segunda-feira, 21 de junho de 2021
NÉLSON GONÇALVES
sexta-feira, 18 de junho de 2021
O VEÍCULO
Estou com este hábito de caminhar por ruas que não conheço. Saio de casa, escolho uma direção e vou me enfiando por aí, descobrindo lojas, praças e cantinhos onde o sol parece mais gostoso. Tenho feito isso por desespero.
Nosso corpo quebra. Não sabemos quando, nem como. Mas uma hora as costas doem e o que se fazia antes numa brincadeira agora é impossível na necessidade. Tenho lamentado no banco do motorista por muito tempo. Fiz 29 anos rodados, ainda consigo subir ladeiras de primeira. Único dono. Mesmo assim, encosto a testa no volante e questiono a estrada. Por que nos botaram aqui, assim, desse jeito?
Tenho caminhado sem sentir que caminhei. Mesmo com os pés na rua, parece que ainda estou no meu quarto. E hoje uma moto quase me atropelou. Passou fininha do meu lado. Se eu tivesse virado o rosto, o motoqueiro teria acertado meu nariz com sua testa. Na hora meu coração disparou. Mas, ao invés de amaldiçoar a situação, sorri. Aquilo era real. Meu peito estourando, minhas pupilas dilatadas, a garganta seca; estava vivo, fora de casa, fora da minha cabeça por pelo menos alguns segundos. Todos os atos desesperados são tentativas de fuga da própria mente. Eu era o próprio Andy num Sonho de Liberdade.
Não importa o quão longe você vá; pra onde você for, lá você estará. Carregando a mesma bagagem, o peso nas costas. Não dá pra distanciar-se de si.
Também não importa o que você faz pra se distrair. Quando se é vazio, todos os consumos são desperdiçados no buraco. Pode beber e se entupir à vontade. Pode gastar dinheiro, transar, fumar, ler, assistir, cheirar... No final, é você consigo mesmo. A culpa não é do mundo.
De repente estou na minha cama novamente, pensando e pensando e pensando. A única prova de que caminhei são anotações que fiz no meu bloco de notas preto quando sentei numa pracinha. Isso e a minha lombar dolorida. Assisto o resto do dia morrer pela minha janela. Um lindo dia de poucas nuvens.
Desligo os faróis. Retiro a chave do contato. Inspiro profundamente. Expiro consciente uma última vez.
Amanhã será diferente.
quinta-feira, 17 de junho de 2021
PAPINHO FURADO
SUPERESTIMADA
terça-feira, 15 de junho de 2021
PALAVRA CERTA
Com quantas palavras se faz uma emoção?
Montar uma que
te una à mim
da mesma forma
que eu tô em você.
Talvez não saiba,
é,
talvez você nem desconfie.
Mas já dei tanta brecha
que me sinto um buraco.
o orgulho continua o mesmo,
só pra tapar erro.
Com quantas emoções se diz
a palavra certa?
Tenho dito demais.
acho que vou escutar
a voz fria da rua
em mais uma noite
que você "nem".
O TROCO DA MEIA-VIDA
O corre é louco e
o pouco que ganho
ganho correndo muito.
e vejo tanto
com pouco
e pouco com tanto
que às vezes bate um desespero, uma raiva
que fica pra lá,
tenho que levantar,
ganhar o troco da meia-vida, meio morrendo
todo dia.
o corre é louco, tampouco
a caminhada
longa como estrada
de começo, meio, meio
(essa porra não tem fim?)
Nem sobra tempo prum sorrisinho. Nem
espaço fininho
no trem lotado.
corre, louco, desbotado
de qualquer cor.
Corre, louco, desgastado
como peça descartável.
quem sabe um dia
te dão uma chance?