sexta-feira, 21 de julho de 2023

QUEIMA DE ESTOQUE

até o estoque acabar
eu vou ficar vendendo
à garganta rachada
no meio de infinitos punhados
de gente isolada.

vendo meu tempo.
vendo meus sonhos.
vendo meus amores.
promoção aos erros.

vendo tudo isso acontecer
e só bebericando
a água benta
que vendem na TV.

até o estoque acabar
e meu estômago queimar
minhas lembranças do que eu era
contigo.
porque agora eu sou o quê?
dedos rastejando até
o próximo prazer?

vendo meu inútil
o que minha família não quis saber.
vendo as medalhas
que falhei em merecer.
eu vendo minhas falhas
preço justo
só porque é você.
mas se não fosse também
foda-se você.

até o estoque acabar.
queimando combustível alcoólico
ligando e esquentando no frio
de um espaço grande demais
pra caber um espírito em fios.

vendo, já sabe onde colar.
vivendo.
uma proposta difícil de negar.
até onde durar os estoques.
uma pilha de merda
que alguma loucura vai comprar.

MELANCOLICAMENTE ADULTO

quando suas contas são maiores
que seus bolsos
e seus passos não acompanham
seus pensamentos
e a velocidade da sua língua
é maior do que as palavras

isso é ser adulto.

quando as bebidas só anestesiam
e os encontros eternos são casuais
e o novo já não te anima

bem, isso é só melancolia mesmo.

TRÊS REAIS E TRINTA E TRÊS CENTAVOS

não tenho dinheiro pra ter
tantos amigos quanto você.

não tenho dinheiro pra ser
alguém tão amado quanto
todo mundo.

a falta de dinheiro eu queria
pegar e chamar pra sentar
do meu lado
(e não nos meus bancos)
só pra entender
esse fascínio por mim.

é, eu não posso te pagar essa rodada.
é isso o que quero dizer.

CORTEJO

cortejo a melancolia das minhas luzes fracas
lutando contra o escuro da noite
e o meu teclado sujo
velho e maculado
tão tocado que parece público.

cortejo os ensaios 
daquilo que nunca direi
mas que quero dizer.
e as encenações no palco da mente
todos os fins que não começarão.

cortejo você;
cortejo a gente.
cortejo o que fica depois de nós.
e você nem lê mais minhas mensagens.
agora eu recito o lixo
onde joguei minhas memórias.

ah, cortejo o vidro do copo
e o cristal da taça
e o pó da mesa
e a beleza
de ser 
o único louco
acordado depois
das três
no meio da semana.

e sim, eu deixo
meus dedos batucarem a impaciência
batucarem a indecência
batucarem cinzeiros cheios
de algo que nem lembro se fumei.

e sim, eu esqueço
que um dia eu pensei
só em você
e agora eu penso em você
e em todo o resto que deixei de lado.

cortejo as linhas vazias
inocentes
que eu sujo com a minha vida.

e cortejo o som
que faz a noite calada
numa rua de periferia
emaranhada entre asfaltos
e números trocados.

ah, se alguém estivesse aqui
além de mim
e eu mesmo...

quinta-feira, 20 de julho de 2023

SEQUÊNCIA DOS FATOS

se eu te dissesse
não em palavras
mas em gestos
o que marcou
aqui em mim
você sepá
fugiria
veloz
como
luz
.

UMA NOITE DE SUBTERFÚGIOS

carrego os escombros do meu dia
até a mesa
e meu amigo copo
abraça minha amiga bebida
enquanto os primeiros acordes da noite
ressoam improvisados pela esquina.

sim cada janela.
cada janela uma história.
quem não vou conhecer hoje
parece mais interessante
do que qualquer olhar 
que não encaixa com o meu.
mas quando tem
(e algumas vezes tem)
aquilo que desce a garganta
seca de poluição emocional
fica com um gostinho de deus.

já tô ecoando fora de mim.
já sou uma coisa só.
se perguntarem meu paradeiro
a resposta é a rua
e se perguntarem o que sou
digo que virei a noite.

não lembro do que disse.
não lembro de olhar o espelho.
não lembro da consciência.
mais veneno, mesa trinta e um.
preciso ir ao banheiro
encarar um azulejo
verdadeiro o suficiente
pra não me dizer 
o que diz minha mente.

e quando volto
já não entendo o mundo
e os corpos rebolam
e as bocas se encontram.

mordo ligeiramente meus lábios
enquanto minha alma esfaqueia
as paredes do meu
sistema nervoso
em busca da próxima adrenalina.

cadê aquele olhar
que encontrou o meu?

COMA ANTES QUE ESTRAGUE

mire nos órgãos vitais
daquilo que passa
ao invés de babar ovo
à permanência.
que seja fugaz
que seja intenso
que seja um big bang
de proporções incontáveis.
pode ser a última vez.
coma antes que estrague.
não guarde rancores.
não armazene pra depois.
esse já é o fim do mundo
começando todo dia.
você vai estourar, amor.
vai ter que remendar seu coração
com cuspe.
vai ter que revirar
a lixeira dos outros relacionamentos
em busca de migalhas
até encontrar a fonte.
eu digo A FONTE.
aquela que tava contigo
o tempo inteiro
e que não precisa
de malabarismos
pra se manter de pé.
quando estiver com o bucho
cheio de si mesmo
devorando o próprio rabo
como faz tudo que existe
e quando os gatos miarem
e quando você for traído
e quando você nem sabe mais
pra onde direcionar
suas piores armas
tente se ajoelhar
diante de uma árvore
e gorfar os porres ultrajantes
e sangrar as dores escondidas
e abraçar esse resto
que você chama 
de eu.
que seja visceral.
mire o holofote
pro seu palco e
saia do compasso.
erre maravilhosamente
sem uma borracha pra apagar.
rabisque com permanente.
mire no suco da vida.
perca a hora.
perca tempo.
perca repetidamente.
mire no último traço do velocímetro.
com todas as suas costuras
e todos os sentimentos reciclados
a cara suja 
o cabelo bagunçado
e o frio na barriga
o frio na espinha
o arrepio do instinto
o arrependimento das palavras.
mire alto
acima da cabeça
acima de todo esse lixo acumulado.
mire na vitalidade do acaso
e esqueça essa ideia
de que dá pra armazenar pro futuro
aquilo que já é passado.

segunda-feira, 10 de julho de 2023

ÀS VEZES SÓ CHOVE DENTRO DA GENTE (OLHOS NUBLADOS)

às vezes eu forço
um simples sorriso.

às vezes esqueço
do que eu preciso.

eu sei que é estranho
muito do que digo

falar com as paredes
melhores amigos.

às vezes só chove
dentro da gente.

e às vezes é foda
seguir em frente.

e eu sei que você
já vai passar.

pelos olhos nublados.

às vezes faz sol
no nosso sorriso.

às vezes eu lembro
do meu infinito.

eu sei que é estranho
o caminho que sigo.

deixar as paredes
criar meu destino.

às vezes só chove
dentro da gente.

e às vezes é foda
seguir em frente.

e com você
fica fácil enxergar

pelos olhos nublados.