domingo, 20 de agosto de 2023

NOSSO ESTADO NATURAL



amor é a menor distância entre dois pontos.
é o sono de um gato ao sol.
o jeito que cobre o rosto
quando fazemos barulho.

amor é sorrir numa segunda nublada.
limpar a casa sem perceber.
escrever poesia
com a voz da cabeça
na areia dos pensamentos.

amor é ter raiva dessa troca vulnerável.
sair exposto como se o corpo nu
ainda cobrisse certa vergonha
de sentir.

mas eu não sinto mais vergonha.
guardei a timidez de amar
junto à outras coisas tortas e adolescentes.
e então amei o dia, amei meu mundo.
amor é o estado mais natural de tudo.

EU ME GARANTO (VAMOS NOS VIVER)

não sou o que você pensa de mim.
qualquer coisa te envio de volta
sua aceitação.
eu me garanto.
 
não me vista suas ilusões.
tenho meu mundo pra conquistar.
não se faça de pedra
no meu caminho.
não é do seu jeito que me sinto.

não sou o que você espera.

sou a quebra de expectativas.
sou decepção pra quem deseja
algo além de mim.
sou o fim da frase, sou o depois
sou o enfim.

não sou a prova da sua concepção.
não sou outro exemplo de imersão
num lago raso.
eu faço e me desfaço 
profundamente
do que não me cabe
porque já tenho o que usar
nas outras noites
com as outras pessoas.

tenho meus problemas e não sou
mais um dos seus.
o que você possui de mim
é minha atenção
e apenas enquanto for interessante.
não espere por mais.
não sou nem
minhas próprias expectativas.

desejo apenas 
que a gente se viva.
bora?

OBRIGADO À MIM POR TUDO

agradeço 
às versões anteriores
que apesar das minhas dores
não pegaram minhas coisas
e fugiram de mim.
 
tenho apreço 
à construção dos meus valores
o processo é tortuoso
sentir na pele e mesmo assim
carregar por aí
um grande e remendado SIM.

eu sei que já falhei.
em terra de bêbado
quem tá sóbrio é rei.
eu não sou da realeza
mas até que me reino bem.

eu fiz o que pude
com as ferramentas que eu tinha
com as cartas que me foram dadas
com uma caneta estourada 
e entrelinhas.

não foi perfeito
mas não podia ser 
de outro jeito.
agora pode.
só agora posso.
agora que desenrosco
a corda dos meus pulsos
e pernas
e pescoço.

agradeço.
obrigado à mim
à teimosia humana
aos músculos que carregam
pesos intangíveis.

continuarei a me escrever
em versos suturados
e quem sabe ser louco o suficiente
pra dizer
que sou feliz.

TÔ AQUI PORQUE EU NÃO DESISTI (OUTRA PERSPECTIVA)

dias nublados
ainda são dias.
anotei isso na parede
do meu crânio.

tive de me arrastar por algumas
tempestades.
acho que quase ninguém viu 
minha dores, só meus machucados.

o que não mata, fere.
a força eu já tinha.
tá no modo de se ver a vida;
um raro presente mal embrulhado.

eu vivi o que tinha de viver
e talvez já não esteja mais aqui
quem eu queria que estivesse.
os caminhos bifurcam
e às vezes se cruzam
às vezes se esquecem.

tive de aprender a dizer adeus
mesmo o peito já sabendo soletrá-lo.
tive de parar e apreciar
o pequeno espetáculo 
dos detalhes semi-visíveis.
gostar do pouco
pra ser digno de muito.

hoje eu brindo com meus amigos.
achamos este lugar bem legal
onde o goró não é tão caro
e o atendimento até que presta.

eu te passaria o endereço
mas você não me encontraria.
você nem conseguiria me enxergar.
estou em outra perspectiva.

CANÇÃO DE CORPO NO SILENCIOSO

um jeito de amar no silêncio
gemer em volume baixo
e gozar no mudo.
 
não sabem
e a gente gosta assim;
sem que saibam.

faço força de propósito
desafiando sua garganta
e a voz que escapa
derrapa por seus lábios
e colide nas paredes.

tampo sua boca.
você lambe minha palma
chupa meu dedo.
o suor mistura nossos cheiros.

vista boa da sua bunda
tremendo e quicando
vestindo em vermelho pele 
a marca do aperto da minha mão.

se a gente pudesse
acordaríamos toda a cidade
e muitos se lembrariam
de seus orgãos
de suas intimidades
e dos amores que se perderam.
a gente perde a chance
algumas vezes
de mudar o mundo.

mordo seu ombro e
sussurro no seu ouvido
que assim tá bom
enquanto você bufa e se contorce.
sinto seu tesão nos pelos do meu braço
e em todas as palavras
que suspiro.
enfio minha cara na sua nuca
enquanto terminamos juntos
essa canção de corpo
 no silencioso.

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

OUTRA PERSPECTIVA DESSA MERDA TODA

olhe pra baixo
e vira outro caso
esse descaso
daquele idiota.

vire pro outro lado
e logo o amargo
grudado nos lábios e no peito
fica doce
e então sem gosto.

ela partiu e voltou
e partiu de novo.
adeus perdeu valor.
virou flor incolor.

bela tentativa
reaver algo que já foi enterrado.
nossas mãos ainda estão
sujas de terra.

hoje eu brindo com meus amigos.
achamos este lugar bem legal
onde o goró não é tão caro
e o atendimento até que presta.

eu te passaria o endereço
mas você não me encontraria.
você nem conseguiria me enxergar.
estou em outra perspectiva.

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

INSANIDADE CELULAR




tô sentindo gosto de fim-de-mundo.
acho que vou perder minhas amizades
porque as reciclei demais.

eu achei que queria paz
mas você queimou as esperanças
acendendo um incensso sem cheiro.

eu fico em casa bebendo pensamentos.
o que diria
o que seria
o que faria.

tô sentindo cheiro de fim-de-mundo.
acho que acabou
isso tudo
que me acompanhou
até o fim, até o poço, até o fundo.

insanidade celular
deixei algo pra despertar
quando acordar
meus monstros.

e que se foda o que digam
me sigam os cansados
de agradar
e sufocar
seus sonhos. 

tá vindo a onda e ela é forte.
senti o choque e era sorte.
cicatrizes são um autógrafo da morte.

então o que resta é ter pressa
e aceitar as arestas.
correr a estrada cara.
quanto tempo se empresta?

insanidade celular
enlouqueci pra poder voar
quando juntar
os pontos.

e que se foda a magia.
a realidade agora é minha
de extravazar
e criar
os próprios contos.

insanidade celular
cada parte minha
pronta pra pirar
é só uma questão de se conectar
com o que perdemos.

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

TÁ TUDO BEM

nu mesmo.
sem roupa nem pele nem ossos.
nu de ver o cu da alma.
escutar o que a sombra tem pra cuspir
sem cerrar os punhos.

peladão
balançando
defeitos.

não tá tudo bem comigo.
faz tempo que não está.
não é bom te ver.
já quis que um de nós
não existisse.
enfia esse bom dia no rabo.

foda-se todo mundo.
essa é minha alquimia;
transformar tristeza em ira.

quem sabe uma hora
das cinzas agonizantes
transmutamos alegria?

tô nu mesmo.
expondo meu ridículo
ocupando com coragem.

tô invertendo minhas vozes.
vou falar do avesso.
escuridão recheada de luz.
por fora vestirei meu pior
enquanto minha mente
num baile de máscaras
goza em paz.