minha calçada é um rascunho
onde pisam pés descalços
minha vida cinza imundo
minhas paredes tom de fundo
do poço
se eu pagasse pra pintarem
a fumaça colada na minha sala
o mofo infiltrado no meu quarto
talvez eu acordasse
um pouco mais
de bom humor
eu sinceramente não sei
quanto você pagou por esse sorriso
na minha rua tudo é fosco
construída com o troco
do cotidiano invisível
eu já havia percebido
o abismo
entre nós
meus sonhos voam até você
meus pés se distanciam
pago caro pra poder te ver
meu corpo amassa no horário de pico
e eu fico
indo e vindo
enforcado nos ponteiros do relógio
mas é claro, a culpa é minha
de ter só um pouco de sorte
de poder erguer a clava forte
aos boletos atrasados e infinitos
no meu rascunho tá escrito
letras tortas em linhas tortas
quantas portas se fecham
a cada dia que sobrevivo
mas a sua vida
é uma obra de arte
da qual, se eu fizesse parte
seria apenas a poeira
que suja a sua moldura
meu tempo é um rascunho
tinta usada, de próprio punho
nas folgas eu me divirto
eu vivo
eu sinto
ah... eu sinto muito.