Se algo ruim acontecesse com o mundo inteiro, talvez houvessem mudanças. Mas, com a gente na encosta da praia mais solitária do universo, sorrindo para a cerveja gelada como a única saída, tudo e todos os gostos continuaram o mesmo.
Lágrimas continuam tão salgadas quanto uma porção de camarão com batata frita.
Ansiedade ainda é a mesma rotina, a mesma prisão de ontem.
Os pisca-piscas continuam... Bem, continuam piscando.
Há uma nuvem escura em forma de corvo pairando sobre nossos sonhos. Pensar num futuro melhor é amedrontador. Mas não adianta temê-lo; somos os filhos bastardos do caos. Herdamos a natureza da destruição e da adaptação.
Nas últimas linhas de 2020, não quero falar sobre o dito cujo. Todos sabemos o que este ano representou para cada um. O tempo ainda tem sabor de morte. E a sua corajosa flecha continuará seguindo em frente, para frente, sempre na mesma direção, independente do quanto pensarmos no passado.
Nas últimas palavras de um ciclo solar moribundo, quero enaltecer o que restou, o que resistiu às bombas. Não é só porque estou pra baixo que eu devo calar minhas gargalhadas para os malditos deuses que enfiaram estes pensamentos em mim. E não é só porque estou isolado que eu não deva compartilhar estas imagens com o mundo.
Neste natal, o parabéns vai para nós, os verdadeiros merecedores de uma comemoração que celebra a sobrevivência. À todos que ficaram nas linhas de frente. Aos que tiveram empatia e se trancaram o máximo que puderam. E também àqueles que não respeitaram a quarentena. Foda-se. Estamos todos na mesma barca.
Parabéns para nós.
O antigo aniversariante morreu há anos. Nos deixou seu mundo e suas palavras, e a gente mal conseguiu interpretar um simples sermão. Ainda atiramos pedras em putas. Ainda fazemos luxo com seus templos. Odiamos uns aos outros como odiamos a nós mesmos. E eu digo que nada mudará. Não mudou, mesmo com algo ruim acontecendo com o mundo inteiro. É impossível seguir os passos de um deus sendo esta criatura conturbada que sabe que sabe.
Mesmo assim, tá tudo bem. Sobrevivemos. Estamos na encosta da praia mais solitária do universo, sorrindo para as estrelas. O Universo ainda nos quer por aqui. Quando Ele mudar de ideia (ou descobrir que existimos), nada poderá ser feito. Seremos magníficos como dinossauros, e tão extintos quanto. Então vamos aproveitar que estamos aqui e cear todos os recursos que a vida nos proporciona. Sem culpa, sem julgamentos. Livres como os primeiros homens, sábios e experientes como os últimos.
E que venha o próximo livro.