Eu só não quero morrer. Mas há um mal-estar me acompanhando, um mal-estar com cores amarelas, pétalas murchas, acordes desalinhados. Uma chuva que não cai direito, faz curva e não molha o chão como deveria.
Deitar não funciona. Já funcionou um dia, mas não agora.
Eu só não quero morrer.
Meu violão me diz que pode ser meu amigo às terças. Segunda é dia de faxina. Tem de limpar as cordas, a sujeira incrustada entre uma casa e a outra. A Primeira e a Sétima são as piores, ele diz. Violão grandão. Nas quartas é meu voyeur. Vê o podre calejado, vomitado de meus poros. O resto da semana não existe.
Eu só não quero morrer.
Tempo é uma questão de opinião. Não sei o que pensa a Terra do tempo do Sol, nem do tempo de si mesma. Não sei se a Terra se acha velha ou criança. Também desconheço o que pensam as estrelas sobre os buracos negros. Farão uma festa na bilionésima semana à partir de hoje; uma orgia, uma galáxia engolindo a outra, como o outono engole o verão e é engolido pelo inverno.
Todos os sexos que não fiz são a causa do problema. Devem ser a causa do problema. Pelo menos é a minha opinião, e opinião é questão de tempo. Os sexos que fiz também se uniram ao partido desprogressista. Passos para trás que dou todo domingo começo de mês. Domingos são os piores, eu poderia dissertar sobre seus malefícios até o dia da orgia intergaláctica caso meu corpo durasse tanta opinião.
Eu só quero o que quero, o oposto do que não quero. Se não quero morrer, então eu quero viver? Mas estou vivendo meio que não querendo. E a culpa não é da vida. Já disse: sexo é a raiz da minha árvore parasita. Sou sugado por mim mesmo.
A única coisa que não me suga é a cerveja. Cerveja e gastar as solas do meu All-Star nas calçadas paulistas desta floresta de pedras pixadas. Gosto dos pixos, são como tatuagens nos prédios, feitas por tatuadores de várzea corajosos o suficiente pra expressar seus demônios.
Meus demônios só saem às sextas-feiras, depois do serviço. Trabalham no RH das emoções. Despedem as boas e contratam as péssimas. O partido desprogressista tem seus contatos. Para se divertirem, levam minha carteira e minhas chaves e a sola do meu All-Star até a adega mais próxima. O maço de cigarro se acha o bonzão. Se soubesse que já fumei de graça não cobraria um preço tão alto por suas toxinas. Meus demônios flertam com o mentolado e aquele que possui três vezes mais monóxido de carbono.
Eu só não quero morrer.
Escolho o mentolado.