quinta-feira, 21 de maio de 2020

O SORRISO DO UNIVERSO

Joguei água e detergente
na frigideira gordurosa.
Despejei a mistura na pia.
A espuma leitosa e
a água de ferrugem
formaram uma espiral,
dançando com os
restos de arroz e
lixo.
A galáxia se formando ali,
cada bolha era uma estrela e
bolhas menores eram planetas.
Fiquei uns bons
minutos observando
tudo se desfazer
no ralo.
Mãos ensaboadas,
petrificadas no ar.
Olhos girando e girando
no sorriso do universo.
Um veículo, apenas.
Somos apenas um veículo
para tudo o que existe.
A consciência do que
sempre houve e sempre
haverá.
Não há lições, promessas e
decepções.
Apenas pare, por um momento.
Não precisamos de muito.
Nunca precisamos.
E meu amor por você
é como o movimento
das estrelas.
Tão quieto de longe,
numa noite de céu limpo,
astros maiores do que
nosso jogo se amam
pelo espaço entre eles.
Uma pena que só a gente
consiga ver, e por tão
pouco tempo.



terça-feira, 19 de maio de 2020

MEU PRESENTE

Uma garota chamada Isabela escreveu isto daqui no verso de um poema que entreguei:

"A luz da escrita
existe.
O andarilho de palavras
distribui frases
do espirito
Toca a alma de quem
está solto.
Siga teu
caminho, andarilho.
Leve luz onde há
trevas e medo."

Ontem completei 28 anos nesta Terra (obrigado pelas mensagens de parabéns). Obviamente, como todo animal ansioso, pensei sobre passados vergonhosos, futuros incompletos e presentes ausentes. Tudo o que faço parece carregar um pouco do que sou. Em tempos estranhos, o mundo parece ficar mais pesado sobre meus pés. Mas sempre foi assim, eu sempre dei peso ao mundo. E diante dele, muitas vezes senti que eu era insuficiente.

Há um certo Olhar que não consigo descrever. Um Olhar secreto, de beira de esquina, julgando minhas decisões. Eu o sinto em todo mundo. O Olhar que vê o vagabundo, o garoto mimado de gostos duvidosos, afogando-se nos próprios pensamentos fantasiosos e egoístas. Estão me olhando. Ah sim, estão me olhando porque a vida é um palco e eu sou um péssimo ator. Só que ninguém acaba jogando os tomates porque a peça inclui a todos. E eu não sou o personagem principal. Ninguém é. O Olhar então fica emaranhado nas vozes da minha cabeça como um fone de ouvido no bolso da sua calça jeans.

Quando a Isabela me devolveu o poema, eu li o que estava no verso e agradeci. Como o álcool já fazia suas caminhadas no meu cérebro, não dei a devida atenção àquele momento. Isabela saiu da minha vida para nunca mais (pelo que lembro). Colei este poema no espelho do meu quarto. Uma bela forma de cegar o Olhar, o drama recorrente que fico elaborando para justificar maus comportamentos. Porque veja só: eu nunca gostei de jogar pelas regras existentes. Eu sempre amei criar novas regras, novos jogos, outras brincadeiras. Parece que minha cabeça funciona em outra dimensão (eu era uma criança bem esquisita). Porra, observe o que faço, o que escrevo, o jeito que arrumo meu quarto e as crises que tenho algumas vezes por ano. Não tem como eu jogar "Condicionamento Social" sem sair como perdedor, porque eu não entendo as regras, não gosto das regras, fodam-se as regras, vamos jogar "VIDA NUM UNIVERSO INDIFERENTE À NÓS", que é muito mais amplo, mais divertido e mais libertador. Ou então "AMOR E RESPEITO: É BEM SIMPLES". Caramba, até aquele jogo, o "CONVERSAS SEM SENTIDO MAS QUE TE FAZEM GARGALHAR COMO UM NENÉM DE 6 MESES" é mais legal do que "Condicionamento Social". Pois minhas piores crises são frutos destas regras que ainda não consigo entender fundamentalmente. Talvez porque eu as interprete errado, talvez porque eu seja uma bola e este é um jogo de damas.

Sim, eu penso sobre a sociedade mesmo em isolamento. Me preocupo com a volta. O que vai ser dos meus passos na Rua Augusta quando tudo voltar ao normal? Pois de normal não havia nada ali, nem em canto algum da cidade. Voltar para aquilo, para o jogo idiota, me causa calafrios.

A questão é que sinto uma luz imensa dentro de mim, como no poema da Isabela. Essa luz existe em todas as pessoas (dá pra ver em seus olhos). Só que eu tenho medo de deixá-la sair porque lâmpadas neste mundo são vandalizadas, são descartáveis, são quebradas na cabeça de homossexuais. Então eu me apago. Não quero ser o "bobo demais", "feliz demais", "otário", "trouxa", "demente", "louco" e por aí vai. Certos rótulos ainda matam. Física e psicologicamente. E eu não quero morrer antes de quem amo e deixá-los com um vazio ou uma casca apática. Sinto muito. Se minha luz é um pássaro, como o Espírito Santo, então o que há fora de mim é ateu. Tranco minha gaiola, faço cara feia e levo tudo à sério, como uma máscara para me proteger do vírus do mundo.

Se este medo tem alguma verdade em si ou não, eu sei lá. Talvez você já tenha sentido alguma coisa parecida com o que descrevi aqui. Descobrir este sentimento e compreendê-lo foi o melhor presente que recebi este ano. Eu ainda não sei o que fazer com esta realização, mas já é um começo para viver uma vida que realmente vale a pena, com autenticidade e vitalidade. Isso me trouxe um sentimento de paz, de liberdade e euforia. Estou louco para começar a fazer as coisas funcionarem.

Para todas as Isabelas deste mundo, para todos aqueles que compartilham suas luzes onde há trevas e medo, eu agradeço imensamente.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

ARTE DO NADA

"Preciso botar alguma
coisa aqui".
Há alguns anos
venho dizendo isso
pra mim.
Um dia passa, e outro.
O tempo inteiro
dias ficam passando
pela mesma direção.
Eu os observo de dentro
da minha casa.
Nada pra falar.
Nada pra fazer.
Chove um pouco e
aí para.
O artista prepara o
pincel no branco e
no preto.
A vida já é a obra,
basta enquadrá-la e
revistar seus bolsos.
Quando nada acontece,
vem a Página em Branco, o
primeiro poema que escrevi.
Tenho escrito vários
nadas tão belos quanto
meditação.
Não há muita diferença
entre folhas de azedinho e
alguém de máscara
tirando fotos no espelho.
Bem, sei lá o que isso
quer dizer.
Apenas botei pra fora.
E continuarei botando.
Igual a uma
galinha mutante.