quinta-feira, 30 de setembro de 2021

CADA UM NO SEU TEMPO

O urubu se refrescando 
na antena 
do hospital.

Tá aí uma cena,
uma cena que 
não sei se obscena
ou apenas ironia.

Tava com tanta pressa
de jantar
pressa mas no tempo dele,
compasso cinco quartos,

Asa pena
pata
asa
voa 

E eu bobo
parado na calçada
perdido no meu tempo
e outro bobo
me observando
na janela de sua casa
em rascunhos.

BEBOP DOS ENCONTROS

Oi, vim dizer que
gostei da sua cara.
Há! Você também pensa?
Legal, toma aqui
um pouco da minha história.
Um pouco das minhas palavras
das horas mal dormidas e
da imparcial fumaça
dos vícios ridículos.

Sentamos no banco
conversamos no banco
o banco e a gente.

Sabe, gosto das páginas em branco
mas tenho medo de preenchê-las
porque toda escolha
é uma perda.

Você também é
uma criatura
cansada de perder?

Tanto em comum
tanto encanto
tanto em você
que há também
em mim!

Vamos trocar figurinhas
e completar o álbum
e ganhar uma bicicleta e
andar de bicicleta,
ralar os joelhos e
cotovelos na terra infértil,
no asfalto de cobalto.

Vamos respirar um ar impuro
de botecos dementes,
poluição sonora
e o improvisar das
britadeiras.

Uma esquina,
uma esquina quente
de frente pra
qualquer lugar.
Ah é!
Qualquer situação
sente sente
sinta sinta
que há liberdade
apenas quando
se vive de coração
amando seguindo
a canção de tudo.

Ah, vai ser legal,
você é legal e
estupidamente
especial.
Não haverá ninguém igual,
estrelinha de carne.
Ninguém mesmo.

WHATEVER

Tanto faz em que língua
dizemos mentiras
pra nós mesmos.

Cheguei num lugar
porque viajei nas ideias.
Não foi sem cicatriz.

Mas escuto a canção das manhãs
e das tardes de nuvens rosas
e aí pressuponho
um milagre em ser.

Tanto faz para a água
quais caminhos percorrer.
Somos 70% líquido e,
em alguma parte do resto,
pensamentos.

Não que pra chegar aqui
tenha passado incólume.
As marcas rasgadas
no meu sorriso
não se disfarçam.

Você carregará este peso.

terça-feira, 21 de setembro de 2021

CATRACA AUTOMÁTICA

A página vazia,
história minha
teimando em existir,
tentando e falhando.

Duas palavras e
apago dez.
Um dia e 
apago um ano.

É tanto nada
que até a 
catraca automática
não me reconheceu.

Mas olhei pro espelho
antes de sair de casa.
Tenho quase certeza
de que havia alguém
do outro lado.

Alguém que amo
na maior parte do tempo.

OUROBOROS

Tô naipe Ouroboros,
devorando-me.
A música favorita
repetida repetida repetida

Mais vale viver
total desconhecido
do que já saber,
já ter sentido
o gosto de tudo,
o olho do mundo.

Na quebrada
o mais difícil de quebrar
são os círculos.

Aqui no extremo 
tudo é rascunho,
projeto inacabado,
dinheiro desviado.

Então é um tiro,
uma dose, uma pose.
Um suspiro, uma tosse,
um close.
A mente no escuro.

Tô naipe Ouroboros,
devorando-me.
A música favorita
repetida repetida repetida

QUEIMANDO SEDA

Seu amor foi como seda
que queima
rápido demais.

Bateu forte,
perdi o norte,
você me levou
pro fundo do sul
das minhas emoções.

E me deixou lá,
esperando um calor
no inverno
da sua
filha-da-putagem.

Mas tá tudo bem,
bem que sei;
um dia serei
a seda de alguém.

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

MAIS UM DIA

Afinal posso esperar
mais um dia,
mais um amar.

Mas não venha me dizer
que não dá pra ficar
tanto tempo pra perder
mais um dia,
mais um amar.

Não tem mais decoração.
Só restou os erros em vão.

Tinha espaço pra você.
Aliás, ainda tem
tanto tempo pra perder
mais um dia,
mais um amar.

Eu queria mais de nós dois...
Deixa pra lá, deixa

pra depois. 

domingo, 12 de setembro de 2021

DIAS DE MOFO

Tanto tempo trancado 
e agora meu quarto
tem alergia de mim.
O corpo parado,
dias de mofo
sem fim.
Amando a umidade
do álcool, 
escondido no escuro.
Ah,
chega disso.
Levanto e misturo
meio cloro com meia água
e limpo até minha alma
com tudo que aturo.
Dias de mofo 
já bastam.
É bom tomar um sol
no corpo inteiro
nessa cidade
magnificamente
poluída.
Sorrio pro mundo porque
talvez meu sorriso 
salve uma vida hoje,
nem que seja a minha.
Dias de mofo
acabaram.

SEGUNDO FÔLEGO

Então amanhece e eu preparo
mais uma dose de
vodca com energético.
Brindo as flores da praça,
saúdo a vitória com os parça.
Sobrevivemos
mais uma madrugada.
Ficando acordado tempo suficiente,
vem o segundo fôlego.
O corpo rebobina a fita.
Tiro uma selfie.
Tiro sarro 
da minha cara 
de estragado.
Todas as mensagens são inúteis e
as conversas se perdem
umas nas outras
até a última garrafa secar.
Agora é voltar sem parar,
andando como se descobrisse
os segredos do mundo.

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

ABAFADO

naquele calor desgraçado,
achei engraçado o fato bizarro
de não conseguir sair
de casa numa lua daquelas.
é a mente querendo
seguir em frente
com tudo preparado.
mas o mundo é imprevisto
e sempre estou no lugar errado.
fiquei rolando de um
lado pro outro e por pouco
o fogo no rabo
falou mais alto.
beber uma breja,
cachaça, que seja.
mas fugir de tudo
não é de graça,
e meus bolsos toscos
carregavam apenas o troco
em bala.
aí continuei na fornalha,
ansioso por não fazer nada.