sexta-feira, 30 de novembro de 2018

A MESMA EXPRESSÃO

Meu rosto na cama,
minha face estica
pelo banho apressado e o café amargo.
Meu rosto no trem,
minha face, preguiça.
Várias almas nessa barca
trocando moedas pela vida.
Meu corpo na rua,
minha face postiça.
Sorrio pra que não me perguntem
se realmente tá tudo bem.
Minha coluna no bar,
minha face embebida
de cervejas que esqueço
nas falas iguais da mentira.
Meu resto na balada,
minha face escurecida
pelo som abafado dos gritos,
dos beijos e da nossa saída.
Meu nada na sua cama,
minha face em dívida
com minha promessa de inovação.
Mas este jogo a minha mesma expressão
já cansou de jogar.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

EMPRÉSTIMO

Jonas e Orlando estavam sentados na sala de jantar. Orlando fumava um cigarro.
- Quer uma água, alguma coisa? - ele perguntou.
- Eu não sei... eu não sei...
- Peraí que eu vou buscar uma bebida pra você...
Orlando se levantou e foi até a sala para buscar uma garrafa de uísque. Atravessou a mesa, alcançou o armário da cozinha e arranjou dois copos. Ele os botou na mesa e serviu uma dose pra cada, dizendo:
- Bebe aí, amigão. É nóis!
Jonas agarrou o copo e deu uma degustada.
- Cara - ele disse, - eu precisava muito dessa grana. Por favor, mano! Me arranja essa grana!
Orlando bebeu quase o copo inteiro em silêncio. Olhou para o copo, para a mesa e suspirou lentamente, dizendo:
- Eu não posso, cara...
- É um dinheiro besta - Jonas retrucou. - É troco de pinga, mano! Me arranja essa grana aê, por favor!
- Eu não tenho nada, eu juro pra você! Se eu tivesse, você sabe que eu te daria, sem dúvida nenhuma! Eu entendo a situação e...
Jonas tomou mais uma dose do copo, sem tirar os olhos do rosto de Orlando. Deixou o copo sobre a mesa de madeira. Fez um barulho estranho com os lábios enquanto balançava a cabeça para cima e para baixo, como se estivesse engulindo os termos amargos da negociação.
Orlando começou a chorar desesperadamente. Bateu as duas palmas sobre a mesa e gritou:
-VOCÊ ME CONHECE! VOCÊ SABE QUE EU NÃO POSSO!
-Por favor, cara - Jonas disse, mantendo o contanto visual. - Pelo menos metade do que preciso. É só o que eu te peço...
- NÃO DÁ! NÃO DÁ! MINHA MULHER JÁ FOI EMBORA DAQUI, PORRA! LEVOU MEU FILHO E O CARRO! JÁ PEDI DINHEIRO EMPRESTADO PRA TODO MUNDO E...
Jonas passava o dedo indicador sobre a borda do seu copo em movimentos circulares. Suas pernas cruzadas não paravam de balançar. Ele olhou para Orlando. Encarou aquela face suja de lágrimas. Apertou os lábios e cerrou os olhos lentamente, como se dissesse "não tenho escolha". Virou sua cabeça para a janela da sala, onde dois homens o aguardavam. Fez um sinal para que entrassem. Orlando levantou abruptamente da cadeira e se atirou de joelhos à Jonas, implorando para que não fizesse aquilo. Os dois homens entraram, cada um armado de pistolas 9mm.
Os 8 tiros foram certeiros, atingindo somente a cabeça e o rosto de Orlando. Jonas levantou de sua cadeira, sujo de sangue. Olhou para os dois homens e disse:
- Da próxima vez, espera tá longe de mim, tá?
Os dois homens se desculparam.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

DOIS PÉS NA ESTRADA

Existe um tipo de insegurança
sobre as escolhas difíceis.
Saber se estamos no caminho certo
só vale se queremos chegar
a algum lugar.
Bebo feito um trouxa,
fumo feito um idiota
porque ainda não
sei dar a melhor resposta
quando a vida me pergunta
"é isso aí?"
Talvez eu nunca saiba responder.
O que não quero é deixar os dias
passarem sem eu perceber que
aqui o sangue ainda pulsa.
Quero beijar sua boca
(ou não).
Quero tirar minha roupa
(ou não).
Quero que o medo se rompa
(tanto faz).
Viajar até LÁ
abraçando tudo o que vem
DAQUI.
É via única e
nossa ré tá quebrada.
O jeito é seguir em frente,
pedir direções pra quem já
estudou a estrada.
E parar, às vezes,
pra dar aquela mijada.

INTERNAÇÃO GALÁCTICA

Eu compro a latinha e enfio
meus fones dentro da minha cabeça
pelos meus ouvidos,
pra não ouvir o que
os nãos têm a dizer.
Me interno no meu universo,
me vomito pelos versos.
O desafio é manter o sorriso
de uma forma saudável.
Aprendi que sorrir o tempo inteiro
não é meta palpável.
Gente sofre, sente, e eu sinto muito
por não ter a melhor resposta.
Minha lata esquentando
parece estar de boa.
Às vezes eu queria ser o alumínio
pra me esfriar à toa.
Mas há contas pra pagar,
culpas pra negar, corpos pra beijar.
Gosto do que sou agora;
o resto de uma estrela morta.
Só não sou fã da ressaca
que vem depois.