quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

BOLDO

A ressaca não queria
me deixar pra trás.
Resolvi tomar medidas
extremas:
chá de boldo.
Chá de tristeza e angústia.

Olhei para a ressaca.

"Você partiu meu coração.
Veja o que você começou!",
eu disse.

"Não fui eu que comecei.
Você que escolheu este
caminho".

"Não escolhi porra nenhuma!"

Virei o chá inteiro pra dentro.
Doeu em nós.
Ela partiu, em câmera lenta.
Mas eu sei que
ela vai voltar.
Ela sempre volta.

COMIDINHA

Tô na cozinha,
fritando uma coisa boa.

Meus gatos no sofá,
orgulhosos com o
território.

Minha mente tá
no chuveiro junto
da minha ex.

Minha outra ex
tá no meu quarto,
vestindo vermelho
feito um presente
que não pedi.

E a vida passa devagar
aos domingos.
Passa
tão
devagar.

Tô no quintal, amassando
umas latinhas.
Queria uma
comidinha rápida,
mas ninguém gostou
da idéia.

Deixei tudo torrar.

Se não for do jeito que quero,
nossa ceia será
carvão.

E a vida passa num instante
durante a semana e
o ano inteiro
já acabou.

Minhas memórias estão
no sótão, empoeirando
como meu ultimo ex.

Eu só queria uma
comidinha rápida.

BARULHO DO LACRE DA LATA

Como bocejo,
é tão contagiante
que uma lata
surgiu na minha mão.

E na mão de todos
os poetas .

E na garganta do tempo.

E no fim do dia.
O próprio sol
deixou suas
latas esquentarem.

Bastou um
filho da puta
com uma
maldita latinha e
seu lacre e
o barulho que ele faz
para que
o universo inteiro
ficasse chapado.

domingo, 27 de dezembro de 2020

AS ÚLTIMAS LINHAS DE 2020

Se algo ruim acontecesse com o mundo inteiro, talvez houvessem mudanças. Mas, com a gente na encosta da praia mais solitária do universo, sorrindo para a cerveja gelada como a única saída, tudo e todos os gostos continuaram o mesmo.

Lágrimas continuam tão salgadas quanto uma porção de camarão com batata frita.

Ansiedade ainda é a mesma rotina, a mesma prisão de ontem. 

Os pisca-piscas continuam... Bem, continuam piscando.

Há uma nuvem escura em forma de corvo pairando sobre nossos sonhos. Pensar num futuro melhor é amedrontador. Mas não adianta temê-lo; somos os filhos bastardos do caos. Herdamos a natureza da destruição e da adaptação. 
 
Nas últimas linhas de 2020, não quero falar sobre o dito cujo. Todos sabemos o que este ano representou para cada um. O tempo ainda tem sabor de morte. E a sua corajosa flecha continuará seguindo em frente, para frente, sempre na mesma direção, independente do quanto pensarmos no passado.

Nas últimas palavras de um ciclo solar moribundo, quero enaltecer o que restou, o que resistiu às bombas. Não é só porque estou pra baixo que eu devo calar minhas gargalhadas para os malditos deuses que enfiaram estes pensamentos em mim. E não é só porque estou isolado que eu não deva compartilhar estas imagens com o mundo. 

Neste natal, o parabéns vai para nós, os verdadeiros merecedores de uma comemoração que celebra a sobrevivência. À todos que ficaram nas linhas de frente. Aos que tiveram empatia e se trancaram o máximo que puderam. E também àqueles que não respeitaram a quarentena. Foda-se. Estamos todos na mesma barca.

Parabéns para nós. 

O antigo aniversariante morreu há anos. Nos deixou seu mundo e suas palavras, e a gente mal conseguiu interpretar um simples sermão. Ainda atiramos pedras em putas. Ainda fazemos luxo com seus templos. Odiamos uns aos outros como odiamos a nós mesmos. E eu digo que nada mudará. Não mudou, mesmo com algo ruim acontecendo com o mundo inteiro. É impossível seguir os passos de um deus sendo esta criatura conturbada que sabe que sabe. 

Mesmo assim, tá tudo bem. Sobrevivemos. Estamos na encosta da praia mais solitária do universo, sorrindo para as estrelas. O Universo ainda nos quer por aqui. Quando Ele mudar de ideia (ou descobrir que existimos), nada poderá ser feito. Seremos magníficos como dinossauros, e tão extintos quanto. Então vamos aproveitar que estamos aqui e cear todos os recursos que a vida nos proporciona. Sem culpa, sem julgamentos. Livres como os primeiros homens, sábios e experientes como os últimos. 

E que venha o próximo livro.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

SUJEITO PREDICADO

Comi uma pizza
com gosto de mentira.
Bebi em plástico
esperando o fantástico.
No meu esquema
falhou-se todo o plano.
Eu não me engano;
a culpa é seu dilema.

Viver pra mim ou
morrer na história.
Viver por mim ou
doar minha glória.

E nessa noite o
distinto é distoante.
Não temos medo,
o valor que é distante.
Não sinto nada.
Não vejo o certo.
Talvez o certo
Seja um nada!

Viver pra mim ou
morrer na história.
Viver por mim ou
doar minha glória.

E eu não sei
o que quis.
Eu só sei
o que pedi.

E nenhuma manhã
paga o preço
do nosso apreço
por um novo amanhã.

E nenhum desajeitado
tem que governar
toda uma nação.

Eu vejo o errado
disfarçado
de "elaborado".

É mentira,
rima limpa,
sujeito e predicado.
Quem nós somos
na oração?

Viver pra mim ou
morrer na história.
Viver por mim ou
doar minha glória.

NA ESPERA

Estes sentimentos não
parecem estar com os
pés no chão.
Pelo que esperávamos?

Não sou mais o mesmo.
Fiquei em casa
por muito tempo.

Nada estava ali realmente.
O que fazia falta
se escondia entre
um dia e o outro.
Você perguntou
"Por que isto importa?"
e não houve resposta.

Você não é mais a mesma pessoa.
Ficou em casa
por muito tempo.

Na espera, a expectativa
de que será diferente.
Este sentimento não
tá com os pés no chão.
Nem dá mais pra diferenciar
ontem de hoje e
muito menos de amanhã.

Não somos mais os mesmos.
Ficamos em casa
por muito tempo.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

LÁ FORA

Por favor, apenas me siga,
pois eu me perdi novamente.
Olhamos para o trem chegando
ao mesmo tempo,
só que embarcamos
em estações diferentes.

O que me custou eu
já investi em mim.

Lá fora, em stand by,
a chuva cai com sol.
Meio que me identifico.
Mas não quero te aborrecer
com sentimentos passados
(que passaram só pra você,
talvez, pra mim nunca passaram).

Segui adiante, sem deixar rastros.
Amor não é um dogma.
É arrogância dizer que
só isto basta.
Ou ingenuidade.
Afinal, embarcamos em
estações diferentes, lembra?

Boto meus olhos na janela
para enxergar este mundo.
Ensinei-me que é assim que é,
mas não é assim que tem que ser.
Meu reflexo sorriu pra mim,
como há muito tempo
não fazia.

Lá fora, a chuva encerrou o ato.
Nunca fiquei tão próximo
de um arco-íris
quanto agora.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

MANHÃ

Olhos secos, já se
foi o suficiente
por um mundo
antes mesmo de
sair da cama.
Dias de céu azul
facilitam a
virada de página.
Pensando sobre
tudo o que vai
acontecer,
tão distante.

Tomaria café agora.
Mas aí seria o
mesmo de sempre.

TARDE

Acabou sendo
o mesmo de sempre.
Sonhos e promessas 
fugiram das 
nossas mãos para
o pôr-do-sol.
Voltamos do trabalho.
Olho para os meus pés:
é o começo do fim.
Procurando por alguma
migalha de orgulho
pelo que foi feito
entre o dia e
a tarde.
Só nos restou
a noite.

NOITE

Agora que ela chegou,
posso deitar
e encarar a
luz das lâmpadas
de LED do meu quarto.
Agora que o sol
não sorri mais,
posso pensar com
mais frequência.
Cruzando informações entre
minhas memórias e
a cidade em véu negro.
Me traz esperança.
Talvez a gente podia
se encontrar esta
noite.
Ou podemos deixar
para o dia
de amanhã.

PLAYGROUND

Meio amargo no playground.
Ao redor pessoas
se tratando como
pessoas se tratam.
Sentado no banco,
meu sorvete derretendo.
Alguns metros dali,
o amor é uma coisa.

O sol dando tchau pro playground.
Todo mundo no fim
do dia.
Eu queria ser
outra pessoa;
aquela que estiver
contigo agora.
Meu relógio travou.

Balançando minhas pernas,
vejo as crianças matando
uma garrafa de vodca.
Já fui uma delas.
O sorvete mancha toda
minha roupa.

Meio amargo, vou embora do playground.
Mantenho as mesmas
batidas no coração
da minha infância ou
quando estava contigo ou
quando eu era mais
doce.
Jogo a casquinha
no lixo.

CÍRCULOS NA MINHA MENTE

Tire uma foto e
guarde no seu bolso.
Prometa que você
não vai mudar.
Que tudo será
como é.

Relaxe, não vou
contar pra ninguém que
você concordou comigo.

Deixarei ir embora,
porque não quero mentir:
corro em círculos na
minha mente, em
círculos, círculos,
círculos.

Aqui estou, esperando
alguém que não é mais.
No campo aberto em
meio à tempestade.
Aqui estou, esperando
que o passado me salve.

Relaxe, não vou mais
te aborrecer comigo.

Deixe eu ir embora
porque não quero mais mentir:
corro em círculos na
minha mente, em
círculos, círculos,
círculos.