto de tudo.

você me diz que estou aqui
na hora certa pra te fazer sorrir
e lá você está
na ponta da minha caneta
ou
na ponta dos meus dedos
virando alguma arte que faça parte
da minha bagunça.

hoje eu bati no ritmo
tava deslizando no fluxo contínuo
empírico espírito
aprendendo a quebrar o ciclo
sou um animal de circo sem rabo
me equilibrando entre a incerteza do futuro
e as cicatrizes do passado.

um dia é muito curto para nós,
meu bem,
se eu precisar dizer o que sinto.

sempre correndo
meus passos são falhos
mas nunca desesperados
sujando as solas
com o que restou do espaço.

você me diz que queria estar aqui
mas hoje reservei minha vida para mim.