terça-feira, 28 de dezembro de 2021

MAIS LIVRE

Queria ser mais livre,
mas a gente vai envelhecendo
e botando algemas
em nós mesmos.
Tanto medo de morrer
que acaba morrendo de não-viver.
Hoje já penso como
os velhos dementes que me diziam
pra tomar cuidado.
Agora sou até amigo deles,
os meus amigos que me acompanharam.
Eu queria ser mais livre de mim,
mas sou tudo o que tenho,
e a única posse que vale a pena.
Uma pena eu ter de me vender tanto.
Seminovo deveras usado.
Rodou tanto que agora prefere
ficar parado.
Um velho num jovem de braços,
pernas e genitais
que ainda funcionam
de vez em quando.
Ah, eu só queria uma folga
entre o trabalho de ser
e a paz de fantasiar.
De ser da Terra mas
repousar no meu mundo.
Mais livre disso.
Mais livre do que isso.
Apenas
a s s i m

CHUVA DE FIM DE ANO

Vou te dizer o porquê
de chover todo fim de ano.
É o país lembrando de si.
Lembra que já foi
muito melhor do que agora.
Antes dos portugueses.
Dá saudade, 
velhos tempos.
Fica triste e chora.
Pode reparar que 
garoa como lágrimas e
chove em pancadas,
um pranto em desespero.
O céu chorando.
Mais um ano se passou e
ele anda envelhecendo
tão mal quanto a piada do pavê.
É isso.
Apenas o choro
de um território doente.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

DE COMEÇO EU ENTENDO

Sou bom de começos.
Me perco em meios.
Coleciono fins.
Que você seja
pelo menos um deles
e o melhor deles.
Que o meio tenha gosto
de começo.
Se fim, que seja assim,
enfim, tá tudo bem.
E de começo eu entendo.
Sou bom de começos.
Me perco em meios...

CACHORRO DOG

O dog machucado
abana o rabo
pro olho afetuoso.
São as ruas criando anjos
de ossos expostos.
É de pouco que sorriem
seus caninos imprevisíveis.
Mas é o corre criando
prantos invisíveis.
O dog meio-curado
diz obrigado
com quatro patas.
Revirou tanto lixo.
Olha o bicho! Olha! 
Insisto um 
cardume de insistências.
Olhai por nós.
Latiram depois da meia-noite.
Protegiam por instinto
o homem
de outro homem.
Quem estava dormindo?
Só dormem quando precisam
aqueles que deles precisam.
O dog todo cão
tem mais coração
que essa gente.

EU ACEITO

Eu aceito um cigarro e um afago
bem de perto.
Eu aceito ter desejo por você
mesmo que fale sozinho.
Acredito em princípio, em precipícios
e saltos de fé.
Mas não gosto de pular
sem antes
molhar os pés.
Confio em aceitação,
como você pode ver.
E eu aceito de coração
essa emoção blasé.
É por isso que o vinho
faz tanto carinho em mim.
É o filtro de desalinhos,
infinitos sem dizer.

Eu aceito um cigarro bem mais caro
que me custe te esquecer.
Eu aceito que você já pode ter
outro alguém pra remeter
sua boca, suas coxas, sua pele,
suas roupas, seu perfume,
seus costumes, seu ciúmes,
seu querer.
Eu aceito, eu aceito, eu aceito, eu aceito.
Mas não me peça
pra sorrir.

ALÉM DA PELE

Eu leio suas bulas
um caso incerto de 
certezas desmentidas.
O que conversa contigo
não são cheias-palavras.
É a transparência do cristal.
É a dureza d'água,
dureza abstrata da saudade.
O que conversa contigo
cativando cinismo 
não é boca, beiço.
Não é coisa afora de
vistas clichés.
Fica além da pele.
É o tremelique do ar,
polpa das mãos, suco de fuga. 
É o dizer sem ter dito,
o olhar que faz ver,
toque inquilino
de um desejo secreto.

Escuta! Escuta!
O que nenhuma letra representa.
Nenhuma letra possui tal capacidade.

Quero ter uma conversa de âmagos.
Lambidas de energia,
sua essência
rebolando e quicando
na minha.
Fica além da pele.
Você sabe.
Você sente.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

OS POETAS SONHAM DEMAIS (EXPLICAÇÃO)

os poetas sonham demais
mas são seus sonhos que os carregam.
os poetas sentem demais.
eu sinto muito
pra mim o mundo é mais.

vou tentar me explicar.
talvez você nunca me entenda.
quero uma vida de poesia,
subir a via na alegria,
aproveitar a porra toda desse dia.

é que tô cansado de pensar.
uma mente inteira pra estourar.
é tanta questão antes de ser
tanto corre pra correr
ansiar cansa mais do que viver.

e agora eu já nem sei
se o que sou hoje eu já pensei
em todos os dias que cansei
de me limitar

dentro do meu pensamento,
secando a alma no cimento.
olha só esse momento
já passou.

os poetas sonham demais
mas são seus sonhos que os carregam.
os poetas sentem demais.
eu sinto muito
pra mim o mundo é mais.
é mais do que a gente vê,
e é só a arte que consegue entender.

REQUIEM PARA UM RATO

Um rato, HA!
Tadinho do bicho.
Fugiu da vassoura,
morreu de roda.
Morreu de tonelada.
Morreu, cabou.
Ninguém chorou.
Por que ninguém chorou?
Eu não chorei.
Te juro que não chorei,
nem quando lembrei
do seu desespero e
da sua inocência animal.
Nem do grito que deu.
Eu não chorei, palavra!
Era só um rato.
Quem chora por um rato?
Era, já foi
(tadinho do bicho).