quarta-feira, 11 de junho de 2025

RASCUNHOS

minha calçada é um rascunho
onde pisam pés descalços
minha vida cinza imundo
minhas paredes tom de fundo
do poço

se eu pagasse pra pintarem
a fumaça colada na minha sala
o mofo infiltrado no meu quarto
talvez eu acordasse
um pouco mais
de bom humor
eu sinceramente não sei
quanto você pagou por esse sorriso

na minha rua tudo é fosco
construída com o troco
do cotidiano invisível
eu já havia percebido
o abismo
entre nós

meus sonhos voam até você
meus pés se distanciam
pago caro pra poder te ver
meu corpo amassa no horário de pico
e eu fico
indo e vindo
enforcado nos ponteiros do relógio
mas é claro, a culpa é minha
de ter só um pouco de sorte
de poder erguer a clava forte
aos boletos atrasados e infinitos

no meu rascunho tá escrito
letras tortas em linhas tortas
quantas portas se fecham
a cada dia que sobrevivo

mas a sua vida
é uma obra de arte
da qual, se eu fizesse parte
seria apenas a poeira
que suja a sua moldura

meu tempo é um rascunho
tinta usada, de próprio punho
nas folgas eu me divirto
eu vivo
eu sinto
ah... eu sinto muito.

TEIMOSIA

não me pergunte 
porquê eu continuo
pois uma pedra é pedra
até que alguém a mude
e um poeta é poeta
até que apertem a tecla "mute"

esse céu é tão teimoso
que continua azul
de norte à sul
vai toma no cu
é por isso que vivo
sempre nas nuvens
recebendo nudes
do cosmos

pois aqui na terra
a vida é árida
tão seca que parece ressaca
daquelas que não valeram
as contas esvaziadas

e ninguém acredita
e ninguém precisa acreditar
você teve a idéia
seu papel é continuar
entre trancos e barrancos lá vou eu
seguindo em frente
com que o meu espelho
me prometeu

deu errado
eu vou
deu certo
eu vou
deu em nada
eu vou
sempre teimoso
se for pra experimentar essa vida
que pelo menos eu sinta seu gosto.

MEU POEMA NÃO PAGA SUA CERVEJA

eu pago meus passos
por um espaço 
que não é meu

pago pelo começo do dia
onde a maioria
ainda nem acordou

eu pago ansiedade
com o presente
que ela me roubou

agora vejo essa sua cara
essa sua garganta molhada
de vícios luxuosos
que meu corre não poupou

meu poema não paga sua cerveja
sua piada não tem graça
quando é você quem está
sentado do outro lado da mesa
de barriga cheia
falando besteira
minha arte é uma droga
que você não cheira

meu poema não paga sua cerveja
nem teus erros
tua falha
o que te falta
na persona rasa

e a noite se emenda
colada com os foras
dentro da minha presença
e me dizem
"a gente não quer comprar nada"
mas em nenhum momento
eu disse
que eu estava à venda

meu poema não paga sua cerveja
mal paga a minha existência
mas eu penso, logo insisto
cada verso um passo de resistência
e eu espero sua decência
de ao menos
me desejar
nessa infinita madrugada da alma
uma boa caminhada.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

CONTINUO (TEIMOSIA)

mesmo respirando parado
fazendo charme pro mofo
do meu quarto
e de todos os meus sonhos

*eu continuo*

[fazendo certo do errado
com passos desacreditados
eu subo a escada
de degraus incertos]

*eu continuo*

uma noite de toda vez
como se viver fosse sobre
saber morrer
mais de trezentos dias por mês

*eu continuo*

[só escuto uma voz
no meio do barulho do mundo
que me diz que ainda
tenho que evoluir
pra ser gente
pra ter uma história diferente
no conto do mesmo final
igual para tudo, tudo]

*eu continuo*

porque escolhi caminhar 
alternando erros e acertos
pra frente e pra trás
como uma onda no mar
sem saber nadar
buscando ar no meio da arte
me afogando só quando é preciso
me afogar
e nas outras vezes também

*eu continuo*

[eu ainda não sei
e não saber é a primeira fase
do aprender
eu me conheço todo dia
me apresento pro espelho
"eis alguém que ontem não era"
o desconhecido ainda me espera
é só a jornada que dá bons conselhos]

eu vivo minha vida
e chegarei aonde tenho que chegar
aonde quer que seja
a resposta é sempre a mesma
vou fincar minha bandeira
e gritar de alma inteira

*eu continuo*

O CAMINHAR

meus pulmões eram fumaça
quando o abrir da latinha
ecoou mais alto pela
noite sedenta

lá estava um corpo quase meu
caminhando os meios da rotina
num chão que já me conhecia
pelo nome

essa vida ainda
guarda segredos
que eu talvez já conheça
mas gosto de sussurá-los
de pertinho, no ouvido do vento
"quem não vai me conhecer hoje?"

apago a bituca esgarçada
na ponta da bota cansada
meus colares pesam no peito
não mais do que
tudo o que tem me feito
eu fico leve na gravidade do luar
desejando um eclipse
desejando minha cama
e qualquer boca
que saiba dar
um beijo de verdade.