domingo, 18 de outubro de 2015

APROVEITE ATÉ OS DOMINGOS

O dia se esfolou numa garoa fina, daquelas que gelam as espinhas preguiçosas. O calendário do celular (modelo novo, coisa cara) marcava um domingo. David esticou-se na cama, os olhos grudaram por tempo seco. Sentiu, olhando para o cinza da janela, que seria um feriado de ócio. Há tempos David não vivia. Seu diário (um pequeno caderno de capa vermelha) era tão cheio de anotações quanto um cadáver é cheio de vida. Tentou escrever algo, mas de nada tinha para pensar; quanto menos para escrever. Anotou "Foda-se" caoticamente pela folha, com traços agressivos e um tom suicida, rasgando um pouco a página. Ouvira numa música que devemos nos perder às vezes. E ele amargava por isso ansiosamente. Sair pela estrada, num clipe de uma música alegre, sendo quem ele gostaria de ser, vendo cores pela paisagem vazia. O sol brilharia para ele levantar os braços e gritar que conseguiu o que queria.
Estava sentindo dores no peito há alguns dias. David morrera ontem.