terça-feira, 26 de novembro de 2019

COMO VIVE UM POETA

Trens. Muitos trens.
Boa parte do tempo,
um poeta estará num
transporte público
pensando se deve ou não
vender suas poesias ali.
Não conheci poetas de carro.
Não conheci poetas saudáveis.
Poetas de carro novo e saudáveis
geralmente trabalham na Globo,
e aí o termo fica subjetivo.
Muito tempo em
ambientes fechados.
Isso ajuda na percepção
da vida. Quanto mais deturpada e
negativa for a percepção,
melhor o poeta.
Por isso que existir é uma merda.
Volta pra casa no trem.
Cuidado com o vão entre
você e seu sonho.
Cuidado com a sobra
do dia seguinte.
Cuidado pra não ser
quem você odeia.
Alguns poetas se feriram tanto
que mal conseguem manter
contato visual.
Estão sempre de canto, tentando
perceber o que há de interessante
nas pessoas.
Vivem acumulando falhas, erros.
Pensam demais.
Gastam toda sua energia pensando.
Não sobra nada pra socialização,
a não ser que estejam bêbados.
Aí param de pensar.
Fica mais fácil ouvir as mesmas
coisas de novo e de novo.
"Manda um poema aí!", diz
um macho otário.
O poeta encara o chão,
dá um gole no corote e
vai embora pra casa.
Quase perdeu o último trem.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

ENGANO

Um número desconhecido
me emputece logo de manhã;
era engano.
Ora, e o que não é?

INTROVERTIDO

Algumas nuances você só percebe
com um bom fone de ouvido,
num ambiente silencioso,
numa boa perspectiva de vida.
Mas há uma sociedade lá fora
que precisa do seu corpo e
das suas mentiras pra servir
de capacho.

Desculpe.

Eu fico meio estranho
quando passo tempo
demais em casa.
É que não tô afim de conversar.
E quem não fala, escuta.
Não tô afim de escutar também.
Parece que competimos
pra ver quem fala mais
só pra não ouvir
a merda saindo da boca
do outro.
É por isso que pessoas quietas
parecem tristes;
fique algumas horas calado,
no meio de gente,
e tente ser feliz.
Eu só sei que tenho
bons fones de ouvido
no meu quarto.
E conheço um site que converte
vídeos pra MP3.

NÃO ENTENDI O QUE EU QUIS DIZER

Tenho nojo do ralo da pia.
Dos restos de comida e
da água que não desce
o cano.
Tenho desejos simples e
ambições impossíveis
ao mesmo tempo.
Enlouqueço só quando acordo.
Sinto meus lábios suados
desejando o açúcar de
um novo café.
Rastejaria até o meio
das pernas de qualquer
alguém que me quisesse.
Só penso em foder e
aí eu me fodo todo
o tempo inteiro.
Vou suturar meus erros e
fazer deles um casaco de pele.
E se me procurarem,
estarei diluído por aí, num trem
ou numa alameda,
cantando o hino do planeta.

UM POEMA BOM

Uma frase boa pra me tirar daqui.
Uma dose doida pra
extrair ao fim.
Veja: cimento debaixo dos pés e
o céu sobre um nada.
Uma balada boa pra
fortalecer a farra.
Um dogma novo pra
falecer na garrafa.
Estamos cansados de sentir,
não de viver.
É que pra estar vivo deve-se
sentir; são ossos do hospício.
Um amor platônico pra me
matar aos poucos.
Um ofício novo pra me
juntar aos loucos.
Concreto acima dos anjos e
o céu de portões fechados
por falta de santos.
Um poema bom pra empurrar
tudo isso daí.
Uma promessa boa
que eu traí.
Saúde!

UM, DOIS, TRÊS, TESTANDO

Então testei, tentei,
fiquei mais triste com menos e
menos feliz com mais.
Minha mente elétrica, inquieta,
gosta de passear em você
às vezes.
Quando tento fazer alguma coisa
com esse saldo de tempo
e tédio, lembro que
antes não era diferente.
É que a gente sabia que
acabaria. E por via das dúvidas,
deixei as últimas palavras
pro começo.
Um, dois, três, testando.
Um, dois, três, testando.
Espero aos berros que seja
sincero de agora em diante.
Espero no inferno, ardendo
na brasa do ferro que seja
inteiro de agora em diante.
Mas quando tento fazer alguma coisa
com os cacos que sobraram de mim,
monto apenas figuras distorcidas
e apáticas.
Então testo, tento e fico
na mesma.
Um, dois, três, testando...