Meus amigos estão querendo
mais alguma coisa e
nossos reflexos pelas poças
imundas de São Paulo revelam
olhos dementes loucos irrisórios
aproveitando o agora e
fugindo de todo o resto do tempo.
As bundas ficam coladas
nos bares e
as moças vendem as melhores e
as piores balas do mundo
enquanto a feira de cocaína
rola pelas ruelas da Augusta.
Baladas infernais desmanchando
noites esquecidas
pela embriaguez do bonde.
O fluxo segue os
passos corridos
de quem vem e vai,
caminhando nas alamedas luxuosas
atrás do próximo loló.
Os escândalos angelicais
das migas e migos
com casacos fluorescentes,
quase tão vivos quanto
a chama dentro de
seus corpos tatuados.
Estudantes manifestando
sobre isso e aquilo e aquela
outra coisa que aconteceu e
que foi parar na gaveta dos
jornais nacionais.
Que foi enterrada na lama,
massacrada por oitenta tiros.
Seios e mamilos andando por
aí, com camisas abertas
e mangas arregaçadas.
Uma voz só exigindo igualdade.
Mas estamos ocupados demais
tocando e masturbando
nossas tecnologias.
Minha geração goza em máquinas
e o match é perfeito.
Ficamos nus frente à câmera,
totalmente desprotegidos,
esperando o amor chegar.
Mas todos sabemos
que não passa de
mais uma história, mais
um momento intragável
que pedimos no
bar do China.
Os banheiros gozados
com as mais maravilhosas
porras de pessoas
que cada dia conseguem
ser mais autênticas
e mais orgulhosas de
suas vontades desejos paixões;
seis cores na bandeira hasteada,
colorindo muros da cidade
mais cinza do mundo.
A garoa molha a seda,
molha o tabaco e a paranga.
Molhamos a garganta
com a saliva alheia e
com a bebida alheia,
o cantinho do nosso vale,
o duelo entre sabores
de uma juventude inteira
condenada a ser tão jovem
para sempre.
Sem visão, sem perspectiva
alguma do que pode
acontecer com o aluguel,
a carreira que nossos avós
conquistaram para nossos pais
e que agora nós trocamos
por uma viagem para
o Uruguai, Chile, Irlanda.
A Paulista de pernas abertas
para o domingo penetrá-la
com seu hélio e seus
artistas de rua mendigando
atenção.
O riso inocente da criança
que olha o maluco de estrada
fumando um charuto,
uma verdadeira pica de
maconha, maior que
o braço de um bebê,
dando piruetas e
cantando a ventania
do próprio destino.
Minha geração nasce em máquinas.
A publicidade é perfeita.
Não há um maldito que possa
falar por todos, mas
todos podem falar
por um maldito que
escolheu não eleger
desgraçados que
infestaram o senado e
toda a capital com suposta
ordem e progresso.
Eles não cuidarão de nós.
Nós não cuidaremos de
ninguém.
Somos os filhos rebeldes
do racismo, da homofobia,
da violência, do machismo,
do achismo, do padrão,
da certeza.
Fugimos de casa porque
nossos pais não souberam
o que fazer com suas propriedades,
com seus direitos, com suas
vidas e aposentadorias.
Fugimos de casa porque
casa não é lar.
Nosso abrigo tá no abraço
de algum desconhecido
da rua que olha nos olhos
e diz "é, eu sei".
Nosso abrigo tá na
ocupação de espaço
e tempo, perdendo
cabeças iluminadas
para o abate do
sistema educacional.
Nosso abrigo tá na nova periferia
que atrai turistas do centro.
Que vende o cigarro falso,
o litrão barato,
a vontade de
liberdade, de mudar
as regras do jogo, de
poder errar e errar e errar
até as cicatrizes se acumularem
e nossas almas gritarem
de prazer.
Nós ouvimos Funk, com
"F" maiúsculo de FODA-SE.
Sentamos e quicamos e
rebolamos na cara
de quem acha que caráter
é pessoa recatada.
Temos overdoses cada vez
mais cedo.
Cortamos nossas coxas
cada vez mais cedo.
Temos ataques de pânico
e mergulhamos de cabeça
na depressão da estrada
porque sentimos que
não somos o suficiente
pra agradar os mais velhos,
os mais novos e
os que nem existem.
Minha geração tá perdida,
mas temos GPS e conexão
suficientes para continuarmos
nos perdendo nas biqueiras
dos nossos corres.
Somos o único,
importante,
desesperado,
famélico,
caótico,
poluído,
egoísta,
deprimente,
ansioso,
furioso
futuro da Nação.