sábado, 19 de novembro de 2022

LIXO COMUM

posso ser um lixo reciclável
uma garrafa de vidro
que armazena alegrias
mas que vira uma arma
quando quebra.

posso ser o plástico
e manter seu infinito.
ser quantos produtos eu quiser.
retornar à quem me quer.

mas talvez eu seja
lixo comum.
apenas um.
um troço que existe.
algo que produziram.
algo que descartaram.

algo.

chamo comigo meus hábitos tristes
e chamo além disso
um pouco de você
nas minhas lembranças
e tudo do pouco
que você fez de mim
quando me descartou
por inteiro.

não me sinto pior.
ainda tenho o mesmo tamanho.
um grão de areia
no universo.

CANSADO E DE SACO CHEIO

meu corpo carrega o mundo
e o mundo me carrega por aí
não sei se servi
pro que me pediram
eu quase nunca sei.

ontem exagerei na bebida
mas não foi o necessário.
foi desespero descompassado
um jeito de ficar aliviado
tamanha inconsistência
dos dias repetidos
das tarefas repetidas
dos erros repentinos.
tô sem tempo
porque vendi meu tempo
para aproveitar o futuro
que já devia ter chegado.
eu fico cativo
tentando comprar minha liberdade
com as migalhas do contrato.
de fato, o fogo interno exausto
queima um cigarro
sempre que possível.

insatisfação.

meu ser conhece a depreciação
uma dívida de cada vez.
crédito por aproximação.
estou devendo
mesmo sendo
meu melhor
no momento.

tô cansado e de saco cheio.
e se você também está
venha me visitar.
eu moro sozinho
com meus vizinhos.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

PERDI O INTERESSE

odeio ter que me entender.
mas só pra ver onde é que dá
os caminhos que me foram empurrados
eu sigo abrindo a janela
todas as manhãs.
o mesmo quadro em branco
perdendo valor no leilão do tempo.

não quero novas amizades
porque já entendi com as velhas
o que acontece quando há
conflito de interesses.

não quero amar mais nada
porque vai ser duro
me despedir do que já amo.

perdi o interesse em você.
muita ladainha.
engane-se o quanto quiser.
tô no limite do engano.
tô vacinado de encanto.
por enquanto eu vou procurando
não sei o quê
não sei onde.

parei de tomar café
para não sentir ansiedade
e agora eu sinto nada
e o nada é a pior doença.
a indiferença fingindo indiferença
quando tudo vira ofensa
e a cabeça já não pensa
ela pulsa tritura desfigura
até a inocência
de um animal.

sim, eu perdi o interesse. 
nenhum fio me segura.
tive que cortar os laços
com a lâmina cega do absurdo.
queimar seu nome 
escrito num pedaço de papel
pra ver se esqueço
de pensar em você.

perdi o interesse em mim
nas histórias
na cerveja
nas ruas do meu bairro.
esse Jardim São Pedro tá seco.
meus galhos áridos
magros e ingratos
balançam numa terça cinza.
nunca mais foi verão pra mim.